Direito Hoje | Precaução e prevenção no direito à saúde: âmbitos de incidência e sua aplicação pelo STF
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Bruno Henrique Silva Santos

Juiz Federal, Coordenador do Comitê Executivo de Saúde de Londrina/PR

 

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 Bruno Henrique Silva Santos 

03 de setembro de 2020

Resumo

O estudo traz considerações gerais sobre os princípios da prevenção e da precaução. Trata de suas implicações específicas no direito à saúde, nas mais diversas vertentes. Aborda o princípio da precaução como mecanismo de gestão de riscos. Analisa como o tema vem sendo tratado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Prevenção. Precaução. Princípio. Direito à saúde. Supremo Tribunal Federal.

Abstract

The article brings general considerations about the prevention principle and the precautionary principle. It deals with their specific implications in the right to health, in the most diverse aspects. It addresses the precautionary principle as a risk management mechanism. It analyzes how the subject has been treated by the jurisprudence of the Supreme Court.

Keywords: Prevention. Precautionary principle. Right to health. Supreme Court.

Introdução

O ditado popular segundo o qual “é melhor prevenir do que remediar” é tão antigo como aceito pela sociedade e pela ciência. Os provérbios bíblicos, que estudiosos estimam poder remontar ao segundo milênio antes de Cristo,[1] já diziam que “o ingênuo acredita em tudo o que se diz; o prudente vigia seus passos” (Pr: 14,15) e que “o sábio teme o mal e dele se aparta, mas o insensato que se eleva dá-se por seguro” (Pr: 14,16).

A prudência, que, segundo Pitágoras, “é o olho de todas as virtudes”, caminha ao lado da cautela. Se, mesmo quando há a possibilidade de se remediar, sugere-se a prevenção, essa exortação torna-se imperativa quando não se pode desfazer o mal já ocorrido. Mais do que isso, uma conduta prudente impõe a cautela até mesmo em relação a atos cujas consequências prejudiciais ao indivíduo ou à sociedade são ainda incertas, apesar de possíveis.

Muito além dos âmbitos religioso e filosófico, as noções de prudência e de cautela, bem como a preferência da prevenção sobre a reparação, também permeiam a ciência e o direito. Especificamente em relação ao direito à saúde, que é o objeto deste estudo, as facetas mais concretas dessas ideias são encontradas nos princípios da prevenção e da precaução, que serão adiante detalhados.

Este texto é escrito em um momento em que todo o planeta é assolado por uma pandemia (a da Covid-19) que já dizimou, somente com base em dados oficiais, quase um milhão de vidas em uma velocidade impressionante. Buscando o combate à doença, a ciência opera apressadamente e em meio a incertezas de diversas ordens, seja em relação ao conhecimento do vírus, seja às tecnologias adequadas para sua prevenção, redução ou eliminação. A pressa e as incertezas, quando aliadas, resultam nos riscos dos métodos científicos e sanitários empregados.

Todo esse contexto traz novamente à tona os princípios da prevenção e da precaução, que já haviam ganhado espaço anteriormente, sobretudo na questão ambiental, inclusive ensejando novas reflexões sobre suas definições e seus limites.

O estudo abordará justamente as noções de tais princípios sob a ótica específica do direito à saúde, seus âmbitos de incidência dentro das diversas áreas de atuação do Sistema Único de Saúde e da saúde suplementar e, por fim, a forma pela qual o Supremo Tribunal Federal os vem aplicando em casos paradigmáticos. Com isso, espera-se que a precaução e a prevenção passem, de fato, a ser enxergadas como princípios não apenas científicos, mas também jurídicos norteadores do direito sanitário, inclusive com a discussão sobre a necessidade de aprimoramento ou evolução de seus conceitos.

1 Noções sobre os princípios da prevenção e da precaução

1.1 Considerações gerais

Tanto as ciências naturais como as humanas consideram o dano como algo a ser prioritariamente evitado. Nas palavras de Ferrer e Álvarez,[2] “o mais fundamental na vida moral e o que nos une de maneira mais rigorosa é a obrigação de evitar o mal”. Não sendo possível impedir a sua ocorrência, busca-se como segunda opção a sua reparação.

A respeito da preferência do impedimento da ocorrência do dano sobre a sua reparação, a medicina e a bioética trabalham com o conhecido princípio do primum non nocere (não maleficência), pelo qual se evita, antes de qualquer coisa, causar o mal ao paciente.[3] O direito, por sua feita, permite a tutela jurisdicional inibitória para impedir a prática de ato ilícito independentemente da ocorrência do dano (art. 497, parágrafo único, do Código de Processo Civil).

Com efeito, a primazia da prevenção sobre a reparação do dano justifica-se, em primeiro lugar, pelos inevitáveis prejuízos ou malefícios que ocorrerão no período que permeia a sua ocorrência e a própria reparação. Além do mais, há diversas situações em que é impossível a plena restauração do status quo, como se observa em relação aos danos ambientais ou àqueles que sacrificam a vida ou a integridade física de uma pessoa de maneira irreversível.

Em casos tais, o amparo do Estado sobre esses bens jurídicos, que, além de inerentes à dignidade humana, são de restauração dificílima ou impossível após a sua violação, deve se dar antecipadamente, ou seja, de maneira que evite a própria violação. Reportando-se à jurisprudência da Corte Constitucional alemã, Mendes[4] assevera que o dever de adoção, pelo Estado, de medidas de proteção dos cidadãos ou prevenção em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico está ligado ao “dever de evitar riscos”, que é uma decorrência do princípio da proibição de proteção insuficiente dos direitos fundamentais, sobretudo os sociais.

Sucede que a sociedade moderna evolui de maneira acentuadamente rápida e um tanto desorganizada. Essa evolução vem acompanhada de sensíveis alterações climáticas, ambientais e de saúde pública. Por outro lado, o progresso tecnológico traz consigo não apenas inúmeros benefícios, mas também muitas incertezas científicas, dúvidas em relação às consequências geradas na saúde humana e no meio ambiente e, consequentemente, riscos individuais e sociais. Nesse sentido, observou Beck[5] que:

Na modernidade tardia, a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos. Consequentemente, aos problemas e aos conflitos distributivos da sociedade da escassez sobrepõem-se os problemas e os conflitos surgidos a partir da produção, da definição e da distribuição de riscos científico-tecnologicamente produzidos.

Os riscos trazidos pelo desenvolvimento tecnológico e pela acelerada integração entre os povos disseminam-se de forma invisível, abstrata, e adquirem proporções muitas vezes indetermináveis. Comparando os riscos de antigamente com aqueles hoje presentes na sociedade moderna, Beck[6] assim os distingue:

É de se notar, porém, que as ameaças de então, à diferença das atuais, agastavam somente o nariz ou os olhos, sendo, portanto, sensorialmente perceptíveis, enquanto os riscos civilizatórios atuais tipicamente escapam à percepção, fincando pé sobretudo na esfera das fórmulas físico-químicas (por exemplo, toxinas nos alimentos ou a ameaça nuclear). Uma outra diferença está relacionada a esses casos. Naquela época, elas poderiam ser atribuídas a uma subprovisão de tecnologia higiênica. Hoje, elas têm sua causa numa superprodução industrial.

Prossegue o autor afirmando que os riscos e as ameaças “são um produto de série do maquinário industrial do progresso, sendo sistematicamente agravados com seu desenvolvimento ulterior”.

A maior exposição aos riscos e o fato de eles muitas vezes serem imperceptíveis sensorialmente impõem como contrapartida a necessidade de uma maior atuação do Estado na prevenção contra os próprios riscos e os danos por eles causados. Em outras palavras, os riscos tecnológicos ou científicos devem ser anulados ou no mínimo mitigados mediante uma segurança social proporcionada pelos desenvolvedores de tecnologia e pelo poder público. Mais uma vez nos valendo dos ensinamentos de Beck,[7] “a promessa de segurança avança com os riscos e precisa ser, diante de uma esfera pública alerta e crítica, continuamente reforçada por meio de intervenções cosméticas ou efetivas no desenvolvimento técnico-econômico”.

É nesse cenário que vêm à tona os deveres de prevenção e precaução, que, ao ingressarem no ordenamento jurídico, ganham força de verdadeiros princípios que servem como mecanismos para contrabalançar e afastar, na medida do possível e do desejável, os riscos inerentes ao desenvolvimento de tecnologias e os gravames deles decorrentes à saúde pública. Partindo do pressuposto de que o progresso tecnológico é indissociável da evolução da sociedade, a prevenção dos danos dele resultantes e a precaução contra as incertezas dos riscos gerados objetivam assegurar que o aprimoramento das tecnologias existentes e o surgimento de novas revertam apenas para o bem da sociedade, sem lesar a saúde dos indivíduos que a compõem.

1.2 O princípio da prevenção no direito à saúde

Na ótica do direito sanitário, o princípio da prevenção é aquele segundo o qual se deve buscar com absoluta prioridade evitar um mal à saúde já identificado e passível de ser afastado.

O desenvolvimento científico através dos séculos possibilita a constante identificação de causas e efeitos entre agentes nocivos e das adversidades por eles geradas na saúde humana. O princípio da prevenção estabelece que, sendo conhecida a relação de causalidade entre o agente e o dano, este último deve ser sempre que possível evitado pelo afastamento da própria causa. Dallari e Ventura[8] assim sistematizam as três formas de aplicação do referido princípio:

(...) a primária, que se preocupa com a eliminação das causas e das condições de aparecimento das doenças, agindo sobre o ambiente (segurança nas estradas, saneamento básico, por exemplo) ou sobre o comportamento individual (exercício e dieta, por exemplo); a secundária ou prevenção específica, que busca impedir o aparecimento de doença determinada, por meio da vacinação, dos controles de saúde, da despistagem; e a terciária, que visa a limitar a prevalência de incapacidades crônicas ou de recidivas (Leavell e Clark, 1976).

O conhecimento do dano e a certeza da relação de causalidade entre o agente desencadeador e o próprio dano são, portanto, fatores determinantes para a aplicação do princípio da prevenção.

Dito princípio é previsto expressamente no texto constitucional. Com efeito, o art. 196 da Constituição estabelece que o direito à saúde é garantido “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, disposição essa reproduzida pelo art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.080/90.[9] Reduzir o risco de doenças e outros agravos significa prevenir a sua ocorrência. Já a proteção da saúde é uma etapa anterior à sua recuperação, sendo ambas abrangidas pelo dispositivo legal em comento. A proteção implica justamente evitar a doença.

