Direito Hoje | Edição nº 65
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Ativismo judicial

10 de outubro de 2023

Stefan Espirito Santo Hartmann

 Stefan Espirito Santo Hartmann  

Juiz Federal Substituto, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Escola dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul – ESMAFERS e na Escola Superior da Magistratura Federal do Estado de Santa Catarina – ESMAFESC.

imagem de fundo

Sumário: Introdução. 1 Perspectiva conceitual: afinal, o que é ativismo judicial? 1.1 O debate estadunidense e as diversas dimensões do ativismo judicial. 1.2 Critérios de verificação do ativismo judicial. 2 Perspectiva propositiva: afinal, em que situações se legitima o ativismo judicial? 2.1 Funções de governo, funções de garantia e controle jurisdicional de políticas públicas. 2.2 Contramajoritário, representativo e iluminista: reflexão crítica sobre os três papéis das cortes constitucionais. Considerações finais. Bibliografia.

Resumo

O ativismo judicial é um dos principais temas relacionados ao Poder Judiciário brasileiro. Não é de hoje que a comunidade jurídica debate a expansão do poder político dos juízes, em geral, e do Supremo Tribunal Federal, em particular. A novidade é que a discussão, antes restrita à esfera jurídica, ganhou espaço em outros campos do conhecimento, além de ter chamado a atenção da mídia e da população. É do interesse de todos definir o papel do Poder Judiciário e do Supremo Tribunal Federal no Estado Democrático Constitucional, a fim de que se delimitem as fronteiras da parcela de poder por eles exercida. Nada obstante, ainda persistem grandes dificuldades na identificação do fenômeno do ativismo judicial, bem como na aferição da sua legitimidade. Afinal, o que é ativismo judicial? Como é possível identificar essa forma de interpretar e aplicar o Direito? Frente à atual configuração do Estado Democrático Constitucional brasileiro, em que situações se legitima o ativismo judicial? O objetivo deste ensaio é fornecer respostas seguras e teoricamente consistentes a essas perguntas, examinando o ativismo judicial em duas perspectivas – conceitual e propositiva –, para que, ao final, seja possível identificar decisões ativistas e aferir sua legitimidade, conforme a interpretação adotada.

Palavras-chave: Poder Judiciário. Ativismo judicial. Conceito. Legitimidade.

Introdução

O tema deste trabalho é o polêmico ativismo judicial. No mundo contemporâneo, fala-se muito em expansão (devida ou indevida) do Poder Judiciário em face dos Poderes Executivo e Legislativo, colocando em xeque a tradicional teoria da separação dos poderes. Cada vez mais os juízes são chamados a intervir em esferas das quais habitualmente mantinham certa distância, sobretudo em deferência às funções exercidas pelo legislador e pelo administrador. O fenômeno ganha caracteres ainda mais agudos no contexto brasileiro, em que a não implementação completa do projeto de sociedade definido pela Constituição Federal, em 1988, leva muitos brasileiros a recorrer ao Poder Judiciário em busca de prestações positivas em face do Estado.

A importância do tema, assim, dispensa maiores comentários. Parece evidente que o ativismo judicial é – e vai continuar a ser – matéria de interesse não somente do jurista, mas de cientistas políticos, sociólogos e outros estudiosos dos fenômenos humanos e sociais. Ocorre que, mesmo que o debate já esteja consolidado no país há alguns anos, ainda pairam muitas dúvidas em torno da definição e da legitimidade do ativismo judicial. A expressão é visivelmente polissêmica, adquirindo contornos diversos a despeito da área de atuação do intérprete, da sua formação, do contexto em que vive, das circunstâncias que pretende abordar, etc.

O objetivo deste trabalho é clarear essas ideias, fornecendo elementos seguros para o avanço da discussão. O objetivo não é defender ou criticar, aprioristicamente, o ativismo judicial, ainda que surjam, aqui e acolá, alguns comentários do gênero. Pretende-se, primeiramente, apresentar propostas de definição do ativismo judicial, iluminando o seu conceito, para que seja possível identificá-lo com clareza e precisão. Uma vez cumprida essa tarefa, almeja-se também avaliar o ativismo judicial sob a perspectiva da sua legitimidade constitucional, isto é, estabelecendo em quais situações o fenômeno se justifica sob a óptica jurídico-constitucional.

É evidente que as propostas e soluções aqui apresentadas não são conclusivas, nem mesmo encerram o debate. Ademais, elas também estão sujeitas à saudável crítica, o que é feito, aliás, ao longo deste trabalho, sobretudo em face da proposição que defende os três papéis desempenhados pelas cortes constitucionais. Nada obstante, entende-se que os conceitos apresentados neste breve artigo podem contribuir para o aprimoramento do necessário debate em torno do ativismo judicial, tão rico e, ao mesmo tempo, tão importante para o sistema jurídico brasileiro. A jovem democracia brasileira ainda carece de instituições fortes, valendo essa lição também para o Poder Judiciário. Assim, é imperioso definir precisamente as fronteiras e os limites da função jurisdicional, a fim de a ela conferir legitimidade democrática e constitucional.

Destaca-se que o trabalho está dividido em duas partes principais. Em primeiro lugar, será abordada a perspectiva conceitual de ativismo judicial, definindo-o e estabelecendo critérios objetivos para sua verificação. Em segundo lugar, pretende-se examinar o tema à luz de perspectivas propositivas, estabelecendo quando, e em que situações, o ativismo judicial pode ser considerado legítimo em face da Constituição. Ao final, espera-se ter contribuído para a evolução do debate em torno de tão importante tema para a sociedade brasileira.

1 Perspectiva conceitual: afinal, o que é ativismo judicial?

1.1 O debate estadunidense e as diversas dimensões do ativismo judicial

Na visão de Campos,[1] os Estados Unidos são o principal palco do debate em torno do papel de juízes e cortes no sistema político em que operam e o berço do próprio termo ativismo judicial. Esse tema, nos Estados Unidos, confunde-se com a própria história do constitucionalismo. Desde a primeira aparição, a expressão ativismo judicial tornou-se a principal estrela da discussão sobre o papel da Suprema Corte na interpretação da Constituição e na relação com os demais poderes.

Além disso, o autor[2] destaca que o debate estadunidense é de alcance extraordinário, e transcende as fronteiras do Direito e da Ciência Política, para ser recorrente também na grande mídia. Na esfera político-eleitoral, há incomparável politização do tema, que se transformou em um elemento retórico e estratégico de políticos e governantes de diferentes inclinações ideológicas para os propósitos mais diversos. A batalha contra o ativismo judicial é objeto de campanhas presidenciais, e compõe o núcleo dos questionamentos mais incisivos dos senadores nas audiências de confirmação dos juízes indicados para a Suprema Corte.

Campos[3] afirma também que a discussão estadunidense é complexa. O ativismo judicial naquele país foi desenvolvido em contextos ideológico, político, social e cultural tão ricos e conflituosos, de aspectos tão amplos e, ao mesmo tempo, tão polarizados que seus diferentes elementos e variáveis lhe atribuem utilidade didática única. A compreensão da discussão estadunidense é imprescindível para a investigação do tema em qualquer outra realidade política, e seus mais destacados elementos e variáveis são de extraordinária importância para a compreensão do ativismo judicial contemporâneo no Brasil.

O autor[4] assevera que relevantes decisões da Suprema Corte estadunidense revelam, com clareza, dois aspectos do ativismo judicial: primeiro, as decisões ativistas são multifacetadas, isto é, revelam-se por diferentes dimensões – a interpretação criativa e expansiva da Constituição, a aplicação direta de direitos fundamentais implícitos ou apenas vagamente definidos, a falta de deferência à capacidade legal e epistêmica dos outros poderes, a superação de precedentes, etc.; segundo, o ativismo judicial não resulta tão somente de uma atitude deliberada de juízes e cortes, mas responde a uma pluralidade de fatores, os quais influenciam e podem explicar o comportamento mais ou menos ativista daqueles agentes – o ativismo judicial pode ser politicamente construído e direcionado.

Para entender as raízes da expressão ativismo judicial no contexto estadunidense, é preciso examinar a abordagem de Schlesinger Jr.,[5] reconhecidamente o autor que inaugurou a discussão em torno do tema.

Em artigo publicado em 1947, Schlesinger Jr.,[6] além de apresentar a expressão, defendeu a relevância em saber as questões que dividem os juízes da Suprema Corte estadunidense, porque suas decisões ajudam a moldar a nação por anos. O autor examinou a Suprema Corte de 1947, classificando os Justices em: (i) juízes ativistas com ênfase na defesa dos direitos das minorias e das classes mais pobres (Black e Douglas); (ii) juízes ativistas com ênfase nos direitos de liberdade (Murphy e Rutledge); (iii) juízes autorrestritivos (Frankfurter, Jackson e Burton); (iv) juízes representantes do equilíbrio de forças balance of powers (Vinson e Reed).

Schlesinger Jr.[7] apresentou o termo ativismo judicial como antagônico à autorrestrição judicial. Para o autor, juízes ativistas substituem a vontade do Poder Legislativo pela própria, porque acreditam que devem atuar ativamente na promoção das liberdades civis e dos direitos das minorias, dos destituídos e dos indefesos, mesmo se, para tanto, chegassem próximo à correção judicial dos erros do legislador. Ao contrário, para os juízes autorrestritivos, a Suprema Corte não deve intervir no campo da política, e sim agir com deferência à vontade do Poder Legislativo.

Black[8] e Frankfurter[9] apareciam como principais símbolos intelectuais, respectivamente, do ativismo e da autorrestrição judicial.

