Grupo que participou de retirada de armamento no Salgado Filho receberá indenização de R$ 60 mil
Atualizada em 03/12/2025 - 18h03
A 6ª Vara Federal de Porto Alegre condenou a Taurus Armas a pagar R$ 60 mil de indenização moral (R$ 10 mil para cada integrante) ao grupo que participou da retirada de cargas de armas no Aeroporto Internacional Salgado Filho durante a enchente de maio de 2024. A sentença, publicada ontem (2/12), é do juiz Rodrigo Machado Coutinho.
Os autores, cinco homens e uma mulher, ingressaram com o pedido de indenização contra a empresa bélica e contra a União narrando que, durante a catástrofe climática, decidiram ajudar nas operações de resgate da população. Relataram que, através de um grupo de WhatsApp, receberam pedido urgente e sigiloso para participar de uma operação de resgate de crianças que estariam ilhadas em razão da enchente.
O grupo afirmou que, no dia 9/5/24, partiram de Capão da Canoa (RS) com um caminhão guincho, dois barcos e mais dois carros para realizar o resgate, mas que, ao chegarem no local indicado, descobriram que o verdadeiro objetivo da operação era o resgate de um arsenal de armas da Taurus, ilhado no aeroporto. Pontuaram que inicialmente se negaram a participar da operação, mas que foram coagidos a participar da operação, sob a ameaça de permanecerem sob vigilância armada caso recusassem, razão pela qual teriam aceitado.
Os autores afirmaram que, durante a operação, enfrentaram situações perigosas, ficando à mercê de grupos criminosos que teriam ciência do arsenal ilhado no aeroporto. Sustentaram que foram os encarregados de organizar a logística do resgate do armamento, e removeram aproximadamente 156 caixas de material bélico, cada uma pesando em média 60kg. Relataram ainda que foram expostos em uma reportagem exibida em programa televisivo, que teria aumentado seu medo de represálias por facções criminosas.
Defesas
A Taurus argumentou que, no dia 8/5/24, foi contatada por um delegado da Polícia Federal, determinando que procedessem à remoção de carga de armamento de fabricação da empresa, que já estava em processo de exportação, impreterivelmente até a manhã do dia seguinte. Afirmou que contratou uma empresa de transporte rodoviário credenciada pelo Exército Brasileiro, bem como escolta privada com dois veículos e agentes de segurança armados, garantindo a logística terrestre para o transporte da carga. Além disso, a Polícia Civil acompanhou toda a operação, ao passo que na parte fluvial foi coordenada e conduzida pela Polícia Federal em colaboração com a Fraport, responsável pela administração do Aeroporto Internacional Salgado Filho.
Sustentou que não houve ilegalidade na operação, tampouco coação, promessas falsas ou qualquer ameaça atribuível à Taurus ou a seus colaboradores. Afirmou que a exposição midiática alegada pelos autores aconteceu em razão da divulgação que eles próprios fizeram nas redes sociais. Destacou que a operação foi conduzida em segurança, numa situação totalmente excepcional de calamidade pública.
Já a União defendeu que apenas tinha o dever de proteger a área do terminal aeroviário, evitando saques, mas não de transportar os materiais ou armazená-los em outro local. Afirmou que os autores não comprovaram nenhuma conduta relacionada a agentes policiais, limitando-se a alegar, apenas genericamente, omissão.
Os fatos e o contexto
O juiz federal Rodrigo Machado Coutinho ressaltou que a controvérsia da ação gira em torno de entender como efetivamente ocorreu a dinâmica dos fatos, no que diz respeito ao contato com os autores, o objeto desse contato e se houve voluntariedade ou coação relativamente à operação de retirada dos armamentos. Além disso, era preciso verificar como se deu a participação das rés nos fatos narrados pelos autores, e suas respectivas responsabilidades na guarda, retirada e transporte do material bélico.
