Direito Hoje | Atividade especial em matéria previdenciária: coisa julgada e ajuizamento de nova ação com fundamento em agente nocivo diverso
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Celso Kipper

 Celso Kipper 

Desembargador Federal

05 de dezembro de 2022

A respeito da consideração ou não da existência de coisa julgada quando já decidido, em ação anterior, sobre a inexistência de condições nocivas à saúde de um determinado tempo de trabalho, a impedir novo pleito previdenciário em que se discuta novamente a especialidade desse mesmo período, na mesma empresa, com base em agente nocivo diverso, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região apresenta profunda controvérsia há longa data.

De um lado, há julgados que consideram perfectibilizada a ocorrência da coisa julgada. São exemplos: AC 0019732-37.2013.4.04.9999, Quinta Turma, relator Desembargador Federal Roger Raupp Rios, D.E. 27.06.2017; AC 5002873-98.2013.4.04.7010, Décima Turma, relator Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, juntado aos autos em 24.09.2018; AC 5016082-41.2016.4.04.7201, Nona Turma, com sua composição ampliada, relator para acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, juntado aos autos em 16.03.2020; AC 5006920-03.2017.4.04.7002, Décima Turma, com sua composição ampliada, relator para acórdão Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 16.06.2020; AC 5059359-21.2017.4.04.9999, Nona Turma, relatora Juíza Federal Convocada Eliana Paggiarin Marinho, juntado aos autos em 25.11.2020; AG 5014337-22.2021.4.04.0000, Quinta Turma, relator Juiz Federal Convocado Francisco Donizete Gomes, juntado aos autos em 02.09.2021; AC 5019290-73.2019.4.04.9999, Décima Turma, relator Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, juntado aos autos em 06.10.2021; AC 5008867-25.2018.4.04.7013, Décima Turma, relator Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, juntado aos autos em 06.12.2021; AC 5001354-56.2020.4.04.7103, Quinta Turma, relatora Juíza Federal Convocada Adriane Battisti, juntado aos autos em 25.05.2022; AC 5017339-17.2019.4.04.7001, Décima Turma, relator Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, juntado aos autos em 03.06.2022.

Em sentido oposto, há precedentes que entendem que, demonstrada a existência de agente nocivo diverso, não examinado na demanda anterior, resta alterado o fato alegado e a causa de pedir remota, não havendo falar em repetição de demanda. Nessa linha de intelecção, elenco os seguintes julgados: AC 5003095-30.2017.4.04.7203, Nona Turma, com sua composição ampliada, relator Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 26.03.2019; AC 5004280-90.2014.4.04.7112, Sexta Turma, relatora Desembargadora Federal Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 07.05.2021; AG 5059038-05.2020.4.04.0000, Sexta Turma, relatora Desembargadora Federal Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 10.05.2021; AC 5012030-09.2019.4.04.7003, Décima Turma, relator Desembargador Federal Márcio Antônio Rocha, juntado aos autos em 12.08.2021; AC 5056860-06.2018.4.04.7000, Décima Turma, relator Desembargador Federal Márcio Antônio Rocha, juntado aos autos em 12.08.2021; AC 5000717-32.2016.4.04.7108, Sexta Turma, relator Juiz Federal Convocado Julio Guilherme Berezoski Schattschneider, juntado aos autos em 11.09.2021; AC 5000307-18.2018.4.04.7103, Sexta Turma, relator Juiz Federal Convocado José Luis Luvizetto Terra, juntado aos autos em 17.02.2022; AC 5010545-41.2018.4.04.9999, Sexta Turma, relatora Desembargadora Federal Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 22.04.2022.