Black sustentava que a Constituição e a Bill of Rights criaram uma forma de governo limitado, cabendo aos juízes a responsabilidade primária e o dever de executar e tornar efetivas as liberdades constitucionais e as limitações sobre os Poderes Executivo e Legislativo. Para ele, a Bill of Rights afastou do Congresso qualquer poder sobre os direitos e as liberdades individuais, ao passo que confiou ao Poder Judiciário o dever sagrado de proteger esses direitos. Os juízes deveriam comportar-se como fortalezas impenetráveis contra as afirmações de poder pelo Legislativo e pelo Executivo.

Frankfurter, ao contrário, afirmava que o juiz deveria separar as convicções particulares de justiça substantiva do dever funcional na Corte, e, por isso, atuava com deferência ao legislador. Ele era descrente a respeito da supremacia judicial, e acreditava que juízes deveriam decidir casos e controvérsias, e não criar um mundo novo, tarefa a cargo dos governantes e dos legisladores. A função judicial, para Frankfurter, que interpretasse leis além dos significados das palavras utilizadas pelo legislador corresponderia a usurpar poder que a democracia estadunidense depositou nos legisladores eleitos. Por isso, um juiz não deveria reescrever a lei, nem alargá-la ou contraí-la, mas deveria exercer suas funções com restrição e cautela, especialmente a judicial review.

Essa oposição de ideias entre os dois grupos, tal como esclarecida por Schlesinger Jr.,[10] permite inferir que o ativismo judicial representaria uma declaração de poder, enquanto a autorrestrição consistiria em resistir à supremacia judicial em nome da deferência à vontade do legislador. A formulação do autor,[11] assim, apresentou discussão de tipo muito mais político-institucional do que simplesmente jurídico-metodológica – decidir sobre o ativismo ou a autorrestrição judicial é decidir a respeito do espaço decisório da Suprema Corte no sistema constitucional e político do país.

A partir das lições aprendidas com o debate estadunidense, pode-se pensar em uma definição multidimensional do ativismo judicial, tal como proposta por Campos.[12] De fato, explica o autor[13] que é possível fixar cinco diretrizes a fim de construir o conceito de ativismo judicial. A primeira defende que o ativismo judicial é uma questão de postura expansiva de poder político-normativo de juízes e cortes quando de suas decisões, e não de correção de mérito; a segunda, que o ativismo judicial não é aprioristicamente legítimo ou ilegítimo; a terceira assinala o caráter dinâmico e contextual da identificação e da validade do ativismo judicial; a quarta sustenta a pluralidade das variáveis contextuais que limitam, conformam e moldam o ativismo judicial; e a última explica o ativismo judicial como estrutura adjudicatória multidimensional.

Assim, Campos[14] define o ativismo judicial como:

O exercício expansivo, não necessariamente ilegítimo, de poderes político-normativos por parte de juízes e cortes em face dos demais atores políticos, que: (a) deve ser identificado e avaliado segundo os desenhos institucionais estabelecidos pelas constituições e leis locais; (b) responde aos mais variados fatores institucionais, políticos, sociais e jurídico-culturais presentes em contextos particulares e em momentos históricos distintos; (c) se manifesta por meio de múltiplas dimensões de práticas decisórias.

A partir disso, há cinco dimensões identificáveis do ativismo judicial: metodológica, processual, estrutural ou horizontal, de direitos e antidialógica.

Segundo Campos,[15] a dimensão metodológica guarda relação com o modo de interpretar e aplicar os dispositivos constitucionais ou legais, expandindo ou reduzindo os significados para além ou aquém dos sentidos mais imediatos e compreensíveis, e, às vezes, até mesmo contra esses sentidos. Nessa hipótese, a Corte não se limita à aplicação passiva de normas preestabelecidas, mas se lança à tarefa de participar ativa e criativamente da construção da ordem jurídica, expandindo, restringindo, corrigindo ou modificando essa mesma ordem. Essa dimensão revela-se, dessa forma, por meio de uma acentuada criação judicial do direito.

O autor[16] esclarece que a dimensão metodológica do ativismo judicial pode ser observada em quatro principais comportamentos decisórios: (i) interpretação e aplicação das normas constitucionais; (ii) interpretação conforme a constituição e declaração de nulidade parcial; (iii) controle da omissão legislativa inconstitucional; (iv) decisões maximalistas. Um exemplo da dimensão metodológica do ativismo judicial é o chamado caso do nepotismo. Na hipótese, o Supremo Tribunal Federal configurou regra normativamente densa, sem intermediação legislativa, e a partir de princípios tão vagos e imprecisos como são os da moralidade e da impessoalidade administrativa.

Campos[17] identifica a dimensão processual pelo alargamento do campo de aplicação e de utilidade dos processos constitucionais postos à disposição do Supremo Tribunal Federal, ampliando as hipóteses de cabimento de ações e recursos, bem como os efeitos das decisões. No caso, a Corte alarga a própria participação na construção da ordem jurídica, por meio da amplificação de instrumentos processuais. Esse comportamento ativista produz efeitos também sobre o espaço de liberdade de atuação das instâncias judiciais inferiores. Exemplo clássico da dimensão processual do ativismo judicial é a reclamação, que surgiu como inovação jurisprudencial do próprio Supremo Tribunal Federal, tendo sido criada para assegurar a autoridade de suas decisões perante as instâncias inferiores, e fundada na ideia de poderes implícitos.[18]

O autor[19] explica que a dimensão estrutural do ativismo judicial não diz respeito ao modo como as cortes interpretam e aplicam a ordem constitucional e infraconstitucional (dimensão metodológica), ou como utilizam os instrumentos de decisão (dimensão processual), mas sim como se comportam diante das decisões prévias dos Poderes Executivo e Legislativo. Mais precisamente, a dimensão estrutural tem a ver com o quanto o Supremo Tribunal Federal interfere nas decisões de outros poderes e como a Corte atua livremente em áreas tradicionalmente reservadas aos demais atores políticos.

Para Campos,[20] nessa dimensão de ativismo judicial, a Corte não está disposta a dar aos outros poderes de governo o benefício da dúvida quanto ao juízo de validade constitucional dos atos sob controle. Essa hipótese envolve de perto a problemática que gira em torno do complicado tema das relações entre Direito e Política. A dificuldade é saber quando realmente há dúvida razoável a respeito do juízo de validade constitucional, ou da complexidade interpretativa inerente ao julgado dos muitos hard cases rotineiramente enfrentados pelas modernas cortes constitucionais. Um caso emblemático em que se manifestou a dimensão estrutural do ativismo judicial é aquele relativo ao controle de constitucionalidade sobre o orçamento público.[21] Na espécie, o Supremo Tribunal Federal definiu que toda lei, mesmo que de efeitos concretos, está sujeita ao controle concentrado e abstrato, inclusive e especificamente as normas orçamentárias.

Tem-se, ainda, o chamado ativismo judicial de direitos.[22] Percebe-se que o Supremo Tribunal Federal tem cumprido papel importante no cenário de afirmação dos direitos fundamentais. Decisões como as que reconheceram o direito ao aborto de feto anencéfalo,[23] ou as que confirmaram a constitucionalidade da pesquisa com células-tronco embrionárias[24] e das ações afirmativas raciais,[25] compõem a essência dessa jurisprudência. Ou seja, a Corte tem sido bastante ativista em desfavor do Estado e a favor da concretização dos direitos fundamentais.

Nessa perspectiva, Campos[26] explica que, repudiando abordagens formalistas e empregando leitura ética dos direitos fundamentais, além de jurídico-constitucional, o Supremo Tribunal Federal tem defendido a precedência da autonomia, da dignidade do indivíduo e da garantia do mínimo existencial sobre os interesses secundários do Estado, avançando posições de liberdade e de igualdade social. Na dimensão negativa (ou de defesa), fundada na liberdade e na dignidade, a Corte interfere nas ações estatais regulatórias, investigatórias e coercitivo-penais; na dimensão positiva (ou prestacional), fundada na igualdade social e na garantia do mínimo existencial, o Supremo Tribunal Federal interfere no dever de legislar, nas políticas públicas e nas decisões alocativas de recursos do Estado.

Finalmente, a última dimensão do ativismo judicial é a antidialógica.[27] Na hipótese, a Corte entende que a interpretação constitucional é tarefa exclusiva sua, e que somente ela tem a última palavra sobre a questão constitucional mais ampla que governa cada caso. Este tipo de ativismo é considerado aprioristicamente ilegítimo, porque desrespeita o espaço dos demais poderes, tornando a atuação do tribunal menos legítima.

Um caso emblemático é o que foi decidido na ADI 2.797/DF.[28] Na hipótese, a maioria do Supremo Tribunal Federal negou a possibilidade de lei ordinária realizar interpretação de dispositivo da Constituição contrária à sua interpretação constitucional anterior. Nas palavras do Ministro Sepúlveda Pertence, referida postura do legislador configura desconcerto institucional, defendendo que razões de alta política institucional são impostas à Corte para repelir a usurpação pelo legislador de sua missão de intérprete final da Lei Fundamental.

Campos[29] entende que postura mais dialógica e, portanto, menos autoritária do Supremo Tribunal Federal, autocompreendendo-se como uma das peças relevantes na construção da ordem jurídica, mas não como único intérprete da Constituição, titular da única palavra sobre os significados constitucionais, responderia a exigências do próprio equilíbrio fundamental entre constitucionalismo e democracia. Assim, o autor repudia posturas de soberania judicial, o que significa dizer que a dimensão antidialógica é a única manifestação aprioristicamente ilegítima de ativismo judicial.