Coutinho analisou detalhadamente a prova produzida na ação, composta de documentação e depoimentos colhidos em audiência. A partir deles, o magistrado estabeleceu, em linhas gerais, a sucessão de fatos ocorridos entre 8 e 12/5/24:
- A Polícia Federal constata a existência de armamentos no Aeroporto Internacional Salgado Filho em meio ao período de enchentes que assolou o estado gaúcho e entra em contato com a direção da empresa Taurus, determinando a retirada do material bélico no dia 9/5/24;
- Diante da dificuldade na busca por barcos para realizar o transporte fluvial, o gerente e o supervisor de logística da Taurus souberam da existência do grupo de voluntários que trabalhavam no resgate em áreas alagadas, do qual participava uma funcionária da empresa, tendo obtido com ela o contato de um homem, que informou a disponibilidade de embarcações para a operação no dia seguinte;
- Na noite do dia 8/5/24, os autores, através de mensagens enviadas em grupo de resgate do Whatsapp, se organizaram para vir a Porto Alegre com equipamentos;
- Na madrugada do dia 9/5/24, os autores dirigiram pela estrada à entrada da capital, nas proximidades de Canoas (RS), e se encontraram com a funcionária da Taurus no local combinado, tendo na sequência, dado seguimento à operação de resgate de armamento que se encontrava no aeroporto;
- Ao longo da operação, houve cobertura jornalística por uma equipe de uma rede aberta de televisão;
- Finalizada a operação, alguns dos autores, a funcionária da Taurus e o proprietário do barco mantiveram conversas;
- No dia 12/5/24, a reportagem foi ao ar e, posteriormente, houve nova troca de mensagens entre os envolvidos.
O juiz ressaltou que os fatos aconteceram durante a enchente histórica que atingiu municípios dos vales, da serra gaúcha e da região metropolitana de Porto Alegre, no mês de maio de 2024. O momento era de um desastre humanitário e econômico sem precedentes que impôs uma paralisação severa à infraestrutura do Estado, gerando prejuízos que se alastram por todo o tecido social e produtivo.
Ele ressaltou a atuação ativa dos grupos voluntários nas frentes de resgate e pontuou que aquele foi um período excepcional, “em que a fusão de esforços mostrou-se imprescindível e um poderoso agente de salvação e reconstrução”.
Responsabilidade Civil
Dentro deste contexto e das provas anexadas aos autos, o magistrado concluiu que, após o chamamento pela Polícia Federal, houve cooperação por parte da Taurus, tendo sido acordado que a operação se daria sob a segurança da Polícia Federal e logística da empresa. A Taurus buscou formas de viabilizar o resgate dos armamentos mediante a realização, inicialmente, de contato com terceiros, os quais ofertaram, de forma voluntária, barco para a realização da operação.
O juiz concluiu que, apesar da afirmação dos autores, não há nos autos provas de que eles foram compelidos a participar contra sua vontade da operação. Após o encontro com a funcionária da Taurus no local combinado, cada um se deslocou de forma autônoma, sem escolta que impedisse tomar outro rumo caso não estivessem dispostos a dar seguimento à operação.
“Ademais, causa estranheza que, em meio a alegada coação, os autores tenham conseguido tirar fotos tanto do ponto de encontro (imagem em que não é possível identificar qualquer armamento) quanto da própria operação de resgate, o que parece evidenciar que estavam com trânsito livre para agir”.
Além disso, segundo Coutinho, nos dias seguintes aos fatos, há manutenção de conversas amigáveis entre um dos autores e a funcionária da Taurus, nas quais ele demonstrava interesse em participar de novas operações. Outro ponto destacado é que, de acordo com o depoimento do delegado responsável pela operação, os policiais que atuaram no perímetro não relataram nenhuma situação diferente que demandasse atenção especial, como alguma aproximação suspeita ou presença de pessoas que estivessem agindo sob coação.
O magistrado entendeu que não há prova que demonstre a prática de atos de violência, ameaça ou constrangimento por parte da empresa ou de seus funcionários, de modo que, a partir do momento que os autores tomaram conhecimento do verdadeiro objetivo da operação e do risco a ela inerente, “voluntariam-se de forma consciente a participar do resgate de armamento que se encontrava no aeroporto Salgado Filho”. Também não ficou demonstrado que eles ficaram responsáveis pela organização e gerenciamento do transporte.
Em relação à reportagem televisiva, os autores não conseguiram comprovar que informaram aos repórteres que não queriam participar da matéria com receio de ter suas imagens associadas ao armamento e à operação. O juiz ainda ressaltou que alguns deles divulgaram a reportagem e fotos tiradas com a equipe jornalística em suas próprias redes sociais. “O que se percebe é que, após sua aparição da reportagem (...) e a repercussão havida, os autores passaram a demonstrar preocupação quanto a possíveis efeitos reflexos”.
