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Discriminação múltipla contra a mulher é tema de palestra

21/03/2019 - 18h27
Atualizada em 21/03/2019 - 18h27
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Abordando a discriminação contra a mulher e principalmente aquela direcionada à mulher negra, a Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão (CPAI) promoveu hoje (21/3) o segundo painel do ciclo de palestras 30 anos do TRF4. 

A advogada Denise Dourado Dora, uma das sócio-fundadoras da ONG Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, que atua na promoção dos direitos das mulheres, e a representante dos servidores negros no Comitê de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), Roberta Liana Vieira, foram as palestrantes. A mediação foi do desembargador federal Roger Raupp Rios, que preside a CPAI.

“O Brasil é o 5º país pior do mundo para uma mulher morar”, declarou Denise ao iniciar sua fala, explicando que os índices de feminicídio estão ascendentes, apesar da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) e da Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015). Segundo ela, isso se deve a uma história de desigualdade coroada por um padrão normativo que espelhava uma cultura de inferioridade do feminino.

“No Brasil, tivemos até a Constituição Federal de 1988, um modelo patriarcal enrijecido, com leis que previam o dever conjugal da mulher de servir o homem sexualmente, o registro de crime de estupro só com a concordância do marido, visto que podia interferir na honra da família, a extinção do crime de estupro em caso de a vítima se casar com o estuprador, e a figura do filho bastardo”, exemplificou Denise.

Ela ressaltou que apenas em 1979, após a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher da ONU, começou a haver o questionamento das legislações dos países e alguma responsabilização dos Estados pela violência contra a mulher. “Era preciso retirar a naturalidade da discriminação”, afirmou a advogada.

Conforme Denise, a Lei Maria da Penha nasceu da luta do movimento feminista, que levou o caso da mulher agredida e condenada à paraplegia pela violência do ex-marido, ignorado pelo Estado brasileiro em uma delegacia, à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ocorrida em 1994.  Em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos julgou o caso e determinou ao Estado brasileiro que criasse leis e políticas públicas com ampla publicidade para a proteção da mulher fora e dentro do âmbito doméstico.

A advogada concluiu afirmando que essa violência cotidiana é ainda mais cruel quando a mulher é negra. “O número de feminicídios contra mulheres brancas baixou nos últimos anos, mas segue aumentando entre as mulheres negras”, apontou Denise. Ela acrescentou que os mecanismos de proteção do Estado ainda operam de forma estruturalmente racista e que é preciso incluir o conceito de interseccionalidade na legislação, segundo o qual uma pessoa pode ser atravessada por vários tipos de violência, como ocorre com as mulheres negras.

Interseccionalidade

Para Roberta Liana Vieira, a interseccionalidade é um desafio para o Judiciário brasileiro. “No nosso ordenamento jurídico temos leis raciais que não levam em conta o gênero e leis de gênero que não incluem a questão racial. São leis que não se comunicam”, ressaltou a servidora do TRT4.

Ela afirmou que o Estado escolhe a quem proteger e protege muito pouco as mulheres negras. Roberta falou que, segundo as estatísticas, entre 2006 e 2016, o feminicídio de mulheres não negras diminuiu em 8%, enquanto o mesmo crime contra mulheres negras subiu em 15%.

A servidora salientou outras formas de violência, como a preterição no uso de anestesia no parto e as políticas de esterilização do Estado, concentradas nas mulheres negras e pobres. “São várias as formas de violência que atravessam uma mulher negra e esse deve ser um problema de toda a sociedade, porque por elas passam todas as opressões e, cessando isso, tudo se tornará muito mais seguro para todos”, afirmou Roberta.

O desembargador Raupp Rios concluiu o encontro pontuando que a idéia de intersecção já está presente no Direito Brasileiro com o nome de ‘discriminação múltipla’ e que é um instrumento para que o Estado enfrente os padrões culturais sexistas e discriminatórios. 

Ele refletiu que Maria da Penha foi atualizada na figura de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, feminista e defensora dos direitos humanos, executada a tiros em março do ano passado. “Marielle agrega toda essa multiplicidade. Ela era mulher, negra e homossexual, e tinha uma visão crítica do mundo. Maria da Penha e Marielle são emblemas dessa luta que a sociedade brasileira precisa travar”, concluiu Raupp Rios.


Desembargador Raupp Rios mediou a conversa sobre múltiplas discriminações contra a mulher