Justiça Federal suspende licenças de funcionamento de usina e mina de carvão por descumprimento das políticas de mudanças climáticas
Atualizada em 25/08/2025 - 16h09
A 9ª Vara Federal de Porto Alegre determinou a suspensão das licenças da Usina Termelétrica Candiota III e da Mina de Carvão Mineral Candiota, localizadas no município de Candiota (RS). A sentença, da juíza Rafaela Santos Martins da Rosa, foi publicada na sexta-feira (22/8).
A ação civil pública foi proposta por três associações civis sem fins lucrativos, com atuação em pautas ambientais: Núcleo Amigos da Terra Brasil; Instituto Preservar e Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural.
No polo oposto, figuram os réus: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel); Companhia de Geração e Transmissão de Energia Elétrica do Sul do Brasil (Eletrobras CGT Eletrosul), Estado do Rio Grande do Sul; Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler (Fepam) e Companhia Riograndense De Mineração (CRM).
As autoras narraram que os réus estariam descumprindo reiteradamente normas que tratam de matéria ambiental, com destaque para a exploração do carvão mineral e o funcionamento de uma mina e uma usina termelétrica do município de Candiota.
Elas fizeram menção ao Sexto Relatório de Avaliação (AR6) publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), em março de 2023. O documento teria confirmado a ocorrência de danos socioambientais e econômicos severos causados pelas mudanças climáticas, atribuindo à queima de combustíveis fósseis a responsabilidade pelo agravamento das referidas mudanças, pela emissão de gases de efeito estufa (GEEs).
Foram apresentados diversos dados que demonstram o aumento da produção de energia termelétrica alimentada por combustível fóssil no Brasil, que possui baixa eficiência energética, contribuindo para o aumento na emissão de GEEs e piora na qualidade do ar, dentre outros.
Também alegaram a ausência de ações efetivas por parte dos entes públicos no sentido de encerrar as atividades com carvão mineral, diante da necessidade de readequação para se garantir um processo justo de transição energética.
Dentre os descumprimentos apontados pelas autoras, a União estaria incentivando empreendimentos minerários e termelétricas que usam matriz energética poluidora. Ibama e Fepam, por sua vez, estariam autorizando o licenciamento desses empreendimentos sem a devida análise dos impactos ao meio ambiente.
As associações alegam que “a efetivação das metas de redução de emissões de GEE, como esforço mundial para desaceleração da crise climática, passa pelo cumprimento integral dos objetivos e diretrizes previstos nas Políticas sobre Mudanças Climáticas já normatizadas no país e no Estado do Rio Grande do Sul (PNMC e PGMC)”.
Foram apresentados dados das termelétricas do RS movidas a combustíveis fósseis, demonstrando uma quantidade elevada na emissão de gases de efeito estufa.
A Usina Termelétrica Candiota III iniciou as operações em 2011, utilizando carvão mineral para a geração de energia elétrica. As autoras sustentam que os licenciamentos emitidos pelo Ibama seriam incompatíveis com tratados internacionais e compromissos assumidos nacionalmente acerca dos temas ambientais.
Também foram apontadas irregularidades no licenciamento da Mina de Carvão Mineral Candiota, com alegações de descumprimento da legislação ambiental.
As acusações são de que não houve a análise do componente climático na concessão das licenças, o que deveria ser exigido para atividades altamente poluidoras, como é o caso da extração de carvão mineral.
Ainda sustentaram a necessidade de se readequar a composição do Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas. Há alegações de falta de transparência e pedidos de que seja reforçada a exigência de Participação do Fórum nos processos de licenciamentos ambientais de empreendimentos emissores de gases de efeito estufa.
Julgamento
A ação civil pública foi reconhecida pela magistrada como um litígio climático de cunho estrutural, sendo a decisão baseada, principalmente, nos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), “que constituem a melhor base científica disponível sobre as causas, natureza e consequências das mudanças climáticas antropogênicas”.
O Painel apontou que a atuação humana é responsável pelo aquecimento climático, diante de ações que potencializam a emissão dos gases de efeito estufa. A queima de combustíveis fósseis e as mudanças no uso do solo são apontados como sendo as principais condutas que colaboram para o aumento do aquecimento.
O Painel ainda concluiu que regiões mais pobres, com maior desigualdade social e menor infraestrutura, são as mais atingidas pelos efeitos climáticos. “Eventos extremos (ondas de calor, secas, enchentes) afetam mais populações marginalizadas, ampliando desigualdades de renda, saúde e segurança alimentar” , esclareceu a magistrada.
Assim, promover a redução nas emissões de gases de efeito estufa seria uma ação indispensável para conter o aumento da temperatura global.
Segundo dados constantes no relatório do IPCC, “inundações, deslizamentos, ondas de calor e secas devem se tornar mais frequentes e severas”, declarou a juíza.
