Discurso de posse da Desa. Federal Taís Schilling Ferraz
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21/09/2020

Discurso de posse como Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em sessão solene virtual realizada em 21/09/2020.

 

Boa tarde a todos e todas.

Honrada com as presenças, eu gostaria de pedir licença para cumprimentar a todas as autoridades que comparecem a esta cerimônia, já mencionadas pelo cerimonial, e que muito me honram por estarem comigo neste momento tão especial da minha trajetória profissional. O faço, Sr. Presidente, na sua pessoa e nas pessoas dos Ministros Humberto Martins, Gilmar Mendes e José Levi e do Presidente da Assembleia Legislativa deste Estado, Deputado Ernani Polo.

Aos magistrados, meus colegas, de hoje e de ontem, quero pedir licença para fazer a saudação na pessoa da nossa decana, Desembargadora Marga Tessler, e da Ministra Ellen Gracie, magistrada que integrou esta Corte em sua primeira composição.

Aos advogados e defensores públicos, cumprimento-os na pessoa do Dr. Claudio Lamachia, aqui representando a OAB.

Aos membros do Ministério Público, de hoje e de ontem, o faço na pessoa do Procurador Regional da República Marcelo Beckhausen.

Meus professores, gostaria de cumprimentar na pessoa da Irmã Sônia Haydê Randazzo, que, imagino, possa estar assistindo a distância a esta cerimônia.

Aos meus amigos, eu vou pedir licença para saudá-los no nome do Dr. Derocy Giacomo Cyrillo da Silva, um dos responsáveis diretos pela minha preparação, inclusive motivacional, para o ingresso na carreira da magistratura. Na pessoa dele, gostaria de expressar minha conexão com todos os amigos queridos que receberam convite para aqui estar, convidados que foram porque representam os especiais encontros, ao longo da minha trajetória pessoal e profissional.

Entre meus amigos, incluo o grande número de servidores com os quais, ontem e hoje, dividi e divido minha missão. Os saúdo nos nomes daqueles que mais diretamente me assessoraram, a Sílvia, o Paulo, a Graça, a Andréa, a Rosane, a Bettina, a Ângela e, atualmente, a Mary, a Regina e o Lourenço.

Aos meus familiares, cumprimento-os em nome dos que aqui estão comigo neste momento, meu companheiro, Aramis, meus filhos, Lucas e Beatriz, minha nora, Stefanie. Um especial cumprimento aos que me assistem de casa, minha mãe, Moêma, minha tia Maria Olinda, minha sogra, Neusa, meus tios Francisco e Ana, meus irmãos, Karen e Kiko, meus cunhados, Karem, Priscila, Marcelo e Odilon, meus sobrinhos amados, Nina, Nívea, Henrique e Júlia, e meus primos e primas queridos.

Dividi este meu pronunciamento em três partes: falarei da minha gratidão, da minha fé e do meu compromisso.

Desde que publicado o decreto da minha nomeação para o cargo de desembargadora federal, no último dia 25 de agosto, fui tomada por uma sensação de urgência em querer aproveitar a ocasião para expressar às pessoas que estiveram comigo, antes e ao longo dos meus 27 anos de magistratura no primeiro grau, não apenas minha alegria, mas, especialmente, minha gratidão por terem todas essas conexões me trazido a este momento.

Quero dizer muito obrigada aos meus pais, Moêma e Luiz Carlos, que estão comigo neste momento. A mãe sempre aqui perto, e o pai, tenho certeza, me cuidando em todos os lugares que possam ser importantes ou desafiadores, ou mesmo perigosos para mim. A eles e aos meus avós, devo tudo. Agradeço pela vida e pelo tanto que dela tenho recebido.

Aos meus amados filhos, Beatriz e Lucas, meus maiores orgulhos, agradeço o amor incondicional que sempre dedicaram a mim, por serem tão incrivelmente generosos e por terem sido sempre tão corajosos diante dos desafios de ter uma mãe viajante; a Bia em boa parte da infância e o Lucas em plena adolescência.

Aos meus irmãos, à minha mãe e à minha sogra, agradeço o amor, a parceria e por tanto terem feito por minha pequena família, especialmente nos vários momentos em que precisei estar ausente.