1.2 Critérios de verificação do ativismo judicial

Para Ávila,[30] embora a função típica exercida pelo Poder Judiciário seja a de aplicar e definir o Direito no caso de conflitos interssubjetivos, ou mesmo de confrontação entre as normas infraconstitucionais e a Constituição, o âmbito material da sua atuação não é uniforme. A depender do modo como a Constituição normatizou as matérias e dividiu o exercício do poder entre os três poderes, o âmbito material da atuação do Judiciário pode ser mais expansivo ou mais restrito. Desse modo, para esse autor, o problema do ativismo judicial não pode ser resolvido de forma unificada, como se o âmbito de atuação do Poder Judiciário fosse configurado sempre da mesma maneira.

Assim, Ávila[31] estabelece critérios interssubjetivamente controláveis para averiguar em quais casos a atuação do Poder Judiciário pode ser qualificada como ativista, em vez de simplesmente criticar ou elogiar o exercício da atividade judicial. Para atingir esse objetivo, o autor define, primeiramente, o significado de ativismo judicial. Depois, propõe critérios para sua verificação.

Inicialmente, Ávila[32] afirma que a função típica do Poder Legislativo é a conformação democrática do Direito, por meio de normas gerais e abstratas. Dessa forma, ativismo judicial pode ser entendido como o exercício da atividade judicial que desrespeita, porque desqualifica, a função típica do Poder Legislativo.[33] E essa função pode ser qualificada pelo seu procedimento, pelo seu objeto e pelo seu instrumento.

Ávila[34] explica que, em razão do procedimento, o Poder Legislativo exerce sua função típica por meio do jogo democrático, em que incidem os princípios democrático e da legalidade. O Direito é configurado democraticamente quando os representantes eleitos pelo povo discutem e deliberam, conforme procedimentos e processos previamente determinados. Por isso, existe ativismo judicial quando o Direito não é conformado, em caráter geral, por representantes eleitos pelo povo, e de acordo com procedimentos e processos previamente determinados, mas por juízes que não foram eleitos democraticamente.

O autor[35] esclarece que, em razão do objeto, o Poder Legislativo exerce sua função típica definindo princípios e regras. Essas normas são conformadas democraticamente quando é o Poder Legislativo que as concretiza no âmbito do jogo democrático, com base na sua liberdade de configuração e de fixação de premissas. Portanto, existe ativismo judicial quando o Direito não é conformado material e geralmente pelo Poder Legislativo, mas pelo Poder Judiciário.

Finalmente, Ávila[36] anota que, em razão do instrumento, o Poder Legislativo exerce sua função típica definindo normas gerais e abstratas. Dessa forma, existe ativismo judicial quando a edição de normas gerais e abstratas não é exercida pelo Poder Legislativo, mas pelo Poder Judiciário.

Em razão disso, fica claro que, para o autor,[37] haverá ativismo judicial sempre que o procedimento, o objeto e o instrumento forem desrespeitados, porque desqualificados, por meio da atividade judicial. Em consequência, existe ativismo judicial quando o Poder Legislativo deixa de configurar democraticamente (procedimento) os princípios e as regras constitucionais (objeto) por meio de normas gerais e abstratas (instrumento),[38] e quem passa a fazê-lo é o Poder Judiciário. Poder Judiciário ativista, então, é aquele que exerce a função típica de conformar materialmente o Direito por meio de decisões judiciais que instituem normas gerais e abstratas.

Dito isso, é possível estabelecer critérios de verificação do ativismo judicial, conforme o procedimento, o objeto e o instrumento.

Em relação ao procedimento, Ávila[39] assevera que o legislador tanto pode agir quanto pode se omitir. A atuação do Poder Legislativo, assim, pode variar entre o extremo da configuração material total das normas constitucionais, de acordo com a Constituição, até o extremo da total omissão no exercício dessa tarefa.

Dessa forma, o autor[40] entende que, quanto maior for o grau de participação democrática do legislador no exercício da função de conformar materialmente as normas constitucionais, tanto menor deverá ser o âmbito material de configuração normativa do Poder Judiciário. Se o exercício da função judicial desrespeitar o exercício do poder democrático, haverá ativismo judicial. Se ficar configurada omissão total do legislador no cumprimento do dever de regulamentar determinada matéria garantidora de direitos fundamentais, ou configuradora de princípios, a atuação do Poder Judiciário não será ativista, porque poderá ser qualificada como excepcional. Dessa forma, não haverá desqualificação da função típica do Poder Legislativo, nem sobreposição ao resultado normativo dessa mesma função.

Além disso, Ávila[41] explica que as normas, notadamente as constitucionais, não possuem a mesma densidade material, e nem sempre dizem respeito aos mesmos direitos. Por isso, o âmbito de configuração do legislador não é uniforme. De um lado, algumas normas são mais abertas, possibilitando âmbito maior de conformação ao Poder Legislativo, como são os casos dos princípios, dos conceitos jurídicos indeterminados e das cláusulas gerais. De outro lado, outras normas são mais cerradas, possibilitando espaço menor de conformação ao Poder Legislativo, como são os casos das regras de competência e de procedimento. Assim, a liberdade de configuração atribuída ao legislador irá variar de acordo com o âmbito normativo deixado para sua configuração pela Constituição.

Em consequência, o autor[42] defende que, quanto maior for a densidade normativa das normas constitucionais, menor deverá ser o âmbito material de atuação do Poder Judiciário. Se o exercício da função judicial for incompatível com a abertura normativa deixada pela Constituição, haverá ativismo judicial. Se a Constituição possibilitou ao legislador largo âmbito normativo para sua conformação e ele exerceu de modo adequado a sua liberdade, ainda que não de maneira ideal, a atuação do Poder Judiciário que a desconsiderar será ativista.[43] Isso porque haverá desqualificação da função típica do Poder Legislativo, com a sobreposição do resultado normativo dessa mesma função. Tomem-se como exemplo os direitos sociais. Se ficar comprovado que o legislador exerceu suas prerrogativas, instituindo regras gerais e abstratas, e essas regras tiverem sido integralmente cumpridas pelo Poder Executivo, a decisão do Poder Judiciário que as desconsiderar será caracterizada como ativista.

De outra banda, Ávila[44] esclarece que outras normas dizem respeito a direitos e garantias fundamentais, como é o caso do direito de greve ou do direito à vida. Existem ainda normas que fazem referência a questões diversas, não estritamente fundamentais. A conveniência da participação do Poder Judiciário irá variar de acordo com a importância dos direitos configurados, com a restrição produzida na sua conformação e com a assimetria existente na relação entre os sujeitos envolvidos na sua configuração.

Por isso, o autor[45] enfatiza que, quanto maior for o grau de essencialidade dos direitos atingidos, quanto maior for a sua restrição e quanto maior for a assimetria existente entre os sujeitos envolvidos na sua implantação, maior deverá ser o âmbito material de atuação do Poder Judiciário. Se a questão envolver direito ou garantia fundamental, que é profundamente restringido no âmbito de uma relação jurídica verticalizada, em que uma das partes tem muito mais poder do que a outra, a atividade do Poder Judiciário deverá ser mais expansiva. Veja-se, por exemplo, o Direito Tributário, em que estão presentes restrições severas aos direitos fundamentais de propriedade, de liberdade, de igualdade e de dignidade. Nesse caso, a atuação de bloqueio do Poder Judiciário deverá ser mais extensa.[46]

Nota-se, ainda, a existência de critérios de verificação quanto ao instrumento.

Nesse campo, Ávila[47] destaca que o legislador atua em diferentes tipos de relações. Em algumas, existe nível de igualdade fática importante, enquanto que, em outras, ela é inexpressiva. Sendo assim, a instituição de normas gerais e abstratas é justamente o mecanismo garantidor de igualdade geral, por meio da uniformidade de tratamento.

Por isso, o autor[48] assevera que, quanto maior for o grau de desigualdade, maior deverá ser o âmbito de atuação do Poder Judiciário, no sentido de ajustá-la, ou de examinar os pressupostos para uma diferenciação válida. Se o exercício da função judicial afetar a igualdade geral das regras e a sua uniforme aplicação, haverá ativismo judicial. Em situações em que haja escassez de recursos, aliada ao dever de estabelecimento de políticas públicas, haverá ativismo judicial se a atuação do Poder Judiciário, pelo contínuo e intenso desrespeito às regras gerais aplicáveis, desqualificar a política pública uniformemente instituída pelo Poder Legislativo. O exemplo mais claro diz respeito aos direitos sociais. Nesse caso, as decisões judiciais que reiteradamente afastam o sistema geral podem ser consideradas ativistas, porque o Poder Judiciário inviabiliza, ainda que de forma indireta, os mecanismos de igualdade e justiça instituídos de maneira geral e abstrata pelo Poder Legislativo, e executados integralmente pelo Poder Executivo.

Em síntese, para Ávila,[49] apenas haverá ativismo judicial quando o exercício da atividade judicial comprometer a conformação democrática da Constituição pelo Poder Legislativo, ultrapassar o âmbito normativo por ela reservado ao Poder Judiciário, ou comprometer o sistema de igualdade geral, ainda que em nome da justiça individual. Não se pode, dessa forma, classificar a atuação do Poder Judiciário como ativista simplesmente em razão da sua extensão. Em algumas hipóteses, o maior âmbito material de atuação é imposto pelas normas constitucionais a serem concretizadas, pelos direitos fundamentais porventura restringidos ou pela relação jurídica por meio da qual aquelas normas e esses direitos são configurados. Por isso, somente o exame cuidadoso do procedimento, do objeto e do instrumento relativos ao Poder Legislativo é que permitirá aferir se há ativismo judicial incompatível com a Constituição, ou atuação judicial em âmbito material por ela requerido.

Com essas considerações, finaliza-se a perspectiva conceitual do ativismo judicial. A partir disso, é possível partir para a perspectiva propositiva, estabelecendo se e em quais hipóteses é possível dizer que o ativismo judicial é legítimo e constitucionalmente admissível.

