Palestra no TRF4 aborda racismo estrutural e institucional e formas de enfrentamento
Atualizada em 20/11/2018 - 17h10
Em comemoração ao Dia da Consciência Negra no Brasil, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) promoveu hoje (20/11) a palestra “Práticas voltadas ao enfrentamento do racismo estrutural e institucional”, ministrada pelo assessor jurídico e conferencista Gleidson Renato Martins Dias, graduado em Direito com pós-graduação em Direito Público e que também é um dos coordenadores nacionais do Movimento Negro no Brasil. Participaram da atividade magistrados, servidores, estagiários e terceirizados do tribunal, além de demais operadores do Direito.
O desembargador federal Roger Raupp Rios, que preside a Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão (CPAI) e é Ouvidor do tribunal, abriu o evento lendo uma carta redigida ao final do II Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros (Enajun), ocorrido no início deste mês, em Brasília. No documento, foram apresentadas deliberações tais como a criação de um foro permanente de enfrentamento das questões raciais.
“Fico feliz em proporcionar esta palestra em uma data de alta significação como o Dia da Consciência Negra”, declarou Rios ao apresentar o palestrante, lembrando que em mil cidades do país é feriado por ser um dia de discutir o racismo e a importância da raça negra na construção do país.
Dias iniciou destacando que 2018 foi um ano histórico pelos momentos preocupantes que apresentou, como o assassinato da vereadora Marielle Franco e do Mestre Moa, mestre de capoeira em Salvador. Também analisou a situação do país pós-eleição. “Respeitamos a democracia, mas estamos atentos à possibilidade de retirada de políticas negras já conquistadas como as cotas raciais e os quilombolas”, sublinhou Dias.
O palestrante abordou conceitualmente o racismo estrutural e o racismo institucional. “No primeiro caso, trata-se de um processo histórico e político, no qual existe a formação do pensamento de inferioridade ou de privilégio dos indivíduos segundo o critério de raça”, explicou, dando como exemplo a seleção de profissionais em postos de trabalho e a preterição de negros em cargos que exigiriam “boa aparência”. Já no segundo conceito, seria a ineficácia dos órgãos públicos para o atendimento dos negros. Dias utilizou como exemplo a impossibilidade de fotografar uma mulher negra para o passaporte porque a câmera não enquadrava seu cabelo afro.
O conferencista frisou que a sociedade brasileira foi construída pelo viés anti-racial. Ele lembrou que a escravidão do negro foi revogada há apenas 130 anos e que a escravização durou 350, sendo o Brasil o último país a acabar com a política escravocrata.
O assessor jurídico observou que, após 1888, com a promulgação da Lei Áurea, o país começou uma política de eugenia, ou seja, um estímulo para que negros e brancos tivessem filhos e a população passasse por um processo de ‘embranquecimento’. “O país então começou com o discurso de que no Brasil não existia racismo, porque todos eram mestiços, que não haveria raça negra ou branca”, analisou.
“Apenas em 1988, com a Constituição, foi aberta a possibilidade formal de implantação das políticas afirmativas”, observou Dias, classificando a política de cotas raciais, realizada pela Lei 12.711/2012, como a mais revolucionária já feita pelo Estado brasileiro. Ele mostrou algumas fotos de turmas universitárias antes das cotas, nas quais só apareciam brancos e fotos mais atuais, que demonstram a diversidade.
Dias explicou ainda que se num primeiro momento houve discussões jurídicas sobre a abrangência das cotas, ou seja, se elas eram específicas para concursos vestibulares ou incluíam todos os concursos públicos, agora a questão se debruça sobre os critérios de avaliação da raça.
O palestrante destacou a ocorrência de fraudes, com pessoas se auto-declarando negras, mesmo tendo a fenotipia (aparência) branca. Ele ressaltou que tem prevalecido o critério da aparência, com a criação de comissões que avaliam o candidato, o que é chamado de heteroidentificação. “A documentação de pai ou mãe negro não seria suficiente para a aprovação”, afirmou Dias, sob o entendimento de que devem receber o direito aqueles que de fato sofrem a discriminação social pela aparência negra.
Ele concluiu lembrando que em 2014 foi feito pelo governo do Rio Grande do Sul o Pacto Gaúcho pelo Fim do Racismo Institucional, no qual Legislativo, Executivo e Judiciário comprometeram-se a combater o racismo. Segundo ele, o documento é muito positivo, mas está longe de uma aplicação efetiva.
Acompanharam a atividade a procuradora regional da República Carmem Elisa Hessel, representando a Procuradoria Regional da República da 4ª Região do Ministério Público Federal (MPF), e o desembargador federal do TRF4 João Batista Pinto Silveira.
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