Ao Aramis, meu companheiro inseparável, meu amado litisconsorte necessário, do enorme espectro de motivos para ser grata, registro o quanto sempre foi o responsável por me fazer acreditar que eu poderia encarar os desafios profissionais e acadêmicos que surgiam. Não apenas ao me apoiar, assumindo a responsabilidade de manter nossa família saudável, inclusive emocionalmente, mas por ter sempre tanta fé em mim, acreditando que eu poderia ser professora, que eu poderia encarar cinco anos e oito meses em Brasília, que estava na hora de fazer o mestrado, de fazer o doutorado. Ainda não defendi minha tese, mas ele já tem planos para um pós-doc. Não tenho como deixar de registrar, neste momento, a consciência que tenho do quanto de renúncia muitas das nossas escolhas te trouxeram.

Às minhas amigas de um clube muito especial, agradeço a parceria de tantos anos e em tantos e intensos momentos que nossa convivência nos proporcionou. À minha amiga-irmã da Bahia, quero expressar o quanto sou grata pela intensidade dos momentos que vivemos durante o período em que trabalhamos juntas em Brasília.

O meu muito obrigado aos desembargadores que me escolheram para integrar a lista de merecimento, responsáveis diretos pela minha chegada a esta Corte. Não esquecerei as palavras de reconhecimento que me dirigiram naquela sessão e, perante Vossas Excelências, quero expressar meu orgulho por passar a integrar o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Ainda, ao falar de gratidão, quero dizer que sou muito grata e honrada por suceder ao Desembargador Jorge Antonio Maurique nesta cadeira.

Querido colega de concurso, dos idos de 1993, Maurique dedicou-se intensa e integralmente à magistratura. Antes de ser juiz federal, foi juiz de direito, percorrendo todas as entrâncias da carreira na Justiça Estadual de Santa Catarina.

De Criciúma, na sua entrância final de primeiro grau, ele prestou concurso para a magistratura federal, ingressou e, como eu, teve dois dias (e meio) de curso de formação, cujo encerramento foi marcado por uma memorável feijoada no salão de festas do edifício em que então residia a Ministra Ellen Gracie, na época compondo nosso TRF4. Estávamos, na 4ª Região, àquela época, sob a presidência do Ministro Gilson Dipp, então juiz federal de segundo grau.

Como juiz federal, Maurique passou pela jurisdição cível e penal, esteve um tempo na execução fiscal, de onde partiu para o TRF, em 2012. Aqui, mercê do padrão de qualidade do trabalho, seu gabinete, em 2016, obteve a importante certificação ISO 9001.

Capturado pelos métodos de solução consensual de conflitos, ele coordenou o Sistema de Conciliação da 4ª Região, ocasião em que se dedicou a viabilizar a solução de processos de grande complexidade. Integrou o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina e foi juiz de ligação Haia-Brasil, para a efetivação da convenção internacional sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças.

Maurique, como todos os seus colegas reconhecem – ele se orgulha em dizer que sempre teve o apoio dos juízes da 4ª Região –, dedicou-se com intensidade à vida associativa, tendo ocupado a função de maior importância na defesa das nossas prerrogativas, lutando para vê-las compreendidas pela sociedade, como garantias que são à democracia. Foi o Presidente da nossa AJUFE, a Associação dos Juízes Federais do Brasil. Lembro que foi na sua gestão que tivemos a fixação do teto remuneratório no serviço público.

Após a vida associativa, foi Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, dedicando-se ao aperfeiçoamento do Poder Judiciário em uma fase de grande ebulição.

É que ele esteve no CNJ sob a Presidência dos Ministros Ellen Gracie e Gilmar Mendes, com os quais também eu tive a imensa honra de trabalhar, quando em auxílio ao Supremo Tribunal Federal. Ministros que, com suas habilidades de gestão e estratégia, alavancaram o Poder Judiciário, seja trazendo à luz seus maiores desafios, seja adotando medidas eficientes, que mobilizaram toda a instituição, para um novo patamar de importância e efetividade. O Judiciário nunca mais seria o mesmo.

Muito me honra suceder-lhe, Maurique, no nosso TRF4. Espero estar à altura deste desafio.

Falando agora de fé, preciso dizer que sou uma pessoa otimista. Talvez alguns me considerem patologicamente otimista.