2 Perspectiva propositiva: afinal, em que situações se legitima o ativismo judicial?

2.1 Funções de governo, funções de garantia e controle jurisdicional de políticas públicas

Na visão de Zaneti Jr.,[50] o Poder Judiciário está abarrotado de causas que discutem políticas públicas, sua inexistência ou inefetividade, em razão das graves disfunções políticas que se apresentam na atualidade. O colapso da administração pública em garantir, ordenadamente, a efetivação dos direitos sociais decorreria, na maior parte das vezes, de uma confusão entre a função política de deliberação e a obrigatoriedade jurídica decorrente dos direitos fundamentais previstos na Constituição. E essa disparidade compele os cidadãos, ou as instituições de garantia desses direitos, ao ajuizamento de ações.

Em seu trabalho, o autor[51] pretende demonstrar que o argumento de que a estrutura do Poder Judiciário é relativamente imprópria para determinar ações de obtenção de recursos, planejamento e implementação de políticas públicas é uma autorrestrição inadequada. Para ele, cuida-se de leitura pobre e limitada da função jurisdicional, que permanece vinculada à lei e a conceitos fortes de discricionariedade do administrador, deixando de realizar a atual função de garantia secundária dos direitos fundamentais. Essa função, aliás, seria completada pelo ativismo do ordenamento jurídico brasileiro em matéria de direitos fundamentais.

Zaneti Jr.[52] defende que o Brasil não pode adotar simplesmente o modelo europeu puro de separação dos poderes. O modelo brasileiro é outro, quer por razões históricas (adoção do judicial review estadunidense), quer por razões teóricas (consolidação do novo constitucionalismo). O autor propõe, então, seguir a linha de Ferrajoli de revisão da estrutura atual do dogma da separação dos poderes, para separar claramente as funções de governo e de garantia pelo critério da fonte de legitimidade. Nessa proposta, as funções de governo apresentar-se-iam vinculadas à legitimação representativa (Poderes Executivo e Legislativo), e as funções de garantia, ligadas à garantia dos direitos fundamentais, quer na efetivação de normas materiais, como saúde, educação e moradia – garantia primária – , quer na utilização de instrumentos processuais e instituição de entidades ligadas à efetivação dos direitos fundamentais descumpridos, como Poder Judiciário,[53] Ministério Público e Defensoria Pública – garantia secundária.

Para o autor,[54] a Constituição prevê modelo de Estado, Constituição e Democracia ativista e compartilhado, em que o aparato jurisdicional funcionaria como responsável pela judicial review, por meio de uma justiça de autoridade coordenada para a implementação de políticas públicas definidas pelos direitos fundamentais. Ao mesmo tempo, os direitos fundamentais individuais precisam estar de acordo com os objetivos coletivos, de forma a se obter uma apropriada equação entre o modelo liberal e o modelo comunitarista de democracia. Seria a combinação da promoção de mudanças sociais com os direitos fundamentais individuais, e com a participação dos destinatários dos atos estatais na formação da vontade política.

Além disso, segundo Zaneti Jr.,[55] a Constituição previu deveres fundamentais vinculados às políticas públicas, como a saúde, por exemplo. Essa especial categoria de direitos subjetivos caracteriza-se por ser exercida no interesse e em benefício de terceiros especialmente determinados pela norma e/ou da própria coletividade, desfazendo o círculo individualista dos direitos subjetivos clássicos, voltados unicamente para o interesse do titular. Uma característica desse modelo ativista corresponderia ao fato de que, quando a Constituição faz referência a um direito/dever fundamental, ele seria justicializável.

Prossegue o autor,[56] a respeito do modelo brasileiro de Estado, Constituição e Democracia, afirmando que ele decorre da fusão de duas grandes tradições jurídicas, e de seus consectários modelos de supremacia do direito (Rechtsstaat, État Legal e Rule of Law), e do advento do Estado Democrático Constitucional, densamente marcado pelo constitucionalismo garantista, o qual possuiria três marcos fundamentais: (i) o marco histórico, ocorrido no Brasil em duas ocasiões, na Constituição Republicana de 1891 e a partir de 1988, com a priorização dos direitos fundamentais; (ii) o marco filosófico, pós-positivista, que corresponde à superação, ao mesmo tempo, da lei como única fonte do direito e das diferenças radicais entre moral e direito, reconhecendo-se a indeterminação da norma e o papel do intérprete (distinção entre texto e norma); e, por fim, (iii) o marco teórico, que afirma o papel preponderante da força normativa da Constituição[57] e o reconhecimento dos direitos fundamentais como normas, e engloba desde o controle de constitucionalidade até as novas técnicas de interpretação.

Assim, para Zaneti Jr.,[58] o Estado Democrático Constitucional apresenta, em seu núcleo, os elementos discursivo e participativo, sugerindo a superação dos modelos tradicionais e internalizando o valor participação (democracia) na formação e nos processos discursivos das decisões estatais. Todavia, permanece bastante importante a dimensão normativa do Direito, principalmente dos direitos fundamentais como marcos materiais balizadores dos comportamentos no ordenamento jurídico.

O Estado Democrático Constitucional, na visão do autor,[59] corresponderia ao modelo que consolida: (i) as conquistas liberais (direitos fundamentais de primeira dimensão); (ii) as conquistas decorrentes do surgimento da questão social (direitos fundamentais de segunda dimensão); e (iii) as conquistas da solidariedade e da comunidade (direitos difusos e coletivos). Ademais, esse mesmo Estado entende como fundamental o direito à participação do cidadão, suplantando a dimensão das liberdades políticas dos direitos cívicos clássicos (como, por exemplo, votar e ser votado), de forma a assegurar a participação dos destinatários do ato final de decisão nos atos intermediários de formação dos processos decisórios, bem como o direito de questionar, a posteriori, a decisão tomada nas esferas próprias de competência. Esse Estado adiciona, assim, a quarta dimensão dos direitos fundamentais, correspondente à dimensão da participação na formulação das decisões políticas.

Nesse modelo de Estado, Zaneti Jr.[60] defende que o processo judicial atua como espaço vocacionado à solução e à composição do dissenso natural à democracia, que a agasalha, constrangendo ao diálogo e impedindo a ruptura do tecido social. Assim, o processo, respeitando-se fielmente a garantia do contraditório, possibilita, em determinados casos, a individuação do problema, a definição de seus limites e a identificação das razões dos adversários, resultando em composição (consenso), em solução de compromisso (consenso qualificado), ou em afirmação, pelo direito, da solução conforme para o caso concreto.

Haveria, no entanto, limites formais e/ou materiais para a sindicabilidade judicial das políticas públicas?

Para responder a essa questão, o autor[61] inicia destacando que, tradicionalmente, a doutrina entende que o Poder Judiciário careceria de meios compulsórios para fazer valer sentenças que condenam o Estado a cumprir uma tarefa ou a efetuar uma prestação omitida. No ponto, não haveria instrumentos jurídicos para constranger o legislador a cumprir a obrigação de legislar, por exemplo. Porém, segundo o autor, essa orientação deve ser tomada com reservas, e sua validade decorre apenas dos casos normais, quando não há disfunção política, a qual autorize órgão jurisdicional a exercer seu papel de moderador no sistema de freios e contrapesos da Constituição.

Zaneti Jr.[62] esclarece que uma primeira premissa é a identificação dessa disfunção política dos Poderes Executivo e Legislativo, que corresponderia a um desvio do natural no curso do interesse público, a uma fuga do dever-poder atribuído aos representantes do povo brasileiro e decorrente do projeto constitucional de sociedade, a uma ultrapassagem das margens de configuração do Direito que são naturais tanto à democracia civil quanto à democracia política.

De acordo com o autor,[63] é possível dizer que há prioridade do Poder Legislativo em face do Poder Executivo, resultante do princípio da legalidade. Assim, uma vez que o legislador definiu a política pública, cabe ao administrador simplesmente executar, e aos juízes simplesmente sancionar essa inexecução por meio da interpretação e da aplicação do Direito. A disfunção, assim, residiria no rompimento da legalidade, o que permitiria o controle jurisdicional.[64]

Alerta Zaneti Jr.,[65] entretanto, que, nas democracias modernas, existe margem de discricionariedade e deliberação quanto às questões políticas. Abdicar dessa margem, em síntese, seria abandonar a vertente atual do Estado Democrático Constitucional para permitir a sua superação por um modelo de implementação judicial de soluções de problemas. A tarefa, dessa forma, não deve e não pode depender somente dos juízes, postura inadmissível, indefensável.

De todo modo, o autor[66] assevera que o dogma da separação dos poderes, como regra limitadora do controle judicial de políticas públicas, não encontra mais guarida na doutrina e na jurisprudência modernas.[67] Isso porque todo poder é uno no Estado e emana do povo, com a distribuição das funções pelos diversos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Fala-se apenas em funções típicas e atípicas exercidas em um quadro de normalidade institucional. A ideia de separação rígida tornou-se, com isso, um dos pontos mortos do pensamento político, incompatível com as formas mais adiantadas do progresso democrático contemporâneo.

Ocorrendo, portanto, disfunção política no uso das atribuições de cada poder, afirma Zaneti Jr.,[68] poderá a questão ser submetida ao controle jurisdicional, que possuiria a última palavra em matéria de aplicação do Direito. Por isso, não há falar em intromissão dos juízes em questões políticas. O processo judicial, no contexto atual, seria uma abertura para a democracia, havendo de ser a finalidade do Direito como um todo. Nesse panorama, os direitos fundamentais e o processo judicial são inseparáveis. Dessa forma, a atuação dos juízes brasileiros em políticas públicas seria necessária para a completude deôntica do modelo garantista, nos casos de omissão ou inconstitucionalidade dos demais atores políticos. O problema do ativismo judicial, para o autor, seria um falso problema, o qual teria sido plantado pelo dogma positivista da legalidade.