No âmbito dos demais Tribunais Regionais Federais também se encontram posições antagônicas sobre o tema. Assim, enquanto no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por exemplo, a posição dominante é no sentido de que a segunda ação não fere a coisa julgada por veicular diferente causa de pedir [TRF3, Terceira Seção, AR 0032306-12.2014.4.03.0000, relator para o acórdão Desembargador Federal Sérgio Nascimento, publicado em 27.04.2017 (julgamento por maioria); TRF3, Terceira Seção, AR 5024816-72.2019.4.03.0000, relator Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, julgado em 03.11.2021, publicado em 09.11.2021], no Tribunal Regional da 5ª Região entende-se que a rediscussão da especialidade de uma mesma atividade, no mesmo lapso de tempo, ainda que sob a ótica de um agente nocivo diverso do analisado na primeira ação, não é possível em razão do efeito preclusivo da coisa julgada [TRF5, 0807792-24.2020.4.05.8300, Segunda Turma, relator Desembargador Federal Leonardo Henrique de Cavalcante Carvalho, julgado em 08.03.2021; TRF5, 0808134-26.2020.4.05.8400, Quarta Turma, relator Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto Neto, julgado em 21.09.2021]. No Tribunal Regional da 1ª Região, assim como no da 3ª Região, também prepondera o entendimento no sentido da possibilidade do ajuizamento da nova ação no caso em tela (agente nocivo diverso), tendo como fundamento, no entanto (diversamente do fundamento do TRF3), o de que a coisa julgada, no Direito Previdenciário, em razão do caráter social que o permeia, opera efeitos secundum eventum litis ou secundum eventum probationis [TRF1, Segunda Turma, AC 1000184-21.2018.4.01.3822, relator Desembargador Federal César Jatahy, julgado em 30.06.2021 e publicado em 08.07.2021; TRF1, Segunda Turma, AC 1009735-05.2019.4.01.3300, relator Desembargador Federal Rafael Paulo, julgado em 03.09.2021 e publicado em 09.09.2021].

A propósito da coisa julgada e da identidade de demandas, há consenso tanto na doutrina quanto na jurisprudência pátrias no sentido de que: a) verifica-se a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada, com decisão transitada em julgado (CPC, art. 337, §§ 1º e 4º); b) uma ação é idêntica a outra quando há a chamada tríplice identidade, ou seja, as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir (CPC, art. 337, § 2º); c) a causa de pedir tem por finalidade possibilitar a exata individualização da ação e compõe-se dos fundamentos de fato e dos fundamentos de direito do pedido, os quais devem ser indicados na petição inicial (CPC, art. 319, III); d) “a igualdade de todos os componentes da causa de pedir (próxima e remota) é exigida para a configuração de litispendência ou coisa julgada (...)” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 377); e) a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida (CPC, art. 503); e f) de acordo com a denominada eficácia preclusiva da coisa julgada, transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido (CPC, art. 508).

Não obstante, a controvérsia sobre o tema em questão permanece.

Penso que a disparidade de entendimentos na jurisprudência reflete posições divergentes existentes sobre o tema na doutrina pátria, especialmente no tocante a dois aspectos: a) quanto à exata caracterização da causa de pedir para a individualização das ações; b) quanto ao alcance da eficácia preclusiva da coisa julgada.

Sobre o tema, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino já teve ocasião de registrar “que o problema da identificação das demandas é extremamente controvertido, podendo-se chegar a conclusão diversa, como entendeu o tribunal a quo” (STJ, REsp 1.217.377/PR, Terceira Turma, julgado em 13.11.2013). E, acerca dessa controvérsia sobre a identificação das demandas, o eminente ministro cita o magistério de José Rogério Cruz e Tucci[1]:

É bem de ver [...] que a problemática concernente à causa de pedir delineia-se, como é curial, a mais complexa e controvertida dentre aquelas que plasmam a questão da individuação da demanda.

Complexa, em razão do inescondível desafio para se esquadrinhar um conceito acerca do elemento causal da pretensão, estabelecendo qual o seu conteúdo e quais os seus efeitos.

Controvertida, em virtude de ser possível constatar que, nas últimas cinco décadas, cada autor que tratou do assunto tem encontrado soluções próprias, discrepantes, não poucas vezes, de resultados anteriormente atingidos, e dando, assim, margem para a elaboração de inúmeras teorias.