De maneira ainda mais expressa, o art. 198, II, da Constituição elenca como uma das diretrizes do SUS o “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”.[10] Especificamente em relação à saúde do trabalhador, o art. 7º, XXII, da Carta Magna impõe o dever de “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Já no âmbito privado, a alusão à prevenção encontra-se no art. 35-F da Lei nº 9.656/96, pelo qual o atendimento prestado pelos planos e pelos seguros privados de assistência à saúde “compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde (...)”.

O princípio da prevenção norteia diversas vertentes das ações e dos serviços públicos em saúde, o que bem demonstra a sua força como diretriz de todo o direito sanitário.

A vigilância sanitária e epidemiológica, que é certamente uma das principais atribuições do Sistema Único de Saúde (art. 200, II, da Constituição), emerge como a faceta mais visível e concreta do princípio da prevenção, que constitui a sua própria essência.

De fato, o art. 6º, § 1º, da Lei nº 8.080/90 define a vigilância sanitária como “um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde”. A vigilância epidemiológica, por sua feita, é conceituada pelo parágrafo segundo do mesmo dispositivo legal como:

(...) um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos.

As ações de vigilância sanitária e epidemiológica, que se pautam sempre pela prevenção de doenças e agravos à saúde, são das mais diversas, compreendendo desde normas de higiene básica da população até a fiscalização de alimentos, medicamentos e outros produtos – em todas as etapas de produção e comercialização – que se relacionem direta ou indiretamente à saúde, de estabelecimentos de saúde, etc. Tamanha é a amplitude dessas ações que elas acabam por envolver inclusive questões socioeconômicas atinentes às condições efetivas da população de manter hábitos adequados de higiene, alimentação e cuidados em geral com o próprio corpo.[11]

Os programas de vacinação também aparecem como política concreta de aplicação do princípio da prevenção no direito sanitário, evitando a propagação de doenças infectocontagiosas que colocam em risco a saúde de toda uma população.

A pandemia da Covid-19, que se alastrou por todo o planeta a partir do início do ano de 2020, atingindo severamente o Brasil, demonstrou com grande clareza a relevância do princípio da prevenção para a manutenção da saúde individual e coletiva. No momento em que este texto é escrito, somente com base nos dados oficiais, quase dezoito milhões de pessoas já foram contaminadas e praticamente setecentas mil perderam suas vidas em todo o planeta.[12]

Como não há atualmente vacina disponível ou cura medicamentosa para o vírus, a prevenção contra a sua propagação é o único mecanismo que pode salvar a vida e a integridade física da população brasileira e mundial. Por isso é que a Lei nº 13.979/2020, em seu art. 3º, autorizou a Administração a adotar uma série de medidas preventivas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus, dentre elas: a) isolamento; b) quarentena; c) determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas e tratamentos médicos específicos; d) uso obrigatório de máscaras de proteção individual; e) restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos, de entrada e saída do país e de locomoção interestadual e intermunicipal.

A prevenção é a regra a ser seguida também nos programas de saúde do trabalhador, que devem priorizar medidas que evitem acidentes de trabalho e a ocorrência de doenças ocupacionais, nos termos do art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.080/90, in verbis:

Art. 6º (...)

(...)

§ 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:

(...)

II – participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho;

III – participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador;

(...)

V – informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional;

(...)

VIII – a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo o ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores. (destacamos)

A saúde do consumidor também é tutelada pelo princípio da prevenção. Além de outras disposições referentes ao tema, o art. 6º, I, da Lei nº 8.078/90 prevê o direito básico de proteção da vida e da saúde contra os riscos causados por produtos ou serviços nocivos ou perigosos. O art. 8º da mesma lei dispõe que “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição”. Em complemento, o art. 10 estabelece que “o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou à segurança”.

Tamanha é a importância da prevenção na salvaguarda da vida e da saúde que a simples exposição delas a perigo direto e iminente constitui crime tipificado no art. 132 do Código Penal.

Como se pode perceber, o princípio da prevenção – ou seja, o propósito de impedir o advento de conhecidos malefícios à saúde humana a partir de causas certas – permeia todo o direito sanitário, tanto na instituição como na implementação de políticas públicas.

A prevenção como meta impositiva ganha relevo especial na atenção básica à saúde da população, sobretudo em um país como o Brasil, que conta com diversas regiões ainda muito pobres, com várias outras em que a pobreza é somada a uma densidade populacional elevada, além das localidades distantes de centros urbanos e desassistidas dos profissionais e dos estabelecimentos de saúde necessários aos cuidados de seus habitantes. Tudo isso reforça a necessidade, por exemplo, de combate às endemias causadas por insetos e outros animais transmissores (dengue, zika, febre amarela, leptospirose, doença de chagas, etc.) mediante conscientização pública sobre hábitos de limpeza e higiene e adoção de medidas de saneamento básico; de promoção de campanhas de vacinação abrangentes e consistentes; de acompanhamento constante da população por programas de saúde da família; de eficiência em programas de acompanhamento pré-natal, além de outras medidas.

Nesse cenário, uma aplicação plena do princípio da prevenção demanda muito mais do que medidas exclusivamente sanitárias. É preciso que elas estejam integradas a programas de ordem assistencial, educacional e econômica que permitam que a população seja adequadamente instruída sobre regras básicas de higiene, saúde e cidadania, bem como que tenha condições materiais para adotar as condutas necessárias aos métodos preventivos. Aqui, ganha especial relevo uma política de comunicação pública e institucional do Estado que priorize a orientação da população sobre normas de proteção à saúde e de segurança no trânsito, em vez dos dispêndios que muitas vezes se vê com propagandas de cunho promocional e pessoal dissonante dos interesses públicos.

1.2.1 Eficácia jurídica do princípio da prevenção

O princípio da prevenção no direito à saúde, como visto anteriormente, está expressamente previsto no art. 196 e no art. 198, II, ambos da Constituição, irradiando seus efeitos sobre as mais diversas áreas do direito sanitário. Ele rege não apenas os atos praticados pela Administração, mas também os de particulares. Com efeito, cabe aos cidadãos a adoção das medidas de resguardo necessárias à preservação da saúde pública, conforme as orientações e as determinações emanadas do poder público, especialmente pelo fato de que a falta de cuidado próprio muitas vezes repercute na saúde alheia e na coletiva. Tomem-se como exemplos a permissão, em ambiente privado, de desenvolvimento de criadouros de insetos transmissores de doenças que podem infectar a vizinhança ou o hábito de fumar em locais fechados de acesso ao público. Cite-se, ainda, o art. 5º da Lei nº 13.979/2020, que impõe a todas as pessoas o dever de colaboração com as autoridades sanitárias mediante a comunicação imediata de possíveis contatos com agentes infecciosos da Covid-19 e de circulação em áreas consideradas como regiões de contaminação pelo vírus.

A tutela da saúde pública por meio de medidas preventivas a serem empreendidas até mesmo por particulares foi alçada à esfera criminal, tamanha é a sua relevância. Com efeito, “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, e “deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória” constituem infrações penais, nos termos dos artigos 268 e 269 do Código Penal, respectivamente.

Caso mais polêmico sobre a vinculação de particulares ao princípio da prevenção é a possível obrigação de se submeterem à vacinação compulsória, sobretudo em situações em que a imunização objetiva, além de impedir o adoecimento da própria pessoa, obstar também a transmissão comunitária da doença, protegendo a saúde de toda a coletividade. Nessa hipótese, há que se ponderar a liberdade e a integridade física dos cidadãos com a tutela da saúde pública. A questão é complexa e extrapola o objeto deste estudo.

Adotando-se a concepção de Larenz,[13] para quem os princípios jurídicos consistem em uma ideia geral que ilumina o processo de concretização das normas jurídicas, mas agregando a eles a necessária força jurídica própria – já que, como sustentado por Ávila,[14] “os princípios também possuem uma consequência normativa: a razão (fim, tarefa) à qual o princípio se refere deve ser julgada relevante diante do caso concreto” –, o princípio da prevenção não se resume às regras legais e constitucionais que tratam das medidas de afastamento de doenças ou outros agravos à saúde. Muito mais do que isso, ele deve direcionar toda a hermenêutica do direito sanitário. Assim, é com base no princípio da prevenção que se deve interpretar as leis e os atos administrativos relacionados à saúde, conferindo-lhes sentidos que vão ao encontro do objetivo profilático, afastando conclusões a ele contrárias e, sendo o caso, reconhecendo a inconstitucionalidade das normas que estejam em franca contradição com o postulado preventivo.

A amplitude do princípio da prevenção na concretização do direito à saúde pode ser bem percebida quando se lhe atribui o sentido de que é dever do poder público assegurar aos cidadãos condições de vida saudáveis que efetivamente os previnam de ser atingidos por doenças e demais agravos evitáveis mediante condições básicas de alimentação, saúde, moradia, saneamento básico e educação. Não se trata de alargamento indevido do princípio em tela, uma vez que a própria Constituição Federal, ao estabelecer as diretrizes do SUS, arrola o “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais” (art. 198, II). Além disso, prevê, em seu art. 200, dentre as diversas atribuições do sistema público de saúde, aquelas relacionadas às ações de saneamento básico (inciso IV), às de fiscalização e inspeção de alimentos e bebidas (inciso VI) e à proteção ao meio ambiente (inciso VIII). Essa amplitude do princípio decorre da concepção alargada do seu objeto de incidência, a saúde, assim definida pelo art. 3º da Lei nº 8.080/90:

Art. 3º Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. (Redação dada pela Lei nº 12.864, de 2013)

O princípio da prevenção limita, de alguma maneira, o poder discricionário da Administração, impondo-lhe um dever de deferência a critérios e dados técnico-científicos. Uma vez estando objetivamente comprovada uma ameaça à saúde pública, seja qual for a sua causa, é dever (e não opção) do poder público inibi-la sempre que isso seja materialmente possível, tanto mediante a prática de ato administrativo específico como por meio de implementação de políticas públicas. Via de regra, a prevenção impõe um dever de ação ao administrador, que consiste justamente em impedir a ocorrência do fato causador de dano já conhecido.