Na visão de Zaneti Jr.,[69] o Poder Judiciário brasileiro é histórica e dogmaticamente responsável pela harmonia e pelo equilíbrio dos Poderes Legislativo e Executivo. Assim, não faria sentido falar de uma limitação de sua legitimidade em função de os juízes não serem eleitos. Primeiro, porque a legitimidade do Poder Judiciário decorre da força normativa da Constituição e das leis. Segundo, porque o órgão jurisdicional é inerte, necessitando sempre de um ente legitimado que lhe provoque a atuação.

Para o autor,[70] o Poder Judiciário brasileiro constitui, dessa forma, função de garantia secundária, voltada a colmatar, em especial, as lacunas contingenciais, aplicando a norma constitucional ao caso concreto. Consolida-se, assim, a percepção de que ao Poder Judiciário cabe uma positiva criação do Direito na implementação de políticas públicas criadas pela Constituição e pelas leis.

Nada obstante, ressalta Zaneti Jr.[71] que, caso exista determinada política pública, já em execução de modo eficiente pelo Poder Executivo, os juízes deverão considerá-la no momento de sua intervenção, respeitando a esfera de liberdade de conformação do legislador e do administrador.[72] Portanto, a ponderação do Poder Judiciário é importante nessa situação, não só do ponto de vista material – isto é, da necessidade e da possibilidade de a questão ser atendida, mesmo que por outra via –, como também do ponto de vista formal – o chamado princípio democrático ou formal, de respeito interinstitucional.

Nesse caso, o autor[73] esclarece que os juízes não agem de forma autoritária, porque, havendo o exercício adequado das funções atribuídas a cada poder, a sua intervenção será despicienda, carecendo de força jurídica. Por isso, invocando o sistema de freios e contrapesos, os três poderes devem respeitar as preferências das demais instituições legitimadas constitucionalmente para a tomada das decisões.

Portanto, conclui-se que, em uma primeira perspectiva propositiva, o ativismo judicial se legitima nos casos em que haja uma disfunção política, autorizando-se a intervenção do Poder Judiciário no controle e na execução de políticas públicas. Nesse caso, agindo como função de garantia secundária, segundo o modelo garantista de Estado Democrático Constitucional, a atuação dos juízes não seria apenas possível, como também determinada pela Constituição e pelo ordenamento jurídico brasileiro.

2.2 Contramajoritário, representativo e iluminista: reflexão crítica sobre os três papéis das cortes constitucionais

De acordo com Barroso,[74] a missão institucional das cortes constitucionais é fazer valer a Constituição diante de ameaças oferecidas pelos Poderes Legislativo e Executivo. A situação mais banal ocorre quando algum ato do legislador é questionado em face da Constituição. Na grande maioria dessas situações, ao exercer o controle de constitucionalidade, as cortes constitucionais julgam improcedente o pedido, estabelecendo a constitucionalidade do ato praticado pelo Poder Legislativo. Como resultado, apenas uma pequena quantidade de leis é declarada inconstitucional.

De toda sorte, o autor[75] esclarece que, quando as cortes constitucionais interferem nos atos praticados pelos outros poderes, elas desempenham, fundamentalmente, três papéis: (i) contramajoritário; (ii) representativo; e (iii) iluminista.

Para Barroso,[76] o papel contramajoritário diz respeito à competência das cortes constitucionais de controlar a constitucionalidade dos atos dos Poderes Legislativo e Executivo, podendo invalidar normas por eles aprovadas. O marco inicial desse papel é a decisão da Suprema Corte estadunidense em Marbury v. Madison (1803).[77] De acordo com esse papel, os juízes, que não foram eleitos pelo povo, podem fazer valer sua interpretação da Constituição em face daquela realizada por agentes políticos investidos de mandato representativo e legitimidade democrática.

Esclarece o autor[78] que o papel contramajoritário é praticamente aceito universalmente. A maior parte dos países confere às cortes constitucionais o poder de frear qualquer risco de tirania da maioria, evitando-se a deturpação do processo democrático ou a opressão das minorias. Existe razoável consenso de que a democracia é mais do que apenas a ideia de governo da maioria, exigindo a incorporação de outros valores fundamentais, como o direito de cada indivíduo a igual respeito e consideração.

Barroso[79] afirma que o papel contramajoritário é, normalmente, exercido com parcimônia. Em regra, as cortes constitucionais são deferentes em favor da liberdade de conformação do Poder Legislativo. Portanto, tudo leva a crer que a invalidação de atos emanados dos Poderes Legislativo e Executivo é a exceção, e não a regra.

Em relação ao papel representativo, o autor[80] assevera que o Poder Legislativo nem sempre expressa o sentimento da maioria da população. Haveria certo consenso, não somente no Brasil, mas no mundo contemporâneo em geral, acerca da crise de legitimidade dos Parlamentos e das dificuldades da representação política. Ceticismo, indiferença e insatisfação assinalam a relação da sociedade civil com a atual classe política. Verifica-se, assim, que, em nações em que o voto não é obrigatório, os índices de abstenção revelam o desinteresse geral da população com o processo eleitoral. Por outro lado, em países de voto obrigatório, um percentual muito baixo de eleitores recorda-se em quem votou nas últimas eleições parlamentares. Ademais, existem problemas relacionados a falhas do sistema eleitoral partidário, às minorias partidárias, as quais funcionam como veto players, obstruindo o processamento da vontade da própria maioria parlamentar, e à captura eventual por interesses especiais. Tem-se, assim, um quadro geral que aponta para o déficit democrático da representação política.

Barroso[81] entende que todo esse panorama de crise gerou, como consequência, uma expansão do Poder Judiciário, em geral, e das cortes constitucionais, em particular. Em determinadas situações, essas cortes são mais representativas dos anseios e das demandas sociais do que a classe política tradicional. É possível elencar algumas razões para que isso ocorra, tais como o recrutamento de juízes por concurso público, com ênfase na qualificação técnica; a vitaliciedade, que torna os juízes infensos às circunstâncias de curto prazo da política eleitoral; o princípio dispositivo, que faz com que os juízes não atuem por iniciativa própria, mas dependam de provocação e estejam adstritos ao pedido formulado pela parte; e a necessidade de motivação das decisões judiciais, no sentido de que, para serem válidas, nunca poderão ser ato de pura vontade discricionária.

O autor,[82] então, destaca que esse papel representativo pode ser observado em algumas decisões do Supremo Tribunal Federal. Esses julgados, apesar de não terem sido acolhidos na política majoritária, obtiveram, à época, apoio maciço da maioria da população. Exemplo: proibição de nepotismo em qualquer esfera da administração pública.[83] A decisão contou com apoio popular, e representou mudança que poderia ter sido promovida no âmbito da política majoritária, mas não o foi.

Em relação ao papel iluminista, Barroso[84] inicia esclarecendo que as cortes constitucionais o desempenham ocasionalmente. Cuida-se, na visão do autor, de competência perigosa, a ser exercida com grande cautela, em razão do risco democrático que representa, e para que as cortes constitucionais não se transformem em instâncias hegemônicas. No decorrer do processo histórico, alguns avanços imprescindíveis tiveram de ser feitos, em nome da razão, contra o senso comum, as leis vigentes e a vontade majoritária da sociedade. Exemplo: a proteção de negros, mulheres e homossexuais nem sempre pôde ser feita adequadamente pelos mecanismos tradicionais de canalização de reivindicações sociais. Por isso, é necessário que as cortes constitucionais desempenhem, com parcimônia, este papel.

Na doutrina de Barroso,[85] o termo iluminista é empregado no sentido de uma razão humanista que conduz o processo civilizatório e empurra a história na direção do progresso social e da libertação da humanidade. A razão iluminista guarda relação com o pluralismo e com a tolerância, e é aquela que se impõe apenas para derrotar as superstições e os preconceitos, com o objetivo de assegurar o pleno exercício da dignidade humana. Ao desempenhar seu papel iluminista, as cortes constitucionais não impõem valores, mas asseguram que cada pessoa possa viver os seus, professando suas ideias com liberdade, tendo por limite o respeito às convicções dos demais.

Para o autor,[86] o Supremo Tribunal Federal proferiu diversas decisões que podem ser consideradas iluministas. Nessas situações, a corte constitucional decidiu em desacordo com a visão dominante na população e no Poder Legislativo, marcadamente conservador. Talvez o melhor exemplo seja a decisão que reconheceu a constitucionalidade da união civil entre homossexuais. Naquele caso, a Suprema Corte reconheceu as uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, estendendo-lhes a proteção jurídica relativa às uniões estáveis heteroafetivas, com base no direito à não discriminação em razão do sexo e na proteção constitucional conferida à família.[87]

Esses seriam, em linhas gerais, os três papéis desempenhados pelas modernas cortes constitucionais, de acordo com Barroso. Como se vê, o tema guarda estreita relação com o ativismo judicial, porque referidos papéis – contramajoritário, representativo e iluminista – representam, ao final, expansão do poder político das cortes constitucionais em face dos Poderes Legislativo e Executivo.

Todavia, essa doutrina não é infensa a críticas. Ao contrário, há quem entenda que essa interpretação do papel do Poder Judiciário afronta a Constituição e possui sérias consequências para a segurança jurídica e a liberdade individual. A seguir, com base nas lições de Ávila,[88] o artigo traz reflexões críticas sobre a teoria dos três papéis das cortes constitucionais. Evidentemente, a intenção não é encerrar a discussão, mas fomentar o debate a respeito de tema tão importante para as democracias contemporâneas.