De igual forma, Sérgio Gilberto Porto afirma que, “relativamente à compreensão do que representa a noção de causa de pedir, o ponto que mais se presta a dificuldades é justamente a determinação do conteúdo desta, isso ‘por se achar no âmago do tema comumente designado por identificação de ações, do qual dependem decisivamente vários institutos processuais’ – segundo observa José Ignácio Botelho de Mesquita”.[2]

A mesma dificuldade se apresenta quanto ao alcance da eficácia preclusiva da coisa julgada, também denominada de princípio do deduzido e do dedutível, atualmente disposta no artigo 508 do Código de Processo Civil. Para Araken de Assis, esse dispositivo constitui uma “fonte inexaurível de preocupações e cuidados. À sua luz, deve-se abandonar a ilusão de que o legislador haja adotado uma noção unívoca de objeto litigioso; ou melhor, a uniformidade de aplicação do objeto litigioso nos diversos institutos (modificação da demanda, cumulação de ações, coisa julgada e litispendência) a ele relacionados”.[3]

Sérgio Gilberto Porto, por sua vez, afirma que “grassa verdadeira polêmica em torno da extensão do princípio da preclusão do dedutível”.[4] Tal autor, comentando sob a égide do CPC de 1973, exemplifica a problemática a respeito[5]:

Proposta ação de despejo com suporte em danos causados ao imóvel locado, e julgada esta improcedente, considerar-se-á também atingida pela autoridade da coisa julgada a circunstância da falta de pagamento de alugueres (contemporâneos à primeira demanda) ou essa circunstância é capaz de ensejar nova (ou a mesma?) demanda com possibilidade de sucesso?

Como se vê, o problema proposto está estreitamente vinculado à questão atinente à eficácia preclusiva da coisa julgada, ou, mais exatamente, ao alcance que deve ser dado a ela. Se a extensão a ser atribuída à eficácia preclusiva é de que ela é capaz de “consumir todas as causas possíveis de ensejar o acolhimento do pedido”, todas as hipóteses antes arroladas ensejariam que fosse declinada exceção de coisa julgada. Todavia, se a compreensão a ser dispensada ao art. 474 do CPC for a de que a eficácia preclusiva não é capaz de consumir todas as causas aptas a ensejar o acolhimento do pedido, mas, sim, e tão somente, as alegações e defesas pertinentes à causa de pedir deduzida, não há que se falar em coisa julgada.

O aludido autor passa a demonstrar, em seguida,[6] o dissenso sobre o tema. Colho de seu estudo, apenas para exemplificar, as posições divergentes entre Ovídio Araújo Baptista da Silva e José Carlos Barbosa Moreira. Para o primeiro, em uma ação de rescisão de contrato parciário, por exemplo,

se o fundamento exposto na inicial foram os danos ocasionados culposamente à colheita, ter-se-á de identificar nessa demanda, como seu verdadeiro fundamento (causa petendi), além do fato descrito (sucessos históricos), todos os outros que com ele sejam compatíveis, de tal modo que a reapreciação de fato dessa mesma cadeia, numa futura demanda, resultasse numa decisão discrepante (Schwab). Ter-se-ão, pois, como decididas (implicitamente) – porque são, na verdade, questão da lide submetida pelo autor ao juiz – todas as possíveis causas que possam dar lugar à rescisão do contrato sob alegação de inadimplemento culposo do demandado, atribuível a sua inaptidão técnico-profissional; mesmo uma futura demanda por falta de pagamento, se este inadimplemento for devido à inexistência de condições de pagamento, o que seria, igualmente, uma forma de inaptidão profissional do empresário, estaria vedada, porque essa questão fora alegação pertinente à primeira demanda.[7]

Outra é a lição de Barbosa Moreira[8]:

Quase desnecessário é advertir que a situação será de todo diferente no segundo processo se vier a alegar outro fato que configure diversa “causa petendi”: assim, por exemplo, se X pedir de novo a revogação da doação com base em atentado contra sua vida, ou ofensa física ou injúria grave, ou calúnia, por parte de Y (art. 1.133, I, II e III, do CC). A “res iudicata sobre a primeira sentença de improcedência não constitui óbice à apreciação de tal pedido, e, portanto, não há que cogitar de eficácia preclusiva em relação a quaisquer “quaestiones facti agora suscitadas.

