Direito animal
Atualizada em 09/06/2022 - 15h01
Cada vez mais, a sociedade reconhece a importância de se pensar em alternativas para minimizar a dor e o sofrimento dos animais. Aqui no Brasil, existem leis e políticas públicas voltadas para os direitos dos animais, considerando como crime os maus-tratos a qualquer espécie. Sobre o assunto, conversamos com o juiz federal Vicente de Paula Ataíde Júnior, pós-doutor em Direito Animal e autor de livros sobre o tema, que nos conta como funcionam as leis brasileiras, suas punições e o que precisa melhorar quando falamos em crimes contra a fauna.
O que podemos definir como sendo o Direito Animal?
Do ponto de vista dogmático, podemos definir Direito Animal como "o conjunto de regras e princípios que estabelece os direitos dos animais não-humanos, considerados em si mesmos, independentemente da sua função ecológica, econômica ou científica." Em outras palavras, uma norma jurídica só é de Direito Animal quando protagoniza os animais como sujeitos de determinados direitos subjetivos.
Para entender, quais são os direitos fundamentais dos animais?
Essa é uma pergunta bastante difícil, porque os direitos animais são distribuídos de acordo com grupos de espécies. Por exemplo, a legislação brasileira confere os direitos à vida e à liberdade para todos os cetáceos, como baleias e golfinhos. Os animais de estimação, como cães e gatos, desfrutam de uma série de direitos peculiares em função da sua proximidade e dependência para com os humanos. Além do direito à vida, os direitos a cuidados veterinários, à moradia, à prevenção contra maus-tratos, etc. Por sua vez, os animais silvestres têm os direitos à vida e à liberdade na natureza, mas esses direitos podem ser restringidos quando houver indicação científica fundamentada por razões ecológicas - é possível manter animais silvestres ameaçados de extinção em cativeiro visando à sua reprodução. Os animais mais vulneráveis são os submetidos à exploração pecuária, pesqueira e científica, pois, embora também sejam sujeitos do direito fundamental à existência digna, a Constituição ainda permite a supressão das suas vidas por razões econômicas. A atenção maior deve ser dirigida a esse último grupo de animais, para que, também em relação a eles seja cumprida a regra constitucional de proibição da crueldade e o princípio da dignidade animal. No futuro que já começa a se realizar, haverá a substituição do animal em si por cultura celular na produção de bens de consumo de origem animal (é a "zootecnia celular"). Não será mais preciso matar animais para produzir carne, por exemplo. É a promessa que a tecnologia nos faz.
Como a Constituição brasileira disciplina a proteção animal e como o Poder Judiciário trata a questão?
A Constituição Federal é a fonte primária das normas do Direito Animal, pois dela se extraem a regra da proibição da crueldade contra animais e os princípios da dignidade animal, da universalidade, da primazia da liberdade natural, da educação animalista e da substituição. Com base na regra da proibição da crueldade, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de proibir a "farra do boi", as rinhas de galos e a vaquejada (similar aos rodeios). Mas também existem importantes precedentes no Superior Tribunal de Justiça (como aquele que reconheceu a possibilidade de "direito de visitas" a animais de estimação) e em tribunais inferiores. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por exemplo, já reconheceu a inconstitucionalidade da caça esportiva e o Tribunal de Justiça do Paraná já admitiu que animais podem ser autores de demandas judiciais, desde que devidamente representados.
Para entender na prática, o que muda quando os animais entram como parte no processo?
São três grandes vantagens: cultural: animais postulando direitos perante tribunais - e conseguindo, por meio do processo, melhorar suas vidas - são fatos visíveis com significado discursivo incomparável, jamais alcançado na história da relação humanidade/animalidade ou mesmo na história da moralidade; jurídica: quando o próprio animal é autor da demanda, isso permite que direitos exclusivamente animais possam ser reconhecidos em juízo, isto é, permite-se constatar que certos direitos materiais são ligados apenas ao animal, considerado como indivíduo, sem qualquer relação com um direito humano ou com um direito difuso ou coletivo; pragmática: na hipótese do animal/autor ganhar uma demanda, ele poderá receber dinheiro ou renda em nome próprio, com isso poderá ter um patrimônio animal, ou seja, a possibilidade de um animal auferir renda e possuir bens em nome próprio, para fazer frente às suas necessidades vitais e, por conseguinte, à garantia dos seus direitos fundamentais, ampliando a qualidade de sua vida.
Atualmente, quais são os principais temas na pauta dos direitos dos animais?
Uma das questões mais importantes é a avaliação da constitucionalidade da Emenda de 2017, que inclui que "não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme a Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos." A emenda é um "contra-ataque" à decisão do STF que proibiu a vaquejada e está pendente de julgamento no STF. A emenda é inconstitucional porque diminuiu, flagrantemente, a proteção da fauna, buscando constitucionalizar a crueldade contra certos grupos de animais submetidos a práticas pretensamente esportivas e culturais. Outras questões também estão em pauta, envolvendo a regra da proibição da crueldade: é possível abater vacas que estejam prenhas? É possível submeter animais vivos à exportação por via marítima, ficando semanas em um navio, com péssimas condições de higiene e mobilidade?
Qual é o cenário aqui no Paraná em se tratando de políticas públicas sobre o assunto?