Para Ávila,[89] a forma com que alguns juízes interpretam dispositivos e aplicam as normas constitucionais altera a estrutura normativa, os significados e as consequências jurídicas escolhidos pela própria Constituição. Quando a liberdade individual é violada de modo pontual, ostensivo, drástico e grosseiro, essa violação é imediatamente percebida por quem a sofre e por quem a presencia. Entretanto, quando a liberdade individual é transgredida de maneira difusa, oculta, suave e sutil, nem sempre referida violação é, desde logo, notada por quem a experimenta e por quem a vislumbra. Assim, por exemplo, quando o sujeito exerce seus direitos fundamentais acreditando que as garantias constitucionais a eles inerentes serão futuramente respeitadas pelas autoridades, mas sua força normativa é flexibilizada pela corte constitucional, há igualmente flagrante violação da liberdade individual, a qual deve ser pronta e eficazmente restabelecida. Por isso, percebe-se que esse tipo de interpretação da Constituição afeta não apenas os destinatários das normas constitucionais, mas também todos aqueles comprometidos de fato com a estabilidade, a determinação e a previsibilidade do Direito.[90]

Segundo o autor,[91] os fundamentos do Estado Constitucional são, precisamente, a dignidade humana, a liberdade, o Estado de Direito, a democracia, a separação dos poderes e os direitos fundamentais. Entretanto, Ávila[92] aponta os obstáculos à efetividade da liberdade no Estado Constitucional, a saber: o ceticismo, o particularismo, o consequencialismo, o populismo, o idealismo e o emotivismo. Tais obstáculos podem estar presentes em decisões judiciais, a depender da forma com que a corte constitucional interpreta e aplica os dispositivos constitucionais. A seguir, o trabalho explora o conteúdo de cada um desses obstáculos.

Inicialmente, o autor[93] afirma que o ceticismo corresponde à forma de interpretar as normas constitucionais que pressupõe poderem os dispositivos receber qualquer significado.[94] Pode-se dizer que, ao desconsiderar o fato de que as palavras e as expressões empregadas pelo Poder Legislativo são carregadas de significado, essa teoria está equivocada. Além disso, ao operar dessa forma, o julgador impede que o cidadão possa exercer plenamente sua liberdade, porque ele é surpreendido com a criação de um significado com o qual não podia contar no momento em que agiu.

No caso do particularismo, Ávila[95] explica que se trata do modelo aplicativo de normas que impõe flexibilidade ao processo interpretativo mediante a abertura de exceções pelo próprio aplicador. Todavia, inexistem critérios objetivos e não se pode verificar o impacto que a interpretação acarretará para a segurança do sistema jurídico. Ao desconsiderar as consequências previstas pelo Poder Legislativo, referido modelo aplicativo de normas surpreende o cidadão com a aplicação de consequências com as quais não podia contar no momento em que agiu. Por isso, há flagrante violação da sua liberdade individual.

Na visão do autor,[96] ocorre o consequencialismo quando o intérprete utiliza estratégia argumentativa em que o conteúdo ou a força do Direito é ajustado conforme as consequências práticas que o aplicador pretende evitar ou promover. Nessa situação, como são substituídos a estrutura normativa, o significado ou a consequência que o Poder Legislativo havia escolhido por uma estrutura normativa, um significado ou uma consequência que a própria corte constitucional elege, em razão das consequências que quer evitar ou promover, também há violação direta e frontal da liberdade individual.

O quarto obstáculo à efetivação da liberdade individual, de acordo com Ávila,[97] é o populismo. Nessa hipótese, o aplicador emprega estratégia argumentativa em que o conteúdo ou a força do Direito é delimitado conforme o sentimento social. Dado que ocorre a modificação da estrutura normativa, do significado ou da consequência que o Poder Legislativo havia escolhido por uma estrutura normativa, um significado ou uma consequência que o próprio juiz escolhe em razão do sentimento social, a que tenciona agradar ou desagradar, tem-se, igualmente, violação da liberdade individual. Isso porque referido sentimento social leva a corte constitucional a deixar de desempenhar, com imparcialidade, a função de guarda da Constituição, e ela passa a realizar, com parcialidade, a função de guarda da vontade publicada na grande mídia e nas redes sociais. Além disso, verifica-se que o chamado sentimento social não pode ser objetivamente aferido, além de não necessariamente corresponder à vontade do povo manifestada por seus representantes.

O autor[98] explica que o idealismo também se manifesta por meio de estratégia argumentativa do julgador. Nesse caso, o intérprete conforma o conteúdo ou a força do Direito conforme o modelo ideal de ordenamento jurídico que quer copiar ou do qual deseja se aproximar. Entretanto, o que se percebe é que esse tipo de interpretação desconsidera as particularidades da Constituição local, e, por arrastamento, as estruturas normativas, os significados e as consequências que o Poder Legislativo concretamente escolheu. Dessa forma, o cidadão é surpreendido com estruturas normativas, significados e consequências com as quais não podia contar quando agiu.

Finalmente, para Ávila,[99] no emotivismo, o intérprete utiliza linguagem dotada de elevada carga conotativa e empregada com a finalidade de persuadir seus destinatários, neles provocando emoções.[100] Essa estratégia argumentativa, no entanto, não tem nada a dizer em relação à correção ou não da interpretação em face da Constituição, exatamente porque o suporte constitucional não depende do impacto emocional que a linguagem causa no seu destinatário. Somente se pode dizer que a interpretação realizada pelo julgador é adequada se for possível encontrar, na decisão, um discurso logicamente articulado, analiticamente fundamentado e consistente e coerentemente baseado na estrutura normativa, nos significados e nas consequências previstas na Constituição. Do contrário, cuida-se de mera retórica argumentativa.

Finaliza o autor,[101] então, afirmando que a força normativa da Constituição depende, necessariamente, de o julgador atuar com independência e imparcialidade, isto é, com real e concreto respeito às regras do jogo exprimidas pelas estruturas normativas, pelos significados e pelas consequências estabelecidas pelo texto constitucional, independentemente de a decisão ser popular ou impopular. Ao contrário, a interpretação que contenha algum dos vícios acima listados transforma o Direito em moral, o julgador em legislador e o discurso jurídico em simples meio de expressão de emoções pessoais. Além disso, tem-se severo comprometimento da liberdade individual, porque o cidadão é impedido de, com base no Direito, plasmar seu presente, e, com autonomia e independência, sem engano ou injustificada surpresa, planejar o futuro.

Vê-se, portanto, que as críticas não são poucas. Os chamados obstáculos à efetivação da liberdade são riscos reais e concretos, podendo ser observados diuturnamente em decisões judiciais. No entanto, também é possível dizer que, diante dos graves problemas enfrentados pelos Poderes Executivo e Legislativo contemporâneos, incapazes de entregar as promessas da modernidade – concretizar, de forma justa e efetiva, direitos fundamentais de segunda dimensão, ligados à igualdade –, expandiu-se, justificadamente, o poder político exercido pelo Poder Judiciário. De fato, parece que a visão tradicional a respeito do papel dos juízes não mais se encaixa no mundo contemporâneo, o que demanda investigação séria e profunda sobre esses temas.

Entende-se que se deve perseverar em busca do equilíbrio. O debate, longe de estar encerrado, precisa continuar. É preciso continuar a reflexão crítica sobre o papel do Poder Judiciário nas democracias modernas, a fim de delimitar, com precisão, quando sua atuação é indevida, e quando ela é requerida pela própria Constituição. Como pano de fundo, insiste-se na promoção e na efetivação dos direitos fundamentais, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária.

Considerações finais

A título de considerações finais, pode-se dizer que a origem da expressão ativismo judicial remonta ao trabalho de Arthur Schlesinger Jr., que estabeleceu o conceito em contraposição à autorrestrição judicial. Assim, os juízes ativistas substituem a vontade do Poder Legislativo pela própria, porque acreditam que devem atuar ativamente na promoção das liberdades civis e dos direitos das minorias, dos destituídos e dos indefesos. Por outro lado, para os juízes autorrestritivos, a Suprema Corte não deve intervir no campo da política, e sim agir com deferência à vontade do Poder Legislativo.

Na perspectiva multidimensional, o ativismo judicial tem mais a ver com a expansão do poder político de juízes e cortes do que com a correção de mérito das suas decisões. Ademais, o ativismo judicial é fenômeno que se manifesta por diversas dimensões, conforme determinados contextos e variáveis, não podendo ser qualificado, ex ante, como legítimo ou ilegítimo.

O ativismo judicial também pode ser definido como o exercício da atividade judicial que desrespeita, porque descaracteriza, a função típica do legislador. Além disso, há três critérios de verificação do ativismo judicial: procedimento, objeto e instrumento. Em consequência, existe ativismo judicial quando o legislador deixa de configurar democraticamente (procedimento) os princípios e as regras constitucionais (objeto) por meio de normas gerais e abstratas (instrumento), e quem passa a fazê-lo são os juízes.

Na perspectiva propositiva, verifica-se que as funções exercidas pelos poderes se dividem em funções de governo e funções de garantia, conforme sua legitimidade decorra da representação política ou do Direito. Assim, os poderes exercem sua legitimidade ou a partir da representação popular (Executivo ou Legislativo), ou a partir da Constituição e das leis (Judiciário e demais instituições de garantia dos direitos fundamentais, como o Ministério Público). Diferenciam-se, dessa forma, as funções de governo e as funções de garantia, sendo que estas atuam como funções contramajoritárias, assegurando os limites e os vínculos decorrentes do modelo constitucional garantista.

A atuação dos juízes brasileiros em matéria de políticas públicas é necessária, nos casos de omissão ou inconstitucionalidade dos demais poderes. O Poder Judiciário constitui, dessa forma, função de garantia secundária, cabendo a ele positiva criação do Direito na implementação de políticas públicas criadas pela Constituição e pelas leis.