Entendia Sérgio Porto que o problema desapareceria com o novo Código de Processo Civil, na medida em que a redação do artigo 495 do então projeto expressamente limitava a eficácia expansiva à causa de pedir deduzida:

Art. 495. Transitada em julgado a sentença de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido, ressalvada a hipótese de ação fundada em causa de pedir diversa.[9]

Entretanto, como se sabe, a ressalva final do artigo 495 do projeto não consta na redação aprovada do atual artigo 508 do CPC:

Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.

Interpretando o artigo 508 do CPC atual – que em muito se assemelha à redação do art. 474 do CPC de 1973 –, a Décima Turma do TRF4, no Agravo de Instrumento nº 5012526-66.2017.4.04.0000/PR, chegou à seguinte conclusão[10]:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCEDIMENTO COMUM. PREVIDENCIÁRIO. COISA JULGADA. PERÍODOS DE ESPECIALIDADE APRECIADOS EM AÇÃO ANTERIOR. O art. 508 do CPC consagra o princípio da eficácia preclusiva da coisa julgada, ou seja, abrange todas as possíveis causas de pedir que pudessem ter embasado o pedido formulado, implicando, pois, o julgamento de todas as causas de pedir que pudessem ter sido deduzidas, mas não o foram. Assim, ainda que os fundamentos sejam diversos, é incabível que seja afastada a coisa julgada, uma vez que já houve pronunciamento de mérito quanto aos períodos citados pelo autor.

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.769.596, manteve a decisão acima, negando provimento ao recurso por duplo fundamento: a) como o tribunal de origem reconheceu a coisa julgada pela tríplice identidade entre as ações, entendimento diverso implicaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, a impedir o seguimento do recurso especial ante a incidência da Súmula 7 do STJ; b) “o acórdão recorrido está alinhado à orientação desta Corte Superior, segundo a qual, uma vez que tenha ocorrido o trânsito em julgado, atua a eficácia preclusiva da coisa julgada, a apanhar todos os argumentos relevantes que poderiam ter sido deduzidos no decorrer da demanda, prestando-se a garantir a intangibilidade da coisa julgada nos exatos limites em que se formou”.[11]

Diverso foi o entendimento expressado em, pelo menos, duas outras decisões do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, no AgInt no REsp 1.663.739, o Ministro Benedito Gonçalves teve a oportunidade de afirmar:

Entendo que, se o pedido foi baseado em um agente (ruído, v.g.), e com base nele rejeitado, é possível a sua rediscussão em nova ação, à luz de outro agente nocivo, já que se caracteriza, em tal situação, uma nova causa petendi, e a ação não se repete senão quando idênticas são as partes, a causa de pedir e o pedido.[12]

Da mesma forma, decisão recente do Ministro Og Fernandes no AREsp 2.068.586, em que afirmou:

De fato, mais do que prova nova, no caso dos autos, a causa de pedir é diferente, já que o pedido de reconhecimento do tempo especial é baseado na exposição a outro agente nocivo, que não foi objeto de análise na demanda anterior. Alterado o fato alegado, altera-se a causa de pedir remota e, portanto, não se pode falar em repetição de demanda. Assim, ausente a tríplice identidade, não há coisa julgada.[13]

A doutrina pátria, por sua vez – mesmo não tendo sido acolhida, na redação do atual artigo 508 do CPC, a ressalva de ação fundada em causa de pedir diversa –, defende majoritariamente que a eficácia preclusiva da coisa julgada aplica-se apenas às alegações e às defesas relativas à causa de pedir deduzida, não se estendendo a diferentes causas de pedir. Além do magistério de Barbosa Moreira, acima citado, destaco os seguintes autores:

