JFRS | Julgamento com Perspectiva de Gênero

Mulher garante direito de receber BPC negado administrativamente

03/06/2025 - 18h25
Atualizada em 03/06/2025 - 18h36
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A 1ª Vara Federal de Cruz Alta (RS) garantiu o direito de uma moradora do município receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O juiz Tiago Fontoura de Souza aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero na sentença publicada ontem (2/6).

A autora ingressou com a ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) afirmando viver em situação de risco e de vulnerabilidade social, pois graves doenças a deixaram totalmente incapaz para o trabalho. Alegou que não possui renda, mora em casa muito humilde e não consegue prover seu sustento e de sua filha de 16 anos. Ela alegou que, em novembro de 2023, solicitou a concessão de BPC, mas ele foi indeferido administrativamente sob justificativa de não ter cumprido a exigência legal.

Ao analisar o caso, o magistrado pontou que o benefício de Amparo Social foi instituído para “atender a determinada classe de pessoas - idosas ou deficientes - que, em face da sua peculiar condição, não possuam condições para prover a própria subsistência, nem de tê-la provida pela sua família”. Para a sua concessão, o requerente precisa comprovar: a condição de deficiente ou idoso, e a situação de risco social dele e de sua família.

Na tramitação processual, a autora passou por perícia médica que a diagnosticou com cegueira em um olho e visão subnormal em outro. Também foi realizada perícia social que indicou detalhadamente as condições de vida da mulher, incluindo que a única fonte de renda provém de programas assistenciais governamentais e totalizam o valor mensal de R$ 1 mil.

“A parte autora, atualmente com 58 anos de idade, possui apenas o ensino fundamental incompleto e jamais exerceu atividade profissional formal, limitando-se às tarefas domésticas. Ademais, restou evidenciado não apenas o risco, mas também a efetiva ocorrência de violências física, psicológica e patrimonial perpetradas por seu ex-cônjuge, o que revela múltiplas situações de vulnerabilidade, com interseções entre elas”, pontuou o juiz.

Souza entendeu que o caso reclama a aplicação das diretrizes previstas no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça. Segundo ele, a referida normativa “destaca a íntima relação entre as normas previdenciárias e o histórico laboral das pessoas, uma dimensão em que a desigualdade de gênero e raça manifesta aspectos relevantes”. Além disso, o protocolo reconhece a violência doméstica como uma expressão da desigualdade de gênero estrutural.

O magistrado ressaltou que a mulher informou que, embora não resida sob o mesmo teto de seu ex-companheiro, permanece no mesmo terreno, pois não tem alternativa. “Os relatos constantes no laudo socioeconômico evidenciam a ocorrência de abuso psicológico e violência doméstica perpetrados pelo ex-companheiro da parte autora, que, valendo-se de sua condição de provedor e da assimetria estrutural decorrente de seu papel social enquanto homem, mantém a requerente sob domínio e controle. Tal circunstância não pode ser ignorada na presente análise. A concessão do benefício assistencial, nesse contexto, representa uma medida capaz de promover a dignidade da parte autora, conferindo-lhe os meios necessários para romper com o ciclo de abuso ao qual esteve submetida por longos anos”, concluiu.

De acordo com o juiz, ficou demonstrada a contradição do INSS ao sustentar o indeferimento do pedido na via administrativa. “Isso porque, naquela fase, fundamentou sua negativa na alegada irregularidade da procuração, enquanto, em juízo, passou a justificar o indeferimento pela suposta ausência de outros documentos. Tal divergência evidencia falha notória na análise do direito postulado”.

Assim, para Souza, ficou comprovado no processo que a autora se encontra em situação de vulnerabilidade e em desigualdade de condições de concorrência com as demais pessoas, preenchendo os requisitos necessários à concessão do Benefício de Prestação Continuada. Ele julgou procedente a ação determinando que a autarquia previdenciária implante o benefício e pague as parcelas vencidas.

O juiz também determinou que se oficie a Delegacia de Polícia Especializada de Proteção à Mulher de Cruz Alta para averiguar possíveis situações de risco e vulnerabilidade que a autora possa estar sujeita. Cabe recurso da decisão às Turmas Recursais.

Nucom/JFRS (secos@jfrs.jus.br)


Em preto e branco, parte do rosto de uma mulher.
Imagem ilustrativa