As modernas cortes constitucionais desempenham três papéis nas democracias contemporâneas: contramajoritário (controlar a constitucionalidade dos atos dos demais poderes, podendo invalidar normas aprovadas pelo Parlamento), representativo (representar os anseios e certas demandas sociais) e iluminista (atuação como agente transformador da história, em certos contextos determinados e específicos). Nada obstante, existem críticas a essas formulações, especialmente ao papel iluminista, porque podem resultar em violações difusas, ocultas, suaves e sutis aos direitos de liberdade, perpetradas por meio da interpretação de dispositivos e da aplicação de normas constitucionais (vícios interpretativos como o ceticismo, o particularismo, o consequencialismo, o populismo, o idealismo e o emotivismo).

Portanto, é preciso perseverar na busca de um equilíbrio entre o ativismo judicial requerido pela Constituição, para efetivação dos direitos e das garantias fundamentais, e o ativismo judicial indesejado, em que o Poder Judiciário descaracteriza as funções típicas dos outros poderes, por meio de interpretação e aplicação da Constituição que viola a liberdade individual dos cidadãos.

 


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Notas

[1] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF (2014). Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 41.

[2] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 41-42.

[3] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 42.

[4] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 42.

[5] SCHLESINGER JR., Arthur (1917-2007). The Supreme Court: 1947 (1947). Fortune, v. 35 (1), p. 73-212, 1947.

[6] SCHLESINGER JR., Arthur (1917-2007). Idem, p. 73.

[7] SCHLESINGER JR., Arthur (1917-2007). Idem, p. 75-77.

[8] Hugo Lafayette Black (1886-1971) foi um advogado, político e jurista estadunidense. Atuou como senador, pelo Estado do Alabama, entre 1927 e 1937 e como Justice entre 1937 e 1971. Black era membro do Partido Democrata e árduo defensor do New Deal, tendo apoiado Franklin Delano Roosevelt nas eleições presidenciais de 1932 e 1936. Após ter obtido reputação de reformista no Senado, Black foi indicado por Roosevelt para a Suprema Corte. Mais informações em https://en.wikipedia.org/wiki/Hugo_Black. Acesso em: 13 set. 2019.

[9] Felix Frankfurter (1882-1965) foi um advogado, professor e jurista austro-americano. Nascido em Viena, Frankfurter emigrou para os Estados Unidos com 12 anos, tendo fixado residência em Nova Iorque. Depois da Primeira Guerra Mundial, atuando como professor em Harvard, Frankfurter tornou-se amigo e conselheiro do Presidente Franklin Delano Roosevelt. Com a morte de Benjamin Cardozo, Roosevelt indicou Frankfurter para a Suprema Corte, tendo atuado como Justice entre 1939 e 1962. Mais informações em https://en.wikipedia.org/wiki/Felix_Frankfurter. Acesso em: 13 set. 2019.

[10] SCHLESINGER JR., Arthur (1917-2007). Idem, p. 202-204.

[11] SCHLESINGER JR., Arthur (1917-2007). Idem, p. 208 e 212.

[12] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 151.

[13] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 164-165.

[14] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 164.

[15] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 276-305.

[16] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 277.

[17] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 305-314.

[18] Segundo Mendes e Branco, a reclamação foi adotada pelo Regimento Interno do STF em 2 de outubro de 1957, com base no art. 97, II, da Constituição de 1946. Naquele momento, aprovou-se proposta dos Ministros Lafayette de Andrada e Ribeiro da Costa, para incluir o instituto na normativa interna do Supremo, em seu Título II, Capítulo V-A, intitulado “Da reclamação”. MENDES, Gilmar Ferreira (1955- ); BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional (2007). 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.351.

[19] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 314-322.

[20] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 316.

[21] ADI 2.925, relator(a): Min. Ellen Gracie, relator(a) p/ acórdão: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 19.12.2003, DJ 04.03.2005, PP-00010, Ement. VOL-02182-01, PP-00112, LEXSTF v. 27, n. 316, 2005, p. 52-96.

[22] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 322-332.

[23] ADPF 54, relator(a): Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 12.04.2012, acórdão eletrônico, DJe-080 divulg. 29.04.2013, public. 30.04.2013, RTJ VOL-00226-01, PP-00011.

[24] ADI 3.510, relator(a): Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 29.05.2008, DJe-096 divulg. 27.05.2010, public. 28.05.2010, Ement. VOL-02403-01, PP-00134, RTJ VOL-00214-01, PP-00043.

[25] RE 597.285, relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 09.05.2012, acórdão eletrônico, Repercussão Geral – Mérito, DJe-053 divulg. 17.03.2014, public. 18.03.2014.

[26] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 323.

[27] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Idem, p. 332-338.

[28] ADI 2.797, relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 15.09.2005, DJ 19.12.2006 PP-00037, Ement. VOL-02261-02, PP-00250.

[29] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF (2014). Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 305-314, 337-338.

[30] ÁVILA, Humberto (1970- ). Ativismo judicial e Direito Tributário (2011). In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do Direito Tributário (2011). 15 v. São Paulo: Dialética, 2011. p. 150.

[31] ÁVILA, Humberto (1970- ). Idem, p. 151-159.

[32] ÁVILA, Humberto (1970- ). Idem, p. 150.

[33] Ramos fala em ultrapassagem das linhas que limitam a função jurisdicional, em detrimento das funções legislativas e executivas. Assim, ativismo judicial indesejado corresponderia à incursão insidiosa do Poder Judiciário sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas aos Poderes Legislativo e Judiciário. RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos (2010). São Paulo: Saraiva, 2010. p. 116-117.

[34] ÁVILA, Humberto (1970- ). Ativismo judicial e Direito Tributário (2011). Idem, p. 151.

[35] ÁVILA, Humberto (1970- ). Idem, p. 151.

[36] ÁVILA, Humberto (1970- ). Idem, p. 151.

[37] ÁVILA, Humberto (1970- ). Idem, p. 151.

[38] Escrevendo sobre a realização do valor segurança jurídica, o próprio Ávila, em outro texto, trabalha a ideia de respeito às regras como forma de realização da justiça geral. Para ele, as regras configuram meios utilizados pelo legislador para, de um lado, eliminar ou reduzir a controvérsia, a incerteza e a arbitrariedade, e, de outro, evitar problemas de coordenação, de deliberação e de conhecimento existentes em determinada decisão. Dessa forma, as regras realizam a justiça geral, razão pela qual a decisão judicial que descaracteriza a função típica do Poder Legislativo, em razão do seu instrumento – instituição de normas gerais e abstratas –, compromete não só a segurança jurídica, mas também a própria noção de igualdade perante a lei. ÁVILA, Humberto (1970- ). Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos (2003). 9. ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2009. p. 118-119.

[39] ÁVILA, Humberto (1970- ). Ativismo judicial e Direito Tributário (2011). Idem, p. 152.

[40] ÁVILA, Humberto (1970- ). Idem, p. 152.

[41] ÁVILA, Humberto (1970- ). Idem, p. 152-154.

[42] ÁVILA, Humberto (1970- ). Idem, p. 152-154.

[43] Para Ávila, uma das formas de desprezar a atuação do Poder Legislativo, nesses casos, é saltar ao plano constitucional mesmo nas hipóteses em que há regras infraconstitucionais não inequivocamente contrárias à Constituição, quer sob a alegação de que elas não representam o meio mais adequado para otimizar princípios constitucionais, quer sob o argumento de que toda regra infraconstitucional deve ser sustentada pela ponderação entre princípios constitucionais colidentes. ÁVILA, Humberto (1970- ). “Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência” (2009). Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 17, jan./fev./mar. 2009. Disponível em: https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/836/595. Acesso em: 13 set. 2019.

[44] ÁVILA, Humberto (1970- ). Ativismo judicial e Direito Tributário (2011). Idem, p. 152-154.

[45] ÁVILA, Humberto (1970- ). Idem, p. 152-154.

[46] Ávila trabalha exaustivamente esta ideia no âmbito do Direito Tributário. A respeito do princípio da igualdade em matéria tributária, por exemplo, o autor afirma que, no caso de critérios especiais de tributação, embora o princípio da liberdade de concorrência possa justificar a restrição ao princípio do livre exercício da atividade econômica, a restrição deve observar os limites impostos pela razoabilidade e pela proporcionalidade. Assim, deve haver motivo razoável para a desigualdade de tratamento, e a medida que instituir o critério especial deverá ser adequada, necessária e proporcional à realização do objetivo de prevenir e reprimir desequilíbrios de concorrência. Nesses casos, para Ávila, a atuação do Poder Judiciário deve ser criteriosa, para frear eventual afronta ao direito fundamental à igualdade. ÁVILA, Humberto (1970- ). Sistema constitucional tributário (2000). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 342.

[47] ÁVILA, Humberto (1970- ). Ativismo judicial e Direito Tributário (2011). Idem, p. 154-155.

[48] ÁVILA, Humberto (1970- ). Idem, p. 154-155.

[49] ÁVILA, Humberto (1970- ). Idem, p. 150-159.

[50] ZANETI JR., Hermes (1973- ). O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes (2014). 4. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 206.

[51] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 206.

[52] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 206-207.

[53] A respeito do Poder Judiciário especificamente, Ferrajoli esclarece que a jurisdição possui duas fontes de legitimação, uma formal e outra material. A fonte de legitimação formal é aquela que vem assegurada pelo princípio da legalidade e pela sujeição do juiz à lei. Por outro lado, a fonte de legitimação material é aquela que atribui à função judicial a sua capacidade de tutela ou garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos. Nenhuma dessas fontes pode ser sacrificada sem graves desequilíbrios institucionais e sem perigos para a salvaguarda do papel da jurisdição. De outro lado, a segunda fonte jamais pode ser satisfeita se falta completamente a primeira. FERRAJOLI, Luigi (1940- ). Derecho y razón: teoría del garantismo penal (1990). 5. ed. Madrid: Trotta. p. 918.