É possível cogitar, entretanto, de atos administrativos ou leis inconstitucionais por afronta ao princípio da prevenção. Um exemplo claro seria a definição de velocidade máxima para o tráfego de veículos automotores em vias públicas em limite que, segundo dados científicos seguros, aumentam de forma acentuada e desproporcional o risco de acidentes de trânsito. Suponha-se, para deixar a hipótese mais clara, que seja fixado um limite máximo de velocidade de 180 Km/h em uma estrada de pistas simples. Tal ato seria inconstitucional por afrontar o princípio da prevenção, já que incrementa o risco de mortes e lesões corporais decorrentes de acidentes automobilísticos.

Mais à frente, serão analisados casos concretos em que o Supremo Tribunal Federal se valeu do princípio da prevenção para declarar a inconstitucionalidade de lei, de campanha publicitária do governo federal e de pretensão de importação de bens que causam prejuízos à saúde pública e ao meio ambiente, tudo a demonstrar a força normativa irradiante do princípio em questão.

Por outro lado, o princípio da prevenção, justamente por essa qualidade que possui, deve ser, sempre que necessário, compatibilizado com outros princípios constitucionais quando em potencial conflito em casos concretos, conforme as lições de Dworkin[15] amplamente aceitas pela doutrina e pela jurisprudência pátrias. Um exemplo atual é bastante elucidativo quanto ao ponto.

O alastramento da pandemia da Covid-19 pelo Brasil e pelos demais países de todos os continentes do planeta impôs a adoção de graves medidas de isolamento social, quarentena e fechamento de estabelecimentos industriais, comerciais e de prestação de serviços não essenciais (lockdown). O objetivo é a prevenção de disseminação demasiadamente veloz do vírus que viesse a ceifar milhares de vidas que poderiam ser preservadas e a colapsar os sistemas público e privado de saúde diante da demanda insuportável de internações. Incidência do dever de prevenção, portanto.

A manutenção do fechamento dos estabelecimentos industriais, comerciais e de prestação de serviços não essenciais por longo período, entretanto, causa consequências econômicas e sociais nefastas, como o aumento expressivo do desemprego e da falência de empresas (sobretudo as pequenas), a redução dos rendimentos dos trabalhadores, o consequente aumento da pobreza e da fome e a perda de arrecadação fiscal. Esse cenário trouxe acalorados debates a respeito da prevalência das medidas de isolamento social sobre a normalidade econômica ou desta sobre aquelas.

Independentemente da conclusão a que se chegue, até mesmo os partidários das medidas de isolamento não costumam defendê-la como método perene a ser mantido de forma integral ou absoluta até que o vírus desapareça ou atinja uma incidência desprezível, como seria de se esperar pela adoção estrita e incondicional do princípio da prevenção. Com efeito, ainda que com baixa circulação, o potencial de nova disseminação descontrolada da Covid-19 permaneceria considerável com a reabertura das atividades empresariais e o relaxamento das medidas de restrição à circulação de pessoas.

O que os defensores das medidas de distanciamento social pretendem, em sua grande maioria, é um paulatino retorno à normalidade conforme os riscos à saúde pública e à sustentabilidade dos sistemas de saúde diminuam, ainda que o vírus permaneça em circulação relativamente controlada, equilibrando a necessidade de controle da pandemia para preservação da saúde dos indivíduos com a necessidade de salvaguarda mínima da economia para a preservação de empregos e rendas. Nesse sentido, vale transcrever o seguinte trecho da recomendação expedida pela Organização Mundial da Saúde em 16 de abril de 2020[16] (“Considerations in adjusting public health and social measures in the context of COVID-19”), que ora é traduzido livremente:

Medidas adicionais de saúde pública e sociais em larga escala (PHSM), incluindo restrições de movimento, fechamento de escolas, empresas, quarentena de área geográfica e restrições internacionais de viagem, foram implementadas por um certo número de países. Elas são algumas vezes referidas como medidas de “bloqueio” (lockdown) ou “desligamento” (shutdown).

Uma avaliação do impacto do PHSM na saúde pública para a Covid-19 ainda não está disponível, mas é necessária. Essa avaliação precisa levar em conta as consequências sociais e os custos econômicos de tais medidas, que podem ser consideráveis. Nesse sentido, uma cuidadosa avaliação de riscos e uma abordagem por fases são necessárias para equilibrar os benefícios e os possíveis danos no ajustamento dessas medidas, para não provocar um ressurgimento de casos de Covid-19 e comprometer a saúde da população. Até que intervenções farmacêuticas específicas e eficazes (por exemplo, terapias e vacinas) estejam disponíveis, os países podem precisar continuar a afrouxar ou restabelecer medidas durante toda a pandemia.

As decisões para enrijecer ou afrouxar ou reinstalar o PHSM devem ser tomadas com base em evidências científicas e experiência do mundo real e levar em consideração outros fatores críticos, como economia, fatores relacionados a segurança, direitos humanos, segurança alimentar e sentimento público e adesão a medidas.

Houve, por parte da OMS, como se percebe, uma clara preocupação de prevenir a disseminação do vírus e combater a pandemia, mas equilibrando as medidas restritivas para tanto necessárias com outras destinadas a preservar minimamente condições econômicas que garantam à população – sobretudo aos mais pobres – o acesso ao emprego, à renda e, consequentemente, a condições dignas de sobrevivência. Isso nada mais significa do que ponderar, no caso concreto, o princípio da prevenção com o princípio da dignidade da pessoa humana (que, a propósito, também acaba por ser tutelado com a própria prevenção), especialmente no que se relaciona com os direitos fundamentais ao trabalho e à alimentação. Não se está, absolutamente, a enfraquecer o princípio da prevenção. Pelo contrário, ele é de tamanha importância que acaba por ser objeto de ponderação com os direitos sociais acima mencionados, até porque o bem jurídico que tutela (a vida) é o mais relevante de todos. Ocorre que, mais do que o direito à vida, o ser humano tem direito a uma vida digna, o que torna necessária a compatibilização dos princípios e dos direitos fundamentais referidos.

1.3 O princípio da precaução no direito à saúde

1.3.1 Conceito e distinção entre precaução e prevenção

Se o princípio da prevenção é de identificação relativamente fácil no direito à saúde e possui seus contornos bem definidos, o mesmo não ocorre com o princípio da precaução, que desperta importantes controvérsias doutrinárias.[17]

Originariamente, a precaução foi um conceito surgido no trato de questões ambientais. Afirma-se que teve origem na Suécia, na década de sessenta do século passado.[18] No entanto, o princípio da precaução ganhou notoriedade na Alemanha, nos anos setenta, quando passou a ser de fato tratado como uma “filosofia ambiental mais ampla”.[19]

Em linhas gerais, ainda que não se tenha chegado a um conceito consensual do princípio em tela, ele está necessariamente relacionado aos deveres de cautela, de cuidado, de prudência frente a incertezas científicas sobre eventuais danos que uma determinada atividade ou produto podem gerar ao meio ambiente e/ou à saúde humana.

Uma concepção do princípio da precaução que se tornou bastante conhecida é aquela encampada pelo Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento na Conferência das Nações Unidas, conhecida como Eco-92, in verbis:

Princípio 15

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Noção parecida já havia sido adotada anteriormente pela Assembleia Geral das Nações Unidas de 1982, da qual resultou a Carta Mundial da Natureza, cujo item “11.b” dispôs o seguinte:

b – as atividades que possam causar um significativo risco ao meio ambiente devem ser precedidas de estudos exaustivos; os interessados devem demonstrar que os seus potenciais benefícios se sobrepõem aos potenciais danos ao meio ambiente, devendo ser paralisadas as atividades cujos potenciais efeitos adversos não forem completamente conhecidos. (tradução livre de World Charter for Nature)

O princípio da precaução tem como escopo evitar que se aguarde a comprovação dos danos resultantes de determinada causa para que sejam adotadas as medidas preventivas necessárias. Havendo dúvidas, há que se adotar a postura acautelatória.

O enunciado acabou sendo repetido, às vezes com algumas poucas variações, em outras convenções internacionais, tais como a da Diversidade Biológica (Decreto nº 2.519/98) e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (Decreto nº 2.652/98). Em outras palavras, ele determina que medidas de prevenção à degradação ambiental não podem deixar de ser tomadas pela ausência de certeza científica da existência de danos graves e irreversíveis dela advindos, sempre que viáveis economicamente. Sintetizando, a incerteza do advento dos danos não pode obstar a adoção das medidas de cautela. Nas precisas palavras de Dallari e Ventura[20]:

De maneira geral, o escopo da precaução é ultrapassar a prevenção. Não seria mais preciso que um dano se produzisse, ou se mostrasse iminente, para que um gesto, visando a evitar a produção ou a repetição desse dano, fosse legítimo. Invertendo essa lógica, a precaução baseia-se na experiência em matéria técnica e científica: as vantagens que surgem a curto prazo são, com frequência, seguidas de desvantagens a médio e longo prazo. Logo, é preciso dotar-se dos meios de prever o surgimento de eventuais danos, antes mesmo da certeza da existência de um risco.

A razão de ser do princípio da precaução é bem pontuada por Machado,[21] para quem:

A incerteza no conhecimento é uma forma de ignorância. Quem sabe, não ignora. A ignorância não pode ser um pretexto para ser imprudente. O princípio da precaução não quer conservar ou perenizar a ignorância, mas, pelo contrário, quer vencê-la, com a pesquisa, com o estudo e com a constante avaliação dos fatos e dos métodos.

A distinção entre o princípio da precaução e o da prevenção, que é constantemente trabalhada pela doutrina, serve para bem compreender o primeiro. Nesse sentido, Wedy[22] faz essa diferenciação com base na relação “risco de perigo” (precaução) x “risco de dano” (prevenção). Vejamos:

A diferenciação inicia-se pelo fato de que o princípio da precaução, quando aplicado, é uma medida para evitar o mero risco, e o princípio da prevenção é aplicado para evitar diretamente o dano. O risco pode ser entendido como a possibilidade de ocorrência de uma situação de perigo. Já o perigo nada mais é do que a possibilidade de ocorrência de dano.

Isso porque o princípio da precaução deve ser aplicado quando não houver certeza científica de que a atividade sindicada não oferece risco de dano, e o princípio da prevenção deve ser aplicado após, ou seja, quando a atividade sindicada causar danos com prévia comprovação científica.