1. As alegações e defesas que se consideram preclusas com a formação da coisa julgada são unicamente aquelas que concernem ao mérito da causa. O art. 508, CPC, não pode alcançar jamais causas de pedir estranhas ao processo em que transitada em julgado a sentença de mérito. Apenas as questões relativas à mesma causa de pedir ficam preclusas em função da incidência da previsão do art. 508, CPC. Todas as demais são livremente dedutíveis em demandas posteriores. Em outros termos: a eficácia preclusiva da coisa julgada apanha tão somente alegações de fato não essenciais que circundam as alegações de fato essenciais. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 621)

2. Por fim, cabe ressaltar que a vedação decorrente da eficácia preclusiva da coisa julgada tem aplicação apenas se estivermos diante da mesma causa de pedir. Afinal, em se tratando de um dos elementos identificadores da demanda (art. 337, §§ 1º e 2º, do novo CPC), haveria propositura de nova ação, baseada em outros fatos. Por exemplo, se em um primeiro processo houve pedido de anulação de um ato jurídico por um determinado vício do consentimento (por exemplo, erro); mesmo após o trânsito em julgado da sentença de improcedência do pedido, é possível à parte ajuizar outra demanda pedindo a anulação do mesmo ato jurídico alegando outro vício (por exemplo, dolo ou coação), ainda que não o tenha alegado no primeiro processo. Portanto, se a discussão disser respeito a outros fatos, havendo nova causa petendi, as partes podem lançar mão de qualquer argumento mesmo que omitido na primeira litigância judicial (...). (CABRAL, Antonio do Passo in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim [coord.]. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.309-1.310)

3. A coisa julgada, bem como sua eficácia preclusiva, dizem respeito a novos argumentos sobre a mesma lide, o que pressupõe a manutenção da causa de pedir. A proibição de rediscussão da lide com novos argumentos (eficácia preclusiva da coisa julgada) não impede a repropositura da ação com outro fundamento de fato ou de direito (nova causa de pedir). Tratando-se de nova causa de pedir, ainda que o pedido seja o mesmo da ação anterior, estar-se-á diante de nova ação e, portanto, nada tem a ver com a eficácia preclusiva da coisa julgada, instituto que proíbe a rediscussão da mesma ação, isto é, de ação entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir (próxima e remota) e com o mesmo pedido (mediato e imediato). (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maia de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1.344-1.345)

No mesmo sentido, ainda: MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 822; e PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 101.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, tal entendimento foi expressado em vários julgados, de que são exemplos os seguintes:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INCIDENTE DA RECUPERANDA EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. COISA JULGADA RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. 1. “A eficácia preclusiva da coisa julgada não possui a aptidão de alcançar causas de pedir não veiculadas pela parte-autora, mas tão somente os argumentos em torno de uma causa de pedir que, por uma razão qualquer, não tenham sido utilizados pelo autor ou pelo réu na discussão da causa” (REsp 1.217.377/PR, rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 19.11.2013, DJe 29.11.2013). 2. Hipótese em que, malgrado a coincidência entre as partes e os pedidos deduzidos nos incidentes confrontados, não se vislumbra a identidade das respectivas causas de pedir, consoante exige o § 2º do artigo 307 do CPC de 2015 (§ 2º do artigo 301 do CPC de 1973). 3. Agravo interno não provido.[14]

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 458 E 535 DO CPC/73. NÃO CONFIGURAÇÃO. QUESTÕES INDICADAS QUE FORAM APRECIADAS DE MANEIRA EXPRESSA. COISA JULGADA. TRÍPLICE IDENTIDADE. CAUSA DE PEDIR DISTINTA. NÃO CONFIGURAÇÃO. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO NA PARTE CONHECIDA.[15]

A propósito da identificação da causa de pedir, ensina Heitor Vitor Mendonça Sica que