[54] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 207-208.

[55] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 209.

[56] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 214.

[57] A ideia de força normativa da Constituição popularizou-se, no direito brasileiro, por meio da obra de Hesse. Contrapondo-se às concepções de Lassalle, para quem a Constituição seria apenas um pedaço de papel, Hesse defende, ao contrário, que ela se sobrepõe aos fatores reais de poder. Mesmo em caso de eventual confronto entre estes e a Constituição, ela possui pressupostos realizáveis, os quais permitem assegurar sua força normativa. Assim, o Direito somente se transformaria em poder caso tais pressupostos não pudessem, por alguma razão, ser satisfeitos. Não ocorrendo essa situação, deve-se fazer valer a vontade da Constituição em detrimento da vontade de poder. HESSE, Konrad (1919-2005). A força normativa da Constituição (1959). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 9-34.

[58] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 214-215.

[59] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 215-216.

[60] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 217.

[61] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 219-220.

[62] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 220.

[63] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 220.

[64] Cambi defende um ativismo judicial responsável, comprometido com a implementação dos direitos fundamentais e com a guarda da Constituição, mas, ao mesmo tempo, ciente das limitações institucionais e técnicas intrínsecas ao Poder Judiciário e à necessidade de respeito aos demais poderes e de fundamentação das decisões judiciais. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 312.

[65] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 220-221.

[66] Idem, 221-223.

[67] O próprio Zaneti Jr. cita como exemplo decisão monocrática, proferida pelo Ministro Celso de Mello na ADPF 45 MC/DF, em que foi enfrentado o problema da reserva do possível. Naquela ocasião, pontuou o ministro que “os condicionamentos impostos, pela cláusula da ‘reserva do possível’, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre onerosa – traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do poder público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico –, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado”. ADPF 45 MC, relator(a): Min. Celso de Mello, julgado em 29.04.2004, publicado em DJ 04.05.2004, PP-00012, RTJ VOL-00200-01, PP-00191.

[68] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 223.

[69] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 226.

[70] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 227.

[71] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 233.

[72] Dissertando a respeito da discricionariedade administrativa, Carvalho Filho defende a possibilidade de seu controle judicial. Entretanto, advoga que referido controle não pode ir ao extremo de admitir que o Poder Judiciário se substitua ao administrador. Em outras palavras, na visão do autor, o juiz não pode ingressar no terreno que a lei reservou aos administradores, escrutinando os critérios de conveniência e oportunidade que lhe inspiraram a conduta. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo (1997). 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 54.

[73] ZANETI JR., Hermes (1973- ). Idem, p. 233.

[74] BARROSO, Luís Roberto (1958- ). A judicialização da vida e o papel do Supremo Tribunal Federal (2018). Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 153-154.

[75] BARROSO, Luís Roberto (1958- ). Idem, p. 154-155.

[76] BARROSO, Luís Roberto (1958- ). Idem, p. 155.

[77] Marbury v. Madison, 5 U.S. 137 (1803). No caso concreto, Thomas Jefferson havia derrotado John Adams (que concorria à reeleição) nas eleições presidenciais de 1800. Antes que Jefferson tomasse posse, a qual ocorreria em 4 de março de 1801, Adams e o Congresso aprovaram o Judiciary Act of 1801, o qual criou novas cortes, adicionou novos juízes e deu ao presidente mais controle sobre a indicação de juízes. Em essência, o Judiciary Act of 1801 representou tentativa de Adams, e de seu partido, de frustrar os movimentos de Jefferson, seu sucessor, utilizando a nova lei para indicar 16 novos Circuit Judges – equivalentes aos desembargadores federais brasileiros – e 42 novos juízes de paz. Os indicados foram aprovados pelo Senado, porém só poderiam atuar a partir da sua designação pelo secretário de Estado. William Marbury havia sido indicado como juiz de paz do Distrito de Colúmbia, mas sua designação ainda não havia sido realizada. Marbury, então, levou o caso à Suprema Corte, a fim de compelir o secretário de Estado, James Madison, a entregar os documentos pertinentes. Ao lado de três outros indicados que estavam na mesma situação, Marbury impetrou writ of mandamus postulando a concretização da sua designação. A Suprema Corte, ao analisar o caso, entendeu que a recusa de Madison em realizar a designação era ilegal, mas não determinou que ele o fizesse por meio do writ of mandamus. Ao invés disso, a Corte entendeu que o Judiciary Act of 1789, ao permitir que Marbury levasse o seu caso à Corte, era em si mesmo inconstitucional, porque autorizava a extensão da sua competência para além do que é determinado pelo Artigo III, Seção 2, da Constituição. O Justice Marshall destacou que o writ of mandamus era o meio apropriado para buscar a tutela jurisdicional, mas concluiu que a Corte não tinha competência para fazê-lo. Para ele, o Judiciary Act of 1789 afrontava a Constituição. O Congresso não possui o poder de modificar a Constituição por meio de legislação ordinária, porque a supremacia da Constituição a coloca em posição superior à lei ordinária. Ao elaborar esse raciocínio, Marshall estabeleceu o judicial review, ou seja, a possibilidade de declarar uma lei incompatível com a Constituição. A íntegra da decisão pode ser obtida em https://supreme.justia.com/cases/
federal/us/5/137/
.

[78] BARROSO, Luís Roberto (1958- ). Idem, p. 156.

[79] BARROSO, Luís Roberto (1958- ). Idem, p. 157-158.

[80] BARROSO, Luís Roberto (1958- ). Idem, p. 159-160.

[81] BARROSO, Luís Roberto (1958- ). Idem, p. 160.

[82] BARROSO, Luís Roberto (1958- ). Idem, p. 163.

[83] Súmula Vinculante 13: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”. O verbete foi aprovado na sessão plenária de 21 de agosto de 2008. Os debates entre os ministros podem ser consultados aqui: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/
jurisprudenciaSumulaVinculante/
anexo/SUV_11_12_13__Debates.pdf
.

[84] BARROSO, Luís Roberto (1958- ). Idem, p. 165.

[85] BARROSO, Luís Roberto (1958- ). Idem, p. 166-167.

[86] BARROSO, Luís Roberto (1958- ). Idem, p. 173-174.

[87] ADPF 132, relator(a): Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05.05.2011, DJe-198 divulg. 13.10.2011, public. 14.10.2011, Ement. VOL-02607-01, PP-00001, e ADI 4.277, relator(a): Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05.05.2011, DJe-198 divulg. 13.10.2011, public. 14.10.2011, Ement. VOL-02607-03, PP-00341, RTJ VOL-00219-01, PP-00212.

[88] ÁVILA, Humberto (1970- ). Constituição, liberdade e interpretação (2019). São Paulo: Malheiros, 2019.

[89] ÁVILA, Humberto (1970- ). Constituição, liberdade e interpretação (2019). Idem, p. 7-9.

[90] A noção de que o Estado de Direito possui, como um dos seus valores fundamentais, a previsibilidade é bem explorada por Waldron. Para o autor, a previsibilidade é essencial à liberdade individual, e o Estado de Direito está intimamente ligado à noção de legalidade, um dos elementos fundamentais à construção de uma ordem social justa. Ver WALDRON, Jeremy (1953- ). The Rule of Law in Contemporary Legal Theory (1989). Ratio Juris, v. 2, issue 1, p. 79-96, mar. 1989.

[91] ÁVILA, Humberto (1970- ). Constituição, liberdade e interpretação (2019). Idem, p. 11-30.

[92] ÁVILA, Humberto (1970- ). Constituição, liberdade e interpretação (2019). Idem, p. 31-78.

[93] ÁVILA, Humberto (1970- ). Constituição, liberdade e interpretação (2019). Idem, p. 76-77.

[94] Mello destaca que o ceticismo é uma das teorias realistas da interpretação jurídica, as quais têm como principal referência a concepção de Kelsen, para quem um enunciado normativo do direito positivo é apenas uma moldura (Rahmen) que permite ao seu intérprete dela extrair diversas interpretações, as quais levam a diversas propostas de normas jurídicas. MELLO, Cláudio Ari. Interpretação jurídica e dever de fundamentação das decisões judiciais no novo Código de Processo Civil (2016). Revista de Processo, v. 255, p. 63-90, maio 2016.

[95] ÁVILA, Humberto (1970- ). Constituição, liberdade e interpretação (2019). Idem, p. 77.

[96] ÁVILA, Humberto (1970- ). Constituição, liberdade e interpretação (2019). Idem, p. 77.

[97] ÁVILA, Humberto (1970- ). Constituição, liberdade e interpretação (2019). Idem, p. 77.

[98] ÁVILA, Humberto (1970- ). Constituição, liberdade e interpretação (2019). Idem, p. 77.

[99] ÁVILA, Humberto (1970- ). Constituição, liberdade e interpretação (2019). Idem, p. 78.

[100] Cambi e Margraf destacam que a decisão judicial emotivista relata nada mais do que a expressão da preferência do interlocutor. Nesse caso, é praticamente impossível distinguir o que é verdadeiro do que é falso no discurso, o real da ilusão, bem como o toque sentimental embutido em cada frase escrita. CAMBI, Eduardo; MARGRAF, Alencar Frederico. Verdade real e narrativismo processual (2014). Revista dos Tribunais, v. 948, p. 137-160, out. 2014.

[101] ÁVILA, Humberto (1970- ). Constituição, liberdade e interpretação (2019). Idem, p. 78.

 


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