Pode ser referido, ainda, que o princípio da prevenção tem a finalidade de se evitar o perigo concreto (comprovado cientificamente), e o princípio da precaução objetiva evitar o perigo abstrato (não comprovado cientificamente, mas cuja ocorrência seja verossímil). O princípio da prevenção pode ser aplicado para impedir que sejam praticadas atividades que já se sabem causadoras de danos, por fontes de informações científicas reconhecidas. Já o princípio da precaução, por sua vez, pode ser aplicado quando os dados científicos do risco da atividade a ser realizada são insuficientes ou contraditórios. O risco de perigo, nesse caso, pode ser meramente potencial, ou seja, configura-se com a possibilidade verossímil de nocividade da atividade, embora não se possa qualificar nem quantificar os efeitos do risco. Assim, o princípio da prevenção visa a evitar o risco conhecido, e o princípio da precaução visa a evitar o risco potencial.

Milaré[23] se vale das expressões “risco certo” x “risco incerto” e “perigo concreto” x “perigo abstrato” para traçar a diferenciação entre prevenção e precaução. Note-se:

Com efeito, há cambiantes semânticos entre essas expressões, ao menos no que se refere à etimologia. Prevenção é substantivo do verbo prevenir (do latim prae = antes e venire = vir, chegar), e significa ato ou efeito de antecipar-se, chegar antes; induz uma conotação de generalidade, simples antecipação no tempo, é verdade, mas com intuito conhecido. Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados com o desconhecido, cautela para que uma atitude ou ação não venha a concretizar-se ou a resultar em efeitos indesejáveis.

De maneira sintética, podemos dizer que a prevenção trata de riscos ou impactos já conhecidos pela ciência, ao passo que a precaução se destina a gerir riscos ou impactos desconhecidos. Em outros termos, enquanto a prevenção trabalha com o risco certo, a precaução vai além e se preocupa com o risco incerto. Ou ainda, a prevenção se dá em relação ao perigo concreto, ao passo que a precaução envolve perigo abstrato.

Em breves palavras e sem prejuízo da análise mais detida, adiante, de algumas de suas características, pode-se tomar o princípio da precaução, da forma como definido tradicionalmente, como aquele segundo o qual a ausência de certeza científica da ocorrência do dano à saúde não é razão para que se deixe de adotar as medidas necessárias ao afastamento da suposta causa. Não se trata de presunção da ocorrência de um dano, seja ela absoluta, seja relativa. Pela precaução, não há necessidade dessa presunção. Basta a incerteza da ocorrência do dano para que a postura acautelatória seja tomada.

Um exemplo real ajudará a assimilar a aplicação do princípio da precaução em saúde pública na prática. Ele se refere a questões relacionadas à prevenção da disseminação da Covid-19, pandemia de acentuada gravidade que está em curso no momento em que este trabalho é escrito.

Não há controvérsias em relação à transmissão do vírus por meio de gotículas respiratórias grandes passadas por indivíduos próximos um ao outro, as quais, uma vez expelidas, acomodam-se rapidamente nas superfícies próximas; bem como por meio de superfícies contaminadas. No entanto, não há até o momento evidências científicas seguras a respeito da transmissão do vírus pelo ar por meio de gotículas pequenas que ficam suspensas. A esse respeito, a Organização das Nações Unidas para o Controle de Infecções chegou a se manifestar no sentido de que a transmissão aérea seria possível, mas não suportada por evidências sólidas. A despeito disso, vários cientistas passaram a apontar evidências de que a transmissão também poderia ser feita pelo ar, sugerindo à Organização Mundial da Saúde que passasse a reconhecer essa possibilidade em suas orientações técnicas e recomendações.[24]

A possibilidade de transmissão da Covid-19 pelo ar impacta nos meios de proteção contra o seu contágio. Havendo essa forma de transmissão, o uso de máscaras em locais fechados reduz as chances de contaminação. Não havendo, a medida seria inócua na prevenção.

Ainda que não haja, no momento, provas seguras da possibilidade de transmissão do vírus por gotículas pequenas suspensas no ar, mas havendo essa possibilidade, a OMS acabou por posteriormente recomendar o uso de máscaras em locais fechados em que a transmissão por essa forma pudesse ocorrer.[25] Aplicou, portanto, o princípio da precaução ao sugerir a adoção de medidas de segurança mesmo ante a incerteza dos danos.

1.3.2 O princípio da precaução como gestão de riscos

Antes de prosseguir na análise do princípio da precaução no direito sanitário propriamente dito, é importante que se faça um delineamento um pouco mais preciso de seus contornos.

A adoção de uma concepção rígida do princípio da precaução fez com que ele fosse bastante questionado ou mesmo combatido. Entenda-se como concepção rígida aquela segundo a qual se deve evitar a qualquer custo a ocorrência de um fato que possa causar danos ao meio ambiente ou à saúde ainda não comprovados cientificamente. Por essa visão, portanto, sempre e somente após a segura comprovação de inexistência de qualquer dano dela resultante é que uma atividade potencialmente degradadora do meio ambiente ou prejudicial à saúde poderia ser desenvolvida.

As principais críticas que essa leitura do princípio da precaução recebe foram bem sintetizadas por Tickner, Kriebel e Wright,[26] com tradução aqui feita livremente:

O princípio da precaução foi criticado por: sufocar a inovação, causar consequências não intencionais potencialmente mais graves do que o problema que desencadeou a ação preventiva em primeiro lugar e criar “falsos positivos” – riscos aparentes que desperdiçam recursos e distraem os problemas reais.

Cross[27] insurge-se fortemente contra essa abordagem do princípio da precaução, salientando principalmente os elevados e, no seu entender, desarrazoados custos econômicos que ela traz. Diz ele que, “quanto mais o governo se esforça para eliminar o último risco potencial, maior o risco de consequências adversas” (tradução livre). Para fundamentar suas críticas, elenca vários exemplos de situações concretas em que o excesso de precaução traria mais prejuízos do que benefícios, tais como: a) a resistência à incineração de armas químicas militares acondicionadas no Havaí por receio de poluição atmosférica acabaria trazendo maior risco à ilha em decorrência da permanência do arsenal, que poderia causar vazamentos químicos ou explosões; b) a restrição à produção e à comercialização de adoçantes por conta do receio de conterem substâncias cancerígenas causaria um aumento do consumo de açúcar pela população, com os malefícios à saúde daí advindos; c) a substituição de veículos movidos a combustíveis fósseis por veículos elétricos demandaria maior queima de combustível para gerar a energia elétrica necessária para abastecer os automóveis. O autor elenca ainda hipóteses mais extremas e de comprovação empírica questionável, como o aumento de acidentes de trânsito proporcionado por restrições de voos por companhias aéreas em más condições de tempo e os alegados prejuízos ao tratamento de diversas doenças que a regulação de medicamentos pela FDA causaria. Resume sua posição da seguinte maneira (tradução livre):

O princípio da precaução repousa na ilusão de que as ações não têm consequências além dos fins pretendidos. De fato, não existe “almoço grátis”. Os esforços para eliminar qualquer risco criarão alguns novos riscos, enquanto possivelmente reduzirão outros riscos relacionados. Se a intenção de alguém é proteger verdadeiramente a saúde pública e o meio ambiente, todos esses riscos incidentais devem ser considerados, contrariamente às aplicações prevalecentes do princípio da precaução.

As críticas da corrente de entendimento aqui representada por Cross seriam razoáveis se o princípio da precaução fosse de fato compreendido da maneira rígida como ele presume em sua premissa.

O desenvolvimento desse princípio desde que ele foi concebido, entretanto, leva-o atualmente a uma formatação distinta. Tem-se entendido, majoritariamente, que o princípio da precaução não impõe necessariamente que se aguarde ou se exija a cabal comprovação científica de inexistência de qualquer risco causado ao meio ambiente ou à saúde pública por uma atividade potencialmente danosa para que ela seja autorizada, ou que os riscos potenciais sejam prévia e integralmente neutralizados. Atualmente, o princípio da precaução vem sendo utilizado como um mecanismo de gestão de riscos pelo qual são ponderados, de um lado, os potenciais danos que uma atividade poderia gerar e, de outro, as consequências das mais diversas ordens que as necessárias medidas de cautela ou o não desenvolvimento da atividade proporcionariam.[28]

Considerando que o princípio da precaução foi criado e desenvolvido sobretudo na Europa, disseminando-se posteriormente, é importante analisar como ele vem sendo lá tratado. É muito interessante, nesse sentido, a “Comunicação da Comissão (da União Europeia) relativa ao princípio da precaução”,[29] da qual se extraem os seguintes trechos:

3. O princípio da precaução não é definido no Tratado, que o prescreve apenas uma vez – para proteger o ambiente. Mas, na prática, o seu âmbito de aplicação é muito mais vasto, especificamente quando uma avaliação científica objectiva preliminar indica que há motivos razoáveis para suspeitar que efeitos potencialmente perigosos para o ambiente, a saúde das pessoas e dos animais ou a protecção vegetal podem ser incompatíveis com o elevado nível de protecção escolhido para a Comunidade.

(...)

4. (...) O princípio da precaução é particularmente relevante no que se refere à gestão de riscos. (...) O recurso ao princípio da precaução pressupõe que se identificaram efeitos potencialmente perigosos decorrentes de um fenómeno, de um produto ou de um processo e que a avaliação científica não permite a determinação do risco com suficiente segurança.

(...)

5. As instâncias de decisão devem estar conscientes do grau de incerteza relativo aos resultados da avaliação dos dados científicos disponíveis. Determinar qual é o nível de risco “aceitável” para a sociedade é eminentemente uma responsabilidade política. As instâncias de decisão, quando confrontadas com um risco inaceitável, uma incerteza científica e as preocupações do público, têm o dever de encontrar respostas. Contudo, todos estes factores têm de ser tomados em consideração.

(...)

6. (...) Uma proibição total nem sempre constitui uma resposta proporcional a um risco potencial. Contudo, em determinados casos, é a única resposta possível a um dado risco. (...) Analisar vantagens e encargos implica comparar o custo total para a Comunidade da actuação e da ausência de actuação, a curto e a longo prazo. Não se trata simplesmente de uma análise económica custo/benefício: o seu âmbito é muito mais vasto e inclui considerações não económicas, como a eficácia das opções possíveis e a sua aceitabilidade pelo público. Ao efectuar esta análise, devem ter-se em conta o princípio geral e a jurisprudência do Tribunal, segundo os quais a protecção da saúde tem precedência sobre as considerações económicas.

(...)