Entretanto, para Coutinho, “eventual temor dos autores após a reportagem não retira a voluntariedade tanto de sua participação na operação quanto ao fato de que postaram em suas redes sociais imagens, stories ou posts - o que, por óbvio, acaba por tornar as informações públicas nas redes sociais, ainda que algum deles possa ter sua página de Instagram restrita a alguns amigos”.
O magistrado destacou que, apesar de haver risco de facções criminosas pudessem estar se organizando para roubar as armas, a “operação foi realizada de forma segura e satisfatória dentro das condições climáticas e com a precariedade de equipamentos e pessoal decorrentes da calamidade que abalou todo o Estado naquele período”.
“Assim, dado o contexto da situação totalmente excepcional de calamidade pública, e o exíguo tempo para organização e obtenção de recursos materiais, tenho que a operação foi adequadamente conduzida pelas forças públicas, que exerceram controle sobre a segurança, ao passo que a Taurus atuou na parte logística”.
Por isso, Coutinho concluiu que a atuação da Polícia Federal pautou-se pela razoabilidade exigível no contexto emergencial. “A presença policial, portanto, cumpriu a sua função precípua de prevenção de ilícitos e preservação do bem público e privado, atuando corretamente na contenção de ameaças externas e na manutenção da integridade da operação”.
Em relação à alegação dos autores de que a polícia teria agido de forma omissa ao não impedir a presença de civis em meio a operação, ele ressaltou que tal afirmação desconsidera as circunstâncias excepcionais do momento histórico.
Primeiro porque a responsabilidade pela operação foi dividida entre a polícia e a Taurus, ficando a primeira responsável pela segurança ao passo que a segunda se comprometeu com a logística da operação. “Assim, exigir a rigorosa comprovação de credenciais e especialidade de todos os envolvidos, em um ambiente de catástrofe, mostra-se inviável naquele contexto inusual e de urgência”. Além de ter funcionários da Taurus colaborando no dia do resgate sem estar de uniforme ou com identificação, o que pode levar a identificar a presença dos autores, na qualidade de civis, como integrantes da equipe escalada pela empresa.
Em segundo lugar, porque a necessidade premente de salvar vidas e restabelecer a ordem levou as autoridades, em diversos casos, a adotarem flexibilizações de exigências administrativas, como, por exemplo, a ausência de cobrança de habilitação para dirigir embarcações voluntárias. Em último, porque não há notícias nos autos de que os autores tenham efetivamente tentado buscar socorro ou tenham se comunicado com algum dos policiais que atuavam no caso, informação esta que facilmente teria sido repassada via radiocomunicação.
Diante disso, o magistrado concluiu que o pedido de indenização contra a União deve ser rejeitado.
Já em relação à análise da conduta da Taurus, ele pontuou que houve dois momentos distintos ao longo da operação:
- Quando foram requisitadas as embarcações e houve adesão dos voluntários ao resgate que acreditavam objetivava o salvamento de crianças;
- Após encontro na cidade de Canoas com funcionários da Taurus, os autores tomaram conhecimento de que a operação, em verdade, tinha por objeto o resgate de material bélico de propriedade da empresa e que se encontrava em um dos terminais do Aeroporto Salgado Filho, tendo optado por auxiliar na retirada.
“Considerando a voluntariedade dos autores no segundo momento, tenho que inexiste responsabilidade da empresa Taurus quanto à sua participação, visto que, mesmo cientes dos riscos envolvidos, optaram por dar seguimento à operação, tendo sido demonstrado, ao longo da instrução, que não houve qualquer forma de coação ou imposição aos autores para que participassem, tampouco que lhes tenha sido atribuída responsabilidade pela organização e gerenciamento do transporte”, ressaltou o juiz.
Entretanto, o entendimento do magistrado quanto à responsabilidade da empresa é diferente em relação ao primeiro momento. “O ato ilícito da Taurus reside, portanto, na violação positiva da boa-fé objetiva na fase de formação do consentimento, ao incitar que os autores se deslocassem de madrugada para a entrada da Capital, no entorno de Canoas, sob o falso argumento de que participariam de uma operação de resgate de crianças, desviando-os do seu propósito real. Esta conduta gerou uma quebra de expectativa legítima e uma motivação viciada para o deslocamento”.
O magistrado julgou improcedente a ação em relação à União e parcialmente procedente quanto à Taurus, condenando a empresa ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil para cada um dos autores.
Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional Federal do 4ª Região.
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