Em termos de proteção de animais de estimação podemos dizer que o Paraná tem um bom desempenho, especialmente em relação a determinadas estruturas administrativas de atendimento como a Rede de Proteção de Curitiba e a Polícia Civil Ambiental. Mas, em termos gerais, englobando animais silvestres e animais sujeitos à produção, a situação ainda é preocupante, porque os projetos de lei prevendo direitos a esses animais dificilmente conseguem avançar. Há projeto na Assembleia Legislativa do Estado, por exemplo, que visa a regulamentar a criação comercial de animais silvestres, o que, a nosso ver, é inconstitucional, pois animais silvestres não são pets. Por outro lado, enche-nos de esperança ver a iniciativa de determinados Municípios, como o de São José dos Pinhais, que aprovou a lei municipal mais avançada do país em termos da previsão de direitos animais.
"É preciso avançar no aperfeiçoamento de leis para que os crimes contra a fauna sejam considerados sérios, especialmente o crime de tráfico de animais silvestres.
As experimentações científicas em animais sempre estão na pauta. Em sua opinião, é possível encontrar um equilíbrio quando falamos em legislação na indústria farmacêutica, por exemplo?
Um dos princípios do Direito Animal, como apontei acima, é o Princípio da Substituição, ou seja, sempre que a Ciência aprovar um novo método científico que substitua os animais na pesquisa, esse novo método passa a ser obrigatório para todos os cientistas. Por exemplo, para o diagnóstico da raiva não é mais preciso submeter camundongos a testagens altamente cruéis, pois já existem testes alternativos seguros e economicamente vantajosos. De outra banda, animais com consciência altamente refinada não devem, em hipótese alguma, serem submetidos a experimentações científicas. Além de tudo isso, é preciso avaliar mais criticamente a atuação dos órgãos de controle instituídos pela Lei Arouca, como o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) e às Comissões de Ética no Uso de Animais (Ceuas), para saber se, efetivamente, estão trabalhando para diminuir cada vez mais a atuação dos animais em pesquisas. Convém lembrar, por último, que são inadmissíveis testes de cosméticos em animais vivos, como, aliás, várias leis estaduais já proibiram expressamente.
Em casos de crimes e/ou ilegalidades sobre direitos animais, como podemos classificar as punições?
Uma lei de 1998 foi alterada para robustecer a punição a quem maltrata cães e gatos. Mas, e os maus-tratos a outros animais, como ficam? É preciso avançar no aperfeiçoamento desta Lei, para que os crimes contra a fauna sejam considerados sérios, especialmente o crime de tráfico de animais silvestres, de altíssimo potencial lesivo.
Quais as penas/punições?
A lei prevê pena de 2 a 5 anos de reclusão para quem "pescar" ou molestar qualquer espécime de cetáceos (baleias, golfinhos). Por sua vez, a Lei dos Crimes Ambientais prevê uma série de crimes contra a fauna. Por exemplo, é crime matar ou caçar animais silvestres, bem como traficar. Contudo, as penas desta legislação são baixas e se submetem aos Juizados Especiais Criminais. É a mesma lei que prevê ser crime maltratar quaisquer espécimes de animais: é crime o "praticar ato de abuso", o "ferir", o "mutilar" e o "realizar experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos". Oportuno lembrar que "abandonar animais" também caracteriza "maus-tratos". As penas para esse crime também são baixas, mas em 2021 houve uma novidade, pois quando as vítimas do crime forem cães ou gatos a punição é mais severa, ficando entre 2 a 5 anos, multa e perda da guarda do animal. É a Lei Sansão, que representa o primeiro passo na intensificação da repressão penal aos crimes em que as vítimas são animais.
Como o senhor vê o tratamento jurídico aos animais aqui no Brasil comparado a outros países? No que precisamos avançar?
O Brasil conta com um invejável ordenamento jurídico animalista: além da Constituição e dos precedentes do STF, conta com uma boa lei de crimes contra a fauna, a qual pode, no entanto, ser aperfeiçoada, e com leis estaduais e municipais qualificando os animais como sujeitos de determinados direitos subjetivos. Assim, ao contrário de outros países, o Brasil tem leis atribuindo direitos a animais. Além disso, contamos, ainda hoje, com o Decreto 24.645/1934, que tem natureza de lei ordinária o qual, dentre outros assuntos, disciplina a "Capacidade de estar em juízo dos animais'. Segundo um de seus artigos: os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais."
Como a Justiça Federal entra nessa história do Direito Animal?
A Justiça Federal ainda não recebeu ação com animais autores, mas isso é uma questão de tempo, pois a "judicialização do Direito Animal" veio para ficar. A 4ª Região da JF seria privilegiada nesse sentido por contar com varas especializadas em matéria ambiental, com mais preparo para esse novo enfrentamento. Mesmo assim, são conhecidas importantes decisões da Justiça Federal, como a que proibiu a caça esportiva no Rio Grande do Sul e o uso de animais em circos (4ª Região). Na 3ª Região, houve decisão proibindo a exportação de gado vivo por via marítima, porque os animais são submetidos a intenso sofrimento durante a viagem, mas essa decisão foi suspensa e ainda aguarda um posicionamento definitivo.
notícias relacionadas
-
TRF4TRF4 | InclusãoCartilha Letramento em Direitos Humanos é lançada na JFPR com participação inédita de crianças14/10/2024 - 18:39
-
JFPRJFPR | RESULTADO POSITIVOAplicação de técnicas de processo estrutural ampliam o diálogo interinstitucional e promovem soluções de demandas de saúde29/08/2024 - 17:46
notícias recentes
-
JFRSJFRS | ImportaçãoEmpresa terá que retificar declaração de importação por erro na classificação de mercadorias adquiridas da China30/05/2025 - 17:51
-
TRF4TRF4 | MemóriaDesembargador Cândido Leal Júnior ganha retrato na Galeria dos Corregedores29/05/2025 - 19:05
-
JFRSJFRS | Perícias médicasReunião é realizada com peritos médicos em Porto Alegre29/05/2025 - 18:56