A análise do princípio da precaução realça dois aspectos, diferentes devido à sua natureza: (i) a decisão política de actuar ou de não actuar, ligada aos factores que desencadeiam a utilização do princípio da precaução; (ii) em caso afirmativo, como actuar, ou seja as medidas que resultam dessa utilização do princípio da precaução.

(...)

A abordagem de prudência inscreve-se na política de avaliação de riscos que é determinada antes de qualquer avaliação de riscos e que recorre aos elementos descritos no ponto 5.1.3. Faz pois integralmente parte do parecer científico emitido pelos avaliadores de riscos.

Em contrapartida, a aplicação do princípio da precaução insere-se na gestão de riscos, quando a incerteza científica não permite uma avaliação completa dos riscos e as instâncias de decisão consideram que pode existir uma ameaça ao nível escolhido de protecção do ambiente, da saúde das pessoas ou dos animais ou de protecção vegetal.

A Comissão considera que as medidas de aplicação do princípio da precaução se inscrevem no quadro geral da análise de riscos, mais precisamente na gestão de riscos.

Diversos aspectos do comunicado parcialmente transcrito acima chamam a atenção. Dentre eles, três merecem destaque.

O primeiro é o fato de que o princípio da precaução vem sendo tratado, como dito acima, como meio de gestão de riscos. Ainda que ele imponha o dever de cautela mesmo à míngua de comprovação científica dos danos causados por uma determinada atividade, permite, por outro lado, que sejam levadas em consideração as consequências da vedação ao exercício dessa atividade ou da implementação das medidas preventivas necessárias ao afastamento ou à mitigação dos riscos. Considera-se, portanto, o risco total.

O segundo aspecto digno de nota é o de que a decisão final sobre os riscos – apurados com o devido rigor científico – aceitáveis, após feitas as ponderações necessárias, é de natureza política. Assim, cabe à ciência investigar a potencialidade danosa e os riscos de uma determinada atividade, bem como as consequências ambientais, econômicas, sanitárias e sociais do seu desempenho, da sua proibição ou da implementação das medidas de prevenção necessárias. Feita essa apuração, a decisão sobre a alternativa concreta a ser adotada é de cunho político, devendo levar em consideração os anseios e os valores aceitos na comunidade envolvida.[30]

O terceiro ponto a ser sublinhado é a premissa de que “a protecção da saúde tem precedência sobre as considerações económicas”. Assim, se o conflito no caso concreto for entre a preservação do direito à saúde (ainda que o risco de lesão seja incerto) e interesses exclusivamente econômicos, o princípio da precaução pende para a proteção da saúde.

A Comissão Europeia deixou bastante claro no comunicado em epígrafe que há que se buscar uma proporcionalidade entre a onerosidade das medidas necessárias para a precaução e o nível de proteção pretendido. Consignou também que não é de se buscar sempre o “risco zero”, que dificilmente será atingido. Ainda assim, são necessários estudos científicos que apontem com a máxima precisão possível os riscos existentes e as alternativas postas à disposição do agente decisor, de maneira que a decisão proferida seja qualificada e eficiente. Vejamos:

As medidas previstas devem permitir atingir o nível de protecção adequado. As medidas baseadas no princípio da precaução não deveriam ser desproporcionadas em relação ao nível de protecção pretendido e querer atingir um nível zero de risco, que raramente existe. Contudo, em certos casos, uma estimação incompleta dos riscos pode limitar consideravelmente o número de opções disponíveis para os gestores de riscos. Em certos casos, uma proibição total pode não ser uma resposta proporcional a um risco potencial. Noutros casos, pode ser a única resposta possível a um determinado risco.

Essa concepção do princípio da precaução ecoa na doutrina.

Beck[31] reforça a ideia de que as informações e as conclusões científicas são o material utilizado para que decisões políticas sejam tomadas segundo os interesses sociais. Segundo ele, “constatações de risco baseiam-se em possibilidades matemáticas e interesses sociais, mesmo e justamente quando se revestem de certeza técnica”. Por isso, “racionalidade científica sem racionalidade social fica vazia, racionalidade social sem racionalidade científica, cega”. Para tanto, é indispensável que haja uma aproximação entre a comunidade científica e a sociedade, assegurando que aquela tenha noção dos valores e dos anseios sociais, e que a população em geral seja munida de conhecimentos científicos básicos para que possa tomar suas decisões.[32] Como bem resumido por Comba, Martuzzi e Botti,[33] várias questões filosóficas, econômicas e sociais estão subjacentes às decisões que serão tomadas.

Com efeito, a sociedade está muitas vezes disposta a correr certos riscos, desde que isso lhe proporcione benefícios que seguramente superem os danos potenciais. Tome-se como exemplo o uso dos meios de transporte individuais e coletivos. Não há dúvida de que eles oferecem riscos à vida e à saúde das pessoas (acidentes aéreos ou de trânsito, poluição, etc.). Ainda assim, o proveito trazido é considerado muito maior do que os riscos gerados, de maneira que sua utilização é admitida.

Há outras situações em que a ponderação entre os riscos e os benefícios da adoção de medidas potencialmente causadoras de danos à saúde é bem mais complexa e controversa social e politicamente. Um exemplo claro está relacionado ao combate à Covid-19, causadora da grave pandemia que atinge fortemente todos os continentes do planeta neste momento.

Medidas de isolamento social têm sido largamente adotadas nos mais diversos países para impedir a disseminação do vírus, que se propaga rapidamente e, sobretudo, em ambientes fechados e com aglomeração de pessoas. Por isso, por vários meses, escolas permaneceram ou ainda permanecem fechadas com o objetivo de evitar que os alunos se contaminem e levem a doença também às pessoas próximas, fora do ambiente escolar. Com o passar do tempo, entretanto, os prejuízos acadêmicos gerados aos alunos, especialmente às crianças menores, começam a se tornar bastante claros. Além disso, nas camadas mais pobres da sociedade, a necessidade de os filhos pequenos permanecerem em casa dificulta ou impede que os pais trabalhem, além de lhes trazer maiores despesas com cuidados e alimentação dos pequenos.[34]

Por outro lado, sabe-se atualmente que as crianças são bem menos suscetíveis aos sintomas graves da doença quando comparadas aos adultos, cogitando-se inclusive da possibilidade de o contágio em relação a elas ser mais difícil. Não se sabe ao certo, todavia, se a transmissão do vírus pelas crianças ocorre da mesma maneira que pelos adultos, havendo estudos científicos sugerindo que a chance de uma criança espalhar o vírus é menor do que a de indivíduo adulto,[35] mas sem resultados aceitos inquestionavelmente pela comunidade científica em geral, que continua com as pesquisas.

Nesse cenário, o debate sobre a reabertura das escolas tem sido latente. Há necessidade de se ponderar, de um lado, o risco à saúde pública que ela pode causar em razão da disseminação da doença, e, de outro, as consequências negativas no aprendizado dos alunos, na possibilidade de trabalho pelos pais, na renda familiar e nos cuidados com as crianças que a manutenção do fechamento das escolas causa. Tanto os riscos da abertura como as consequências do fechamento devem ser cuidadosamente analisados segundo critérios técnicos confiáveis para que a sociedade, por meio de seus representantes políticos, decida da melhor maneira o que deve prevalecer em um dado momento e em um determinado local.

Eis a amplitude do princípio da precaução, cujo conteúdo Tickner, Kriebel e Wright[36] explicam com maestria, refutando com argumentos sólidos as críticas que recebeu por parcela da doutrina. A consistência dos fundamentos justifica a longa transcrição de suas lições (em tradução ora feita livremente):

O princípio da precaução incentiva a tomada de decisões usando o maior número possível de informações e participantes. Não cria proibições rígidas para novas tecnologias quando há risco de danos. Prova absoluta de segurança é impossível; o desafio para os formuladores de políticas é encontrar o equilíbrio entre risco potencial e benefício social na ausência de prova de segurança. O princípio da precaução fornece orientação nesses dilemas de política contestada, incentivando a utilização da evidência como um todo, incluindo: a força da evidência de risco, a incerteza e a ignorância sobre o risco, sua magnitude potencial e a disponibilidade de alternativas viáveis à tecnologia proposta. A precaução pode ser uma ferramenta para redirecionar a inovação para práticas mais seguras e limpas para atender às necessidades humanas.

(...)

A precaução sufoca a inovação? Algumas tecnologias e substâncias provavelmente devem ser retardadas ou bloqueadas, após uma análise cuidadosa de seus benefícios, riscos, alternativas e incertezas gerais. A precaução incentiva essa revisão, mas não sufoca indiscriminadamente a inovação. Pelo contrário, uma busca minuciosa por maneiras alternativas de alcançar os mesmos objetivos sociais geralmente identifica tecnologias que devem ser incentivadas.

(...)

Consequências não intencionais são um risco de decisões políticas. Mas elas podem ser minimizadas, quando se age de maneira preventiva, ao: explorar e implementar uma ampla gama de opções preventivas; incluir uma ampla gama de perspectivas nos processos de tomada de decisão; usar uma perspectiva científica multidisciplinar de lentes e sistemas para examinar os riscos antes e depois das intervenções; e desenvolver métodos para monitorar intervenções de saúde pública quando há sinais precoces de problemas.

(...)

Precaução não significa apenas pesquisas mais acuradas; significa também vincular a avaliação de riscos a avaliações alternativas e discussões mais democráticas de necessidades e objetivos sociais.

(...)

Muitas crises ambientais recentes surgiram do fracasso em agir rapidamente para evitar consequências não intencionais de tecnologias aparentemente benéficas, e a precaução é vista como uma maneira de evitar esses erros em decisões futuras. Evidentemente, não existe segurança absoluta, nem certeza absoluta, e regulamentos errados e falhas de regulamentação ocorrerão. Mas acreditamos que a sociedade ainda não implementou todo o potencial da política baseada na ciência para evitar danos aos ecossistemas e à saúde, garantindo progresso em direção a um futuro mais saudável e economicamente sustentável. Longe de ser anticientíficas, políticas de precaução podem estimular inovações em ciência, medicina e tecnologia para promover a saúde e a segurança do planeta.