Acredito nas pessoas. Acredito no meu país. Acredito nas instituições. Acredito no Poder Judiciário e no Sistema de Justiça. Tenho fé na vida e em dias melhores. Fé em algo maior, que nos move e impulsiona.

Mas não sou aquela otimista que, num barco a vela, no meio do oceano, diante do vento contrário, senta e espera pacientemente que o vento mude. Acredito na Boa Sorte. Então estou, insistentemente e às vezes ansiosamente, tentando ajustar as velas do barco, tentando aproveitar o vento.

Sei que ganhar na loteria é muito difícil e que rezar é bom, mas, sem comprar o bilhete, as probabilidades se restringem a quase zero. Usando a gíria futebolística, “sem chutar não se faz gol”.

É por isso que não gosto da ideia de me sentir uma vítima do sistema e das suas disfunções. Não gosto da ideia de sermos nós, no Poder Judiciário, vítimas da enxurrada de processos, das metas de produtividade, dos prazos, da insensibilidade de tantos os que reclamam da morosidade ou das decisões.

Prefiro acreditar que somos os atores, que somos corresponsáveis por encontrar caminhos e oportunidades, por colocar a mão na massa, construir novas estratégias. Gosto da metáfora que fala em consertar o avião em pleno voo. Gosto de sentir que, juntos e alinhados, podemos promover transformação social por meio do sistema de Justiça, auxiliar na criação de novos cenários, mais justos, mais humanos.

Temos todos os instrumentos legais e estruturais no Judiciário Federal. Aliás, não creio que seja sequer justo, especialmente em um momento como o que estamos vivendo, em que tantos sofrem os impactos econômicos do isolamento social decorrente da pandemia de coronavírus, que possamos reclamar das nossas condições de trabalho.

Temos, e somos orgulhosos disso, o melhor processo eletrônico do Brasil e, quiçá, do mundo, que nos permite trabalhar, seguros, a partir de nossas residências, mercê do esforço, da criatividade e da resiliência do Sérgio, de muitos outros colegas, da valorosa equipe de servidores da nossa TI e dos nossos parceiros institucionais, coautores dessa grande conquista.

Temos imensas oportunidades de continuar nossa formação.

Temos as prerrogativas constitucionais que nos garantem a independência ao decidir. Vivemos em um contexto de democracia. Uma democracia ainda instável, como diz e escreve meu tio, Francisco Ferraz, mas, ainda assim, uma democracia.

Nosso propósito, enquanto sistema de justiça no Estado brasileiro, está lá no preâmbulo da Constituição: assegurar igualdade e justiça como valores supremos, harmonia social, solução pacífica das controvérsias...

Sei que, como Poder Judiciário, estamos sendo desafiados neste momento. E acredito que não responderemos à altura, aos anseios da sociedade, usando as mesmas estratégias, nem simplesmente automatizando e fazendo mais rápido o que tradicionalmente fizemos. Inteligência artificial é bom, mas é instrumento, não é rumo.

É de acesso à justiça que quero falar na última parte deste pronunciamento.

Não apenas como acesso ao processo, como o direito de apresentar uma petição a um juiz, como a obtenção de uma sentença ou como o cumprimento de uma ordem judicial. Isso tudo já vem acontecendo. Mais pessoas hoje têm acesso ao processo. Ações judiciais são julgadas e executadas muito mais rapidamente que outrora. Como disse uma vez o Jairo, a entrada na justiça é uma autoestrada com quatro pistas. O problema é a saída.

Os que me conhecem mais, e em especial meus colegas no Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal, sabem que gosto de estudar o processo civil. Mas não gosto das amarras de um processo que nos impele ao conflito. Somos formados para o confronto, na graduação, e trazemos esse espírito para o processo, como se fosse pecado o concordar com o outro, o assumir parcela de responsabilidade, o abrir mão de alguma prerrogativa processual.

Incomoda-me, muito especialmente, a supremacia da ideia da substitutividade da jurisdição.

A sociedade parece ter se acostumado a entregar ao juiz a solução dos conflitos, seja ajuizando, seja contestando pedidos.

Essa é uma renúncia. Uma renúncia que não decorre apenas da vedação ao exercício arbitrário das próprias razões, como talvez se possa pensar.