é preciso saber distinguir bem a diferença entre o(s) fato(s) principal(is) – ou seja, aqueles suficientes, por si sós, a gerar as consequências jurídicas objeto do pedido e que são o núcleo da causa de pedir – e os fatos secundários – isto é, aqueles que servem para demonstrar, reforçar ou revelar o modo de ser dos fatos principais. (...) Somente se descaracteriza a causa de pedir em um ulterior processo se houver alteração do(s) fato(s) principal(is). (in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim [coord.]. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 901)

No mesmo sentido, entre outros, a posição de José Miguel Garcia Medina, para quem

o Código de Processo Civil de 2015 não adota a teoria da individuação, mas, sim, a teoria da substanciação, não a versão “original” desta teoria (“todos os fatos”), mas uma concepção mais restrita, para a qual interessam apenas os fatos necessários à identificação do pedido (fatos principais, essenciais, ou jurígenos, e não os fatos simples, ou secundários). (Novo Código de Processo Civil comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 555)

Pois bem, na identificação das demandas (e, especificamente, da causa de pedir) em caso de pedido de reconhecimento da natureza especial da atividade desenvolvida em determinado período, na mesma empresa, sob o enfoque de agentes nocivos diversos, faz-se necessário justamente indagar se a caracterização do agente nocivo constitui um fato principal/essencial ou secundário/simples. O pedido é o reconhecimento de um tempo de serviço/contribuição especial, com contagem diferenciada. A causa de pedir é o desempenho de atividade laboral sujeita a condições agressivas, nocivas à saúde. A identificação do agente nocivo, na hipótese, não é secundária, pois é indispensável para a configuração da especialidade. Não se pode reconhecer a especialidade do tempo de serviço sem a exata identificação do agente agressivo, a não ser nos casos de presunção da nocividade em algumas categorias profissionais, na época em que permitida. Não há o reconhecimento da especialidade “em tese” ou “genérica”. O agente nocivo à saúde constitui-se, assim, em fato essencial, ou, em outras palavras, no núcleo duro da causa de pedir.

A rigor, em uma demanda em que há o pedido de reconhecimento da especialidade de uma determinada atividade laboral em razão da sujeição do segurado a agentes agressivos à sua saúde, haverá tantas causas de pedir quantos forem tais agentes nocivos e, sob esse aspecto, embora transitada em julgado decisão de improcedência com relação a um destes agentes, demanda posterior que se fundamente em outro agente não constitui repetição de demandas. Considerando, ademais, a posição majoritária de que a eficácia preclusiva da coisa julgada, prevista no artigo 508 do CPC, só se aplica às alegações e às defesas que poderiam ter sido deduzidas em ação idêntica – isto é, com as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir –, não se estendendo a demandas com causa de pedir diversa, conclui-se que inexiste o óbice da coisa julgada na nova ação em que se pleiteia a especialidade de uma mesma atividade laboral, exercida na mesma empresa e no mesmo período da atividade indicada em ação anterior, desde que, nesta segunda demanda, seja indicado agente nocivo diverso, ou seja, desde que seja fundamentada em nova causa de pedir.

 

Notas

[1] A causa petendi no processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 29.

[2] Coisa julgada civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 36.

[3] Processo civil brasileiro. v. 2. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 725.

[4] Op. cit., p. 38.

[5] Op. cit., p. 94-95.

[6] Op. cit., p. 95-98.

[7] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Sentença e coisa julgada. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 169.

[8] MOREIRA, José Carlos Barbosa. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil brasileiro. In: Temas de direito processual. 1ª Série. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 104.

[9] Op. cit., p. 95.

[10] Relator Desembargador Federal Amaury Chaves de Athayde, julgado em 19.09.2017.

[11] Relator Ministro Manoel Erhardt – desembargador convocado do TRF da 5ª Região, julgado em 17.05.2021.

[12] DJe 07.12.2017.

[13] DJe 18.08.2022.

[14] STJ, AgInt no REsp 1.738.629/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24.08.2020, DJe 31.08.2020.

[15] STJ, AgInt no AREsp 1.444.221/MS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 19.04.2021, DJe 22.04.2021.

 


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