Daí se conclui que o princípio da precaução é um mecanismo de resguardo da saúde que prima pela qualificação das informações técnicas e científicas que serão utilizadas para as decisões de cunho político a serem tomadas segundo o interesse público, permitindo que a política atue com base em evidências científicas. No entanto, não se pode perder de vista que a sua essência é a de impedir que a ausência de evidência científica dos danos causados por uma atividade dispense qualquer medida de cautela. Ainda que se chegue à conclusão de que não há necessidade de qualquer intervenção quanto à prática da atividade, isso somente pode ser feito após uma ponderação detida dos dados científicos especificamente colhidos sobre os riscos potenciais existentes e sobre as implicações de ordem ambiental, sanitária, econômica, social e política decorrentes da inação ou da implementação de medidas preventivas.

Em decorrência da necessidade de análise científica rigorosa como procedimento prévio à escolha entre as alternativas postas, é de suma importância que a decisão proferida seja devidamente fundamentada, permitindo à sociedade como um todo e aos órgãos de controle uma perfeita compreensão dos dados e das informações considerados pelo poder público em sua deliberação e das razões que o levaram a decidir em um determinado sentido. Aliado ao dever de fundamentação, portanto, está o de publicidade.[37]

Essas premissas foram de certa maneira positivadas na ordem jurídica interna. O art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42), acrescentado pela Lei nº 13.655/2018, estabelece o seguinte:

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

O caput do referido dispositivo legal, ao determinar que as consequências práticas da decisão sejam consideradas, acaba por exigir que a autoridade administrativa se certifique, com base em critérios técnicos que possam tornar objetivas as previsões, dos resultados que dela advirão. Já o parágrafo único impõe que o agente decisor leve em consideração as possíveis alternativas à prática do ato, privilegiando aquela que se demonstre como mais adequada à solução do caso concreto. Exige, ainda, que a decisão seja devidamente motivada.

Ainda que o art. 20 da LINDB tenha sido instituído para normatizar as atividades decisórias em geral, tanto administrativas como judiciais, suas disposições encaixam-se perfeitamente ao conteúdo do princípio da precaução.

Essa abertura para a análise de riscos que o princípio da precaução proporciona leva alguns doutrinadores, inclusive, a tratá-lo como um método de indução de tomada de decisões, e não propriamente como uma regra de decisão.[38] Essa não parece ser a compreensão mais acertada. Ainda que se adote um conceito flexível do princípio da precaução, ele é dotado de acentuada carga normativa ao determinar (e não apenas induzir) que a incerteza científica dos danos causados por determinada atividade não seja invocada para a dispensa da adoção de medidas preventivas, ou mesmo, quando o caso impuser, para que a própria atividade seja vedada.[39]

Diante da amplitude das análises a serem feitas na aplicação do princípio da precaução como mecanismo de gestão de riscos, discute-se quais seriam os métodos mais apropriados para a definição da melhor decisão a ser tomada em cada caso concreto, seja ela a absoluta vedação do exercício da atividade potencialmente danosa, seja a sua completa liberação, a opção por meio alternativo (bem como a melhor alternativa, caso haja mais de uma) ou, ainda, a adoção de medidas de cautela ou controle da atividade proposta. A questão é complexa e sua análise detida não cabe nos propósitos deste estudo. Ainda assim, convém ao menos apontar alguns desses métodos.

O já referido Comunicado da Comissão (da União Europeia) relativo ao princípio da precaução[40] dispõe que “a avaliação de riscos consiste em quatro componentes – designadamente, a identificação do perigo, a caracterização do perigo, a avaliação da exposição e a caracterização do risco”, de maneira que “os limites do conhecimento científico podem afectar cada uma destas componentes”.

Além disso, há que se conjugar a probabilidade dos danos com a sua suposta gravidade, de forma que sejam avaliados com pesos distintos: a) a alta probabilidade de ocorrência de danos graves; b) a baixa probabilidade de ocorrência de danos graves; c) a alta probabilidade de ocorrência de danos leves; e d) a baixa probabilidade de ocorrência de danos leves. Na situação “a”, não há maiores dúvidas de que são fortes os fundamentos para que se adotem as medidas necessárias a evitar os danos em detrimento de outras vantagens que a prática da atividade pudesse trazer. Por outro lado, na situação “d”, há boas razões para que se permita o exercício de atividades que possam trazer razoável benefício social em detrimento dos danos causados. As situações “b” e “c” encontram-se na zona de penumbra, exigindo maiores cuidados na ponderação entre os riscos existentes e os aceitáveis. O mesmo ocorre quando a gravidade dos riscos ou a probabilidade dos danos são desconhecidas.

Gonçalves[41] divide os métodos de interpretação econômica do princípio da precaução em dois paradigmas. O primeiro é o racional-instrumental, que “considera a teoria da escolha em incerteza, que envolve a economia, mas também conceitos da psicologia e da teoria da decisão estatística”. Ele se divide em duas correntes principais: a teoria da utilidade esperada, que é maximizada a partir dos custos e dos benefícios estimados nas diferentes opções alternativas; e os modelos designados como “aversão à ambiguidade”, aplicados “em situações em que existem expectativas divergentes sobre a incerteza por parte de diferentes indivíduos”. O segundo método é o deliberativo constitutivo, o qual “considera os quadros e os modelos multicritérios, que incluem objetivos múltiplos (ambientais, econômicos, sociais, etc.) na tomada de decisão e permitem integrar processos participativos e deliberativos”.

Comba, Martuzzi e Botti[42] elencam outros dois métodos para a gestão dos riscos por meio do princípio da precaução. Pelo critério bayesiano/utilitarista, privilegiam-se as consequências mais favoráveis para a maioria dos envolvidos (the most good for the most people). O grande problema deste método é a possibilidade de que um grupo pequeno de pessoas sofra consequências severas a partir da decisão ao final adotada. Já o critério maximin (maximum minimorum) leva em consideração as piores consequências possíveis para cada alternativa que possa ser adotada, independentemente de sua probabilidade (better safe than sorry). Este segundo método parece ser mais condizente com os propósitos do princípio da precaução. Os próprios autores chegam à conclusão de que (tradução livre):

Ambas as abordagens preocupam-se com o bem-estar social e visam a proteger e melhorar o estado geral de saúde de uma comunidade, mas a visão utilitarista bayesiana o identifica como a melhoria do bem-estar total ou médio, enquanto a abordagem maximin está principalmente preocupada com o bem-estar dos subgrupos populacionais mais desfavorecidos e resulta na redução da diferença entre aqueles que estão em melhor situação e os que estão em pior. Essa lacuna não é necessariamente preocupante na avaliação utilitarista bayesiana. Assim, a estratégia maximin é considerada mais adequada para lidar com o problema da justiça distributiva.

Não se pretende chegar a uma conclusão a respeito do melhor método de gestão de riscos e decisão, até porque existem vários outros critérios que não foram aqui abordados. Ainda assim, tudo o que já foi exposto serve para demonstrar com mais precisão o alcance do princípio da precaução, a multidisciplinariedade das questões por ele abrangidas e a importância do seu emprego correto para a conciliação da preservação da saúde humana com o progresso científico, tecnológico e social.

1.3.3 Princípio da precaução e ônus da prova

Tema sempre afeto às discussões relacionadas ao princípio da precaução e objeto de consideráveis divergências doutrinárias é a distribuição do ônus da prova acerca dos riscos e dos danos relacionados à atividade potencialmente lesiva à saúde ou ao meio ambiente.[43]

Em rápida síntese, é preciso definir se o que deve ser comprovado é a existência ou a inexistência de danos ou riscos causados por uma atividade ou um produto que em tese podem ter efeitos prejudiciais à saúde. Além disso, há que se resolver sobre quem pesa o ônus da prova.

A complexidade da questão é bem sintetizada por Pearce[44] em trecho de artigo aqui traduzido livremente:

Talvez o aspecto mais discutível do princípio da precaução seja aquele que transfere o ônus da prova para os proponentes de uma atividade. Em outras palavras, a responsabilidade recai sobre os proponentes para provar que uma atividade é segura, e não sobre seus oponentes para provar que é insegura. O segundo é geralmente muito difícil, embora não impossível, mas normalmente só pode ser feito de maneira reativa após a exposição da população ao risco já ter ocorrido. Por outro lado, provar a segurança completa é geralmente impossível. Alguns doutrinadores sugeriram que, se aplicado cegamente, alterar o ônus da prova dessa maneira sufocaria toda inovação (Holm & Harris, 1999; Anonymous, 2000) e criaria riscos “falso-positivos” que desperdiçam recursos e ofuscam os problemas reais (Graham & Weinder, 1995; Keeney & von Winterfeldt, 2001). De fato, a maioria das tomadas de decisões em saúde pública envolve necessariamente uma abordagem de “equilíbrio de evidências”, em vez de uma abordagem “inocente até que se prove o contrário” ou “culpado até que se prove que é inocente”.

Já de antemão, deve-se afastar a necessidade de comprovação da efetiva existência dos danos potencialmente gerados pela atividade ou pelo produto que se pretende desenvolver. É justamente a ausência de prova científica dos danos o pressuposto do princípio da precaução. A primeira questão que surge, então, é se ele impõe, em todos os casos, que se comprove previamente a ausência de riscos ou de danos propriamente ditos para o desempenho de uma atividade ou para a fabricação ou a comercialização de um produto; ou se, pelo contrário, há que se demonstrar ao menos a existência de riscos potenciais e plausíveis para que somente então se exija a cabal demonstração da segurança da atividade ou do produto.

A Comissão da União Europeia, apesar de ter emitido comunicado bastante técnico e elaborado sobre o princípio da precaução, não adotou uma diretriz objetiva quanto a esse ponto. Refere em um primeiro momento que, na maioria dos casos, os consumidores e as associações que os representam é que devem demonstrar o perigo associado a um procedimento ou a um produto colocado no mercado, salvo em relação a medicamentos, pesticidas e aditivos alimentares. No entanto, pondera que, em certas hipóteses, poderá ser exigido que o produtor, o fabricante ou o importador prove a ausência de perigo. Essa possibilidade teria de ser examinada caso a caso, não podendo ser alargada de modo generalizado ao conjunto dos produtos e dos processos colocados no mercado.[45]

É difícil e não recomendável, de fato, estabelecer uma regra uniforme para uma variedade tão grande de situações que podem se apresentar no mundo real. Mesmo assim, alguns critérios minimamente objetivos podem ser previstos.