Essa é uma renúncia à autonomia; à capacidade de encontrar soluções consensuais, compartilhadas, possíveis, razoáveis, que não signifiquem o tudo ou nada, o justo ou o injusto, o legal ou o ilegal, o bem e o mal.

Somos chamados, como juízes, constantemente, a decidir o que é melhor para os outros, no pressuposto de que o Judiciário tem a prerrogativa de errar por último.

Acredito que chega a hora de reavaliarmos o nosso modelo de atuação, baseado nesse paradigma da substitutividade.

Não vamos nem podemos deixar de cumprir e fazer cumprir as leis, sempre que necessário, mas nossa atuação não precisa nem deve estar limitada a escolher quem tem razão. E talvez sejamos aqueles que mais conseguem perceber que o vencido, num processo, nunca é convencido. Basta ler os recursos...

É preciso trabalhar para que nos tornemos menos necessários, para diminuir a necessidade da judicialização, para que cada vez mais os conflitos possam ser resolvidos a partir da tomada de consciência pelos próprios interessados, para que o olhar possa se direcionar à solução de problemas, mais ao futuro do que ao passado. Menos culpados, mais soluções.

Decisões judiciais sempre serão o produto do olhar dos julgadores sobre o contexto que lhes é apresentado, e esse olhar será sempre produto de histórias de vida. Um produto que encontra balizas no Direito, mas que não necessariamente trará harmonia, não necessariamente solucionará os litígios.

E a verdade é que os conflitos não são em si o problema, são os motores da mudança e da evolução e, é importante refletir, não se encerram porque assim o decretamos em uma sentença ou um acórdão.

É por isso que acredito tanto nos métodos consensuais, desde as minhas primeiras experiências na conciliação.  Dar acesso à Justiça, ao meu sentir, é desconstruir muros e construir pontes, é favorecer a comunicação, é escutar e fazer escutar atentamente, é criar condições para o consenso e a corresponsabilidade pelas soluções e pelos resultados.

Não somos os protagonistas. Não são incapazes os nossos interlocutores. Não somos pais ou salvadores daqueles que buscam a Justiça. Quando nos apresentamos como tal, estamos mais a serviço do litígio do que da conciliação.

É certo que há muito, ainda, a julgar. Ano passado, 80 milhões de processos tramitaram no Judiciário brasileiro, cujas partes, na grande maioria, têm expectativa de que suas demandas e respostas sejam resolvidas pelos juízes. Não defendo o abandono, puro e simples, de um modelo imemorial de atuação. Defendo que devemos refletir sobre a insuficiência desse modelo.

Acredito que estamos sempre aprendendo a partir da experiência, que, se hoje somos capazes de perceber e bradar as injustiças, é porque ontem pessoas as trouxeram à luz do dia.

Acredito na ideia da evolução, de crescimento contínuo, de movimento. Nossa Constituição assegurou tantos direitos, uma imensa parte ainda longe de ser realidade. Saúde, segurança, educação, habitação, previdência não se tornariam realidade, em 1988, simplesmente porque o texto constitucional os garantiu. Assim como o Presídio Central não foi reconstruído, até hoje, aqui em Porto Alegre, ainda que uma decisão judicial o tenha assim ordenado.

Soluções para problemas complexos, assim como a cultura, não podem ser impostas por decreto ou por decisão judicial, nem nascem diretamente das normas, por melhor que sejam, mas por efeito da construção permanente e coletiva, num processo de evolução, que o Judiciário, assim como os demais poderes do Estado brasileiro, pode ser capaz de promover, mas não de substituir com suas decisões.

Como mulher, que vem aumentar um pouco mais a representação do feminino na Corte e no segundo grau da Justiça brasileira, aqui chego com a proposta de atuar pela harmonia e pela efetividade do verdadeiro acesso à Justiça.

Juntamente com os queridos colegas da 6ª Turma e com o grupo de valorosos servidores que estarão comigo todos os dias, reafirmo o propósito de examinar cada caso com o cuidado de quem lembra, constantemente, que, por trás do processo, de forma nem sempre expressa, há vidas humanas, expectativas, esperanças.

Nosso compromisso será com a construção de pontes, seremos elementos dispostos a contribuir para essa enorme travessia que temos feito, no Brasil, rumo a novos patamares civilizatórios.

Muito obrigada.