Ela ainda citou que “o Estado do Rio Grande do Sul enfrentou um ciclo de secas extremas entre 2020 e 2024, agravadas por uma onda de calor histórica em 2025, que culminou em perdas agrícolas expressivas”.
A juíza destacou que 2024 teria sido o primeiro ano a registrar aquecimento médio superior a 1,5ºC. Foi também o período em que cerca de 90% dos municípios gaúchos foram atingidos por inundações, enchentes e alagamentos, sendo decretado estado de calamidade pública pelo governo federal.
A juíza apontou que a CRM é proprietária da Mina Candiota, cuja principal atividade é a extração de carvão em tiras, mediante lavra a céu aberto. Foram emitidas, pela Fepam, sucessivas licenças para o seu funcionamento, sendo a última em março de 2025, com validade até março de 2027.
A Usina Termelétrica Candiota III, por sua vez, é licenciada pelo Ibama desde 2011, tendo pertencido à Eletrobras CGT Eletrosul até janeiro de 2024, quando foi vendida para a Âmbar Uruguaiana Energia S.A. A última renovação da licença ocorreu em abril de 2016, sendo vigente por dez anos.
O entendimento do juízo foi de que é necessário incluir a “integração do componente climático ao licenciamento ambiental de Minas de carvão e de Usinas termelétricas que utilizam carvão mineral”, por serem consideradas atividades potencialmente emissoras de gases de efeito estufa.
O Plano Nacional de Energia 2030 identificou que as principais reservas de carvão mineral brasileira estão nos estados da Região Sul, sendo a jazida Candiota a principal do país.
A destinação primordial do carvão seria a queima em usinas termelétricas, o que ressalta, para a juíza, a necessidade de avaliação do impacto climático causado pelos empreendimentos.
A União lançou a Política Nacional de Transição Energética (PNTE) em agosto de 2024. O Estado do Rio Grande do Sul alegou que “está neste exato momento elaborando o seu próprio Plano de Transição Energética Justa, tendo inclusive contratado consultoria privada para auxiliar nesta elaboração”.
O Plano teria sido submetido à Consulta Pública e, no entendimento da magistrada, há lacunas acerca da transição da mineração de carvão e da produção de energia via termelétricas: “o Plano não reporta as ações que serão implementadas nos anos desta década crítica para acelerar a descarbonização do setor”.
Não foram identificados relatórios atualizados sobre as emissões de gases de efeito estufa no estado, nem a elaboração de planos para a sua redução. “Não se sabe, portanto, qual é a estratégia de transição energética para os setores que representam emissões expressivas nas atividades realizadas no Estado, incluindo o setor de mineração de carvão”, declarou a juíza.
O entendimento é de que a transição energética é uma ferramenta essencial para a mitigação das emissões, sendo fundamental que ocorra uma efetiva descarbonização na produção de energia, para que sejam cumpridos os compromissos mitigatórios assumidos pelo Brasil.
Para a magistrada, restou comprovado que as operações da Mina Candiota e da Usina Candiota contribuem para o aquecimento global, a partir das emissões de gases, que causam danos expressivos ao meio ambiente.
Ela entendeu ser inviável “a continuidade das emissões de gases de efeito estufa que resultam do funcionamento destes empreendimentos”, determinando a “suspensão dos licenciamentos de operação vigentes, com a ordem de imediata inclusão de condicionantes climáticas nos termos dos licenciamentos”.
Dessa forma, o Ibama e a Fepam foram condenados a suspender as licenças de Operação da Usina Candiota III e da Mina Candiota, respectivamente, devendo incluir condicionantes climáticas nas referidas licenças. Deverão, também, adotar outras providências e adequações até 31 de janeiro de 2026.
Em caso de descumprimento, foi determinada multa diária de R$10 mil para cada órgão. Também será aplicada multa, no mesmo valor, caso as demais medidas não sejam cumpridas, a partir do primeiro dia útil de fevereiro de 2026.
A União e o Estado do RS deverão apresentar, também até 31 de janeiro de 2026, um Plano conjunto de transição energética justa sobre o setor de carvão mineral. O descumprimento acarretará multa diária de R$10 mil, para cada ente, a partir do primeiro dia útil de fevereiro de 2026.
O Estado gaúcho deverá, ainda, comprovar, em 30 dias, “a adequação da composição dos membros da Plenária do FGMC, aumentando a participação de membros da sociedade civil e de membros da comunidade científica, de forma a existir a devida paridade de representação”, sob pena de multa diária de R$2 mil.
Foram designadas duas audiências para que as medidas determinadas sejam monitoradas, sendo a primeira em outubro e a segunda em dezembro de 2025.
Cabe recurso para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Nucom/JFRS (secos@jfrs.jus.br)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5050920-75.2023.4.04.7100/RSnotícias relacionadas
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