Há situações em que os riscos são inerentes às atividades ou aos produtos que se pretende desenvolver, porquanto já demonstrados cientificamente à saciedade no decorrer do tempo. São os casos, por exemplo, da instalação de uma usina nuclear ou do desenvolvimento de novos medicamentos. Dada a notoriedade dos riscos e diante da possibilidade da comprovação da segurança da atividade ou do produto, o princípio da precaução impõe que o proponente produza as provas da ausência desses riscos ou de danos ou, caso existentes, de sua natureza e magnitude. Em tais hipóteses, o desempenho da atividade ou a pesquisa, a fabricação ou a comercialização do produto potencialmente danoso depende, via de regra, de autorização prévia do poder público. Essa autorização é justamente o meio pelo qual o Estado analisará se a segurança da nova tecnologia está satisfatoriamente demonstrada.

Em sentido oposto, outras atividades ou produtos, por sua própria natureza, muito dificilmente produzirão riscos ou danos ao meio ambiente ou à saúde. Tome-se como exemplo a fabricação e a venda de roupas de tecido. Em casos tais, presume-se a inofensividade do produto, dispensando-se o fabricante ou o comerciante de comprovar cientificamente a sua segurança. Isso não afasta, entretanto, a possibilidade de terceiros demonstrarem de maneira plausível e com base em indícios científicos a potencialidade danosa do produto ou da atividade. Havendo essa demonstração, o princípio da precaução impõe que o desenvolvedor da atividade ou o fabricante/comerciante do produto comprove a inexistência dos riscos.

As situações extremas são de resolução mais fácil. Os problemas surgem quando uma atividade ou um produto não são notoriamente perigosos, tampouco claramente inofensivos. Nesses casos, é preciso encontrar um ponto de equilíbrio para definir se caberá ao proponente comprovar a segurança da atividade ou do produto, ou aos destinatários comprovar a existência de riscos ou os danos efetivos.

Não há como fugir da casuística. Em cada situação concreta, deve-se investigar se há ao menos indícios factíveis e sérios da potencialidade danosa da atividade/produto. Havendo, o princípio da precaução impõe ao proponente o ônus de comprovar a sua segurança. Não havendo, a responsabilidade de demonstrar ao menos os riscos recai sobre os destinatários. Quanto mais graves forem os danos potenciais, menor deve ser o rigor na análise dos indícios dos riscos. Nessa linha de raciocínio, Schettler e Raffensperger[46] ensinam que (tradução livre):

(...) o ônus da prova é melhor pensado como o ônus da persuasão e da responsabilidade, que evita a afirmação infrutífera de que a segurança absoluta nunca pode ser “comprovada”. Ele reconhece que, à medida que aumentam o potencial de danos graves e irreversíveis e a incerteza científica, o proponente de uma atividade tem uma obrigação crescente de explicar as suas consequências e de se responsabilizar pelos efeitos adversos que dela possam resultar.

Evidentemente, essa proposta de sistematização do ônus da prova está sujeita a regramento legal diverso. No entanto, eventual normatização específica não poderá subtrair do princípio da precaução – que tem matriz constitucional, como será visto adiante – a sua essência. É o que ocorreria, por exemplo, se o agente desenvolvedor da atividade ou do produto fosse eximido de qualquer responsabilidade de comprovar a sua segurança quando a potencialidade danosa fosse evidente.

1.3.4 Normatização e aplicação do princípio da precaução no direito à saúde no Brasil

O princípio da precaução foi concebido e desenvolvido com mais ênfase nas questões ambientais e de segurança alimentar. Ainda assim, seu escopo é, no final das contas, a proteção última da saúde e do bem-estar das pessoas, consideradas tanto individualmente como em sua coletividade (saúde pública). Sem colocar em dúvida o valor intrínseco do meio ambiente, a sua tutela jurídica não se exaure em si mesma. Ela objetiva assegurar que a humanidade e a natureza que a permeia estejam em perfeita harmonia em uma relação de respeito mútuo que torne possível o desenvolvimento sustentável e a garantia de uma vida sadia aos seres humanos.[47] Não há, portanto, como dissociar o princípio da precaução do direito à saúde.

Cumpre, portanto, investigar como referido princípio foi incorporado ao ordenamento jurídico pátrio e quais são as suas implicações no direito sanitário.

A Constituição não fez referência expressa ao princípio da precaução. Contudo, ele pode ser extraído sem maiores dificuldades a partir de várias de suas disposições.

O art. 196 da Constituição, após assegurar a saúde como direito de todos e dever do Estado, determina que as políticas públicas que a asseguram tenham como foco, também, a “redução do risco de doença e de outros agravos”. Note-se bem: não se trata apenas de prevenção de danos, mas de redução de riscos. A norma trabalhou com o conceito de incerteza ao se referir a risco. Além disso, o que se buscou afastar de qualquer risco não foi apenas a doença, mas também outros agravos, ou seja, quaisquer prejuízos à saúde humana. Não é difícil concluir, então, que o princípio da precaução, que tem como escopo justamente impedir o desenvolvimento de atividades ou produtos com potencial de causar danos à saúde, ainda que não comprovados (ou seja, que tragam consigo riscos), encontra guarida na norma constitucional em foco.

Há que se referir, também, o art. 225, § 1º, IV e V, da Constituição, que é o dispositivo comumente mencionado pela doutrina como introdutor do princípio da precaução no âmbito constitucional. Eis o seu teor:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, Estudo Prévio de Impacto Ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

Nos termos do inciso IV, acima citado, basta que a obra ou a atividade seja “potencialmente causadora” de significativos danos ao meio ambiente para que se exija estudo prévio de impacto ambiental, sendo desnecessária a efetiva prova dos danos. Já o inciso V contenta-se com o mero risco para a qualidade de vida para impor o controle da produção, da comercialização e do emprego de técnicas, métodos e substâncias potencialmente danosos.

O princípio da precaução é, outrossim, um desdobramento do princípio constitucional da eficiência da Administração (art. 37 da Constituição), porquanto busca priorizar o impedimento da ocorrência do agravo à saúde, mesmo quando incerto, ao invés de se contentar em tratá-lo, até porque muitas vezes o tratamento sequer será possível.

A precaução também decorre de uma das várias vertentes do princípio da segurança jurídica. A segurança reside, aqui, na garantia de que o Estado tutela a vida e a saúde das pessoas da forma mais eficiente possível, ou seja, inclusive agindo antecipadamente para evitar os riscos à saúde, mesmo quando os danos são ainda incertos, mas possíveis. A segurança, aliás, foi erigida a direito fundamental tanto sob a ótica individual (caput do art. 5º) como social (caput do art. 6º).

A legislação infraconstitucional também contempla, inclusive expressamente, o princípio da precaução. Além do Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento na Conferência das Nações Unidas (Eco-92) e das Convenções sobre a Diversidade Biológica (Decreto nº 2.519/98) e sobre a Mudança do Clima (Decreto nº 2.652/98), já citadas anteriormente, ele foi referido textualmente pelo art. 1º da Lei nº 11.105/2005 (Lei da Biossegurança), que, ao tratar sobre normas de segurança relacionadas a organismos geneticamente modificados, estabeleceu como diretrizes “o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente”.

O princípio da precaução atua fortemente na política de assistência farmacêutica à população, seja a pública, seja a privada.

O art. 16, II, da Lei nº 6.360/76 impõe que, para o registro de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos na Anvisa – o que constitui requisito indispensável para a comercialização em território nacional, salvo hipóteses excepcionais –, é necessária a comprovação científica de sua segurança. Esses produtos estão dentre aqueles cuja potencialidade lesiva à saúde é notoriamente alta. Assim, cabe a quem pretende o registro comprovar de antemão que o produto é seguro para a saúde humana, sem a necessidade de prévios indícios de que haja algum dano decorrente do seu uso ou mesmo de que haja riscos de danos incertos. Além do mais, a mera suspeita de que um daqueles produtos, ainda que já registrado, possa ter efeitos nocivos à saúde humana já é causa suficiente a autorizar a suspensão de sua fabricação e sua venda pelo Ministério da Saúde (art. 7º da Lei nº 6.360/76).

Nessa mesma linha, o art. 19-O, parágrafo único, da Lei nº 8.080/90 determina que os medicamentos ou produtos inseridos nos protocolos clínicos e nas diretrizes terapêuticas do SUS devem ser previamente avaliados quanto à sua segurança. Já o art. 19-Q da mesma lei impõe que a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) avalie, antes da incorporação, as evidências científicas sobre a segurança da tecnologia analisada. Busca-se com isso evitar que os tratamentos oferecidos pelo sistema público de saúde causem mal aos pacientes, ainda que não haja demonstração concreta de potencial prejuízo.

Como referido anteriormente, contudo, o princípio da precaução não impõe que toda nova tecnologia a ser introduzida na sociedade possua “risco zero” à saúde da população. Por ele se pondera, mediante um procedimento de gestão de riscos, quais os potenciais benefícios e os possíveis prejuízos advindos da atividade ou do produto avaliado para que então se decida qual a melhor alternativa a ser adotada (a permissão da nova tecnologia, sua proibição ou a adoção de medidas de controle). É exatamente o que ocorre em relação aos medicamentos.

Com efeito, raramente será encontrado um medicamento que não tenha a possibilidade de causar efeitos colaterais no usuário. Ainda assim, a sociedade e as comunidades médicas e científicas assumem tais efeitos quando eles são notoriamente admissíveis frente aos benefícios que a droga proporcionará à saúde. Quanto maiores forem os benefícios ou mais graves as doenças a serem tratadas, maior a tolerância em relação aos efeitos adversos. Os tratamentos quimioterápicos para o câncer são exemplo claro disso. Mesmo causando efeitos colaterais graves à saúde dos pacientes, admitem-se a sua produção, a sua comercialização e a sua utilização por conta dos possíveis benefícios. Típica ponderação de riscos e benefícios realizada pelo princípio da precaução, portanto. É indispensável, todavia, que os perigos decorrentes da utilização do medicamento estejam bem delineados e sejam claramente informados aos profissionais da saúde e aos pacientes.

O registro, a comercialização e a utilização de agrotóxicos, disciplinados pela Lei nº 7.802/89 e por diversos atos administrativos, também se dão por necessária influência do princípio da precaução. A liberação para uso desses produtos pressupõe prévia autorização do poder público, como ocorre com os medicamentos. Os riscos que oferecem à saúde humana são levantados cientificamente e cotejados com os benefícios que trazem à produção agrícola e ao incremento da produção alimentar. As provas sobre os danos, os riscos ou os benefícios devem ser produzidas antes do registro (aqui incidindo a precaução), sem prejuízo do posterior acompanhamento dos efeitos efetivamente gerados durante sua utilização.

O programa de saúde do trabalhador instituído no âmbito do SUS também é permeado de medidas decorrentes do princípio da precaução. Ele tutela os trabalhadores sujeitos não apenas aos agravos, mas também aos riscos das condições de trabalho (art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.080/90). Abrange, dentre outras medidas, a “avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde” (inciso IV), a “informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho” (inciso V) e a “garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo o ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou a saúde dos trabalhadores”. A proteção, como se vê, é sempre antecipada em tais casos, tutelando a mera existência de riscos, independentemente dos danos efetivamente comprovados.

A saúde do consumidor é outra seara em que o princípio da precaução atua com forte interferência, trabalhando prioritariamente com o afastamento de riscos e independentemente da demonstração de danos concretos. A Lei nº 8.078/90 é repleta de referências à segurança – que traz ínsita a ideia de afastamento de riscos – e à saúde dos consumidores. Dentre elas, seu art. 6º enumera como direitos básicos do consumidor, em primeiro lugar, “a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos” (inciso I). Merece destaque, ainda, o art. 8º da mesma lei, segundo o qual “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição (...)”. Percebe-se, mais uma vez, a caracterização do princípio da precaução como um mecanismo de gestão de riscos, porquanto não afasta a possibilidade de fornecimento de produtos ou serviços perigosos, desde que sejam aqueles normais e previsíveis de acordo com suas características e sua forma de utilização.

2 Os princípios da prevenção e da precaução na jurisprudência do STF sobre direito à saúde

Bem vistos os delineamentos dos princípios da prevenção e da precaução na órbita do direito à saúde, é importante verificar como eles vêm sendo aplicados em casos concretos. Para isso, é bastante interessante a menção a alguns acórdãos do Supremo Tribunal Federal que debateram o tema.

2.1 Importação de pneus usados

Na ADPF 101, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia,[48] o Supremo Tribunal Federal tratou da possibilidade, frente ao ordenamento jurídico constitucional, de importação de pneus usados para aproveitamento como matéria-prima e reciclagem em território brasileiro. A ação foi proposta pelo presidente da República para questionar diversas decisões judiciais que vinham autorizando tais importações e que, segundo a parte-autora, colocavam em grave risco a saúde pública e o meio ambiente porque não existiria método eficaz de eliminação completa dos resíduos de pneumáticos.

Em voto bastante substancioso, a ministra relatora ressaltou que o descarte dos resíduos de pneus usados importados implica riscos à saúde humana e ao meio ambiente de diversas ordens, tais como doenças transmitidas por mosquitos (dengue, febre amarela, malária...), incêndios e poluição decorrente da queima e da liberação de resíduos químicos tóxicos. Frisou que não há método cientificamente seguro de eliminação dos resíduos.

A ministra ponderou os interesses postos em conflito, consignando que:

Na espécie em causa se põem, de um lado, a) a proteção aos preceitos fundamentais relativos ao direito à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cujo descumprimento estaria a ocorrer por decisões judiciais conflitantes; e, de outro, b) o desenvolvimento econômico sustentável, no qual se abrigaria, na compreensão de alguns, a importação de pneus usados para o seu aproveitamento como matéria-prima, utilizado por várias empresas, que, por sua vez, geram empregos diretos e indiretos.

Na análise de todos os valores envolvidos na lide, entretanto, bem concluiu que:

Nem se há negar a imperiosidade de se assegurar o desenvolvimento econômico. Especialmente em dias como os atuais, nos quais a crise econômica mundial provoca crise social, pelas suas repercussões inegáveis e imediatas na vida das pessoas. Mas ela não se resolve pelo descumprimento de preceitos fundamentais, nem pela desobediência à Constituição. Afinal, como antes mencionado, não se resolve uma crise econômica com a criação de outra crise, esta gravosa à saúde das pessoas e ao meio ambiente. A fatura econômica não pode ser resgatada com a saúde humana nem com a deterioração ambiental para esta e para futuras gerações.

Ainda que o voto condutor do julgado tenha feito referências ao princípio da precaução como um dos fundamentos para a conclusão a que chegou, a hipótese é mais propícia à aplicação do princípio da prevenção, porque os efeitos maléficos e os riscos do descarte dos pneus usados à saúde e ao meio ambiente já são bastante conhecidos e claramente identificados pela ciência. Assim, o acórdão firmado pelo STF prestigiou a prevenção no trato da saúde pública ao impedir atividade econômica a ela sabidamente prejudicial.

2.2 Extração e utilização do amianto crisotila

Também aplicando o princípio da prevenção no direito à saúde, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade superveniente da Lei nº 9.055/95, que, em seu art. 2º, autorizou a extração, a industrialização, a utilização e a comercialização do amianto da variedade crisotila (asbesto branco) na forma por ela disciplinada. As decisões se deram na ADI 3.937, de relatoria do Ministro Dias Toffoli,[49] e nas ADIs 3.406 e 3.470, ambas relatadas pela Ministra Rosa Weber.[50]

O Supremo Tribunal Federal considerou que a nocividade do amianto crisotila à saúde humana é atualmente comprovada pela ciência. Conforme constou na ementa do acórdão da ADI 3.937:

Se, antes, tinha-se notícia dos possíveis riscos à saúde e ao meio ambiente ocasionados pela utilização da crisotila, falando-se, na época da edição da lei, na possibilidade do uso controlado dessa substância, atualmente, o que se observa é um consenso em torno da natureza altamente cancerígena do mineral e da inviabilidade de seu uso de forma efetivamente segura, sendo esse o entendimento oficial dos órgãos nacionais e internacionais que detêm autoridade no tema da saúde em geral e da saúde do trabalhador.

O consenso científico em torno da natureza altamente cancerígena do amianto crisotila e a disponibilidade de materiais alternativos à fibra de amianto levaram o STF a concluir, então, pela superveniente inconstitucionalidade da Lei nº 9.055/95 por ofensa ao direito à saúde (arts. 6º e 196, CF/88), ao dever estatal de redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, inciso XXII, CF/88) e à proteção do meio ambiente (art. 225, CF/88).

O sentido das decisões foi impedir um dano à saúde já conhecido e sabidamente advindo da utilização do amianto crisotila, em prestígio ao princípio da prevenção.

2.3 Redução do campo eletromagnético das linhas de transmissão de energia elétrica

Ao julgar o RE 627.189, em que se discutiu a obrigação das concessionárias de energia elétrica de reduzir a intensidade dos campos eletromagnéticos de torres de transmissão, por ser a radiação potencialmente cancerígena, o Supremo Tribunal Federal debruçou-se detidamente sobre o princípio da precaução. Como pano de fundo do julgamento, estavam os possíveis riscos à saúde humana que esses campos poderiam trazer. O voto do Ministro Dias Toffoli, relator do acórdão, é bastante profícuo e minucioso na análise do princípio de que se trata. Para melhor compreensão do tema, vale a pena transcrever a ementa do julgado:

Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Direito Constitucional e Ambiental. Acórdão do tribunal de origem que, além de impor normativa alienígena, desprezou norma técnica mundialmente aceita. Conteúdo jurídico do princípio da precaução. Ausência, por ora, de fundamentos fáticos ou jurídicos a obrigar as concessionárias de energia elétrica a reduzir o campo eletromagnético das linhas de transmissão de energia elétrica abaixo do patamar legal. Presunção de constitucionalidade não elidida. Recurso provido. Ações civis públicas julgadas improcedentes. 1. O assunto corresponde ao Tema nº 479 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na Internet e trata, à luz dos arts. 5º, caput e inciso II, e 225 da Constituição Federal, da possibilidade, ou não, de se impor a concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica, por observância ao princípio da precaução, a obrigação de reduzir o campo eletromagnético de suas linhas de transmissão, de acordo com padrões internacionais de segurança, em face de eventuais efeitos nocivos à saúde da população. 2. O princípio da precaução é um critério de gestão de risco a ser aplicado sempre que existirem incertezas científicas sobre a possibilidade de um produto, evento ou serviço desequilibrar o meio ambiente ou atingir a saúde dos cidadãos, o que exige que o Estado analise os riscos, avalie os custos das medidas de prevenção e, ao final, execute as ações necessárias, as quais serão decorrentes de decisões universais, não discriminatórias, motivadas, coerentes e proporcionais. 3. Não há vedação para o controle jurisdicional das políticas públicas sobre a aplicação do princípio da precaução, desde que a decisão judicial não se afaste da análise formal dos limites desses parâmetros e privilegie a opção democrática das escolhas discricionárias feitas pelo legislador e pela Administração Pública. 4. Por ora, não existem fundamentos fáticos ou jurídicos a obrigar as concessionárias de energia elétrica a reduzir o campo eletromagnético das linhas de transmissão de energia elétrica abaixo do patamar legal fixado. 5. Por força da repercussão geral, é fixada a seguinte tese: no atual estágio do conhecimento científico, que indica ser incerta a existência de efeitos nocivos da exposição ocupacional e da população em geral a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos gerados por sistemas de energia elétrica, não existem impedimentos, por ora, a que sejam adotados os parâmetros propostos pela Organização Mundial de Saúde, conforme estabelece a Lei nº 11.934/2009. 6. Recurso extraordinário provido para o fim de julgar improcedentes ambas as ações civis públicas, sem a fixação de verbas de sucumbência. (RE 627.189, relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 08.06.2016, acórdão eletrônico, repercussão geral – mérito, DJe-066, divulg. 31.03.2017, public. 03.04.2017)

Invocando o princípio da precaução, a parte-autora da ação objetivava que o campo eletromagnético das linhas de transmissão de energia elétrica fosse reduzido a limites inferiores aos máximos previstos na legislação pátria e recomendados pela OMS, mas de acordo com padrões internacionais, especificamente da Suíça.

O que chama a atenção no acórdão em epígrafe é a consideração do princípio da precaução como mecanismo de gestão de riscos, conforme exposto anteriormente. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal não exigiu que fosse demonstrado cientificamente um “risco zero” de danos à saúde com a adoção, pelo ordenamento jurídico pátrio, dos limites do campo eletromagnético recomendados pela OMS, que são superiores ao da Suíça. Bastava, segundo o entendimento adotado, que os riscos e as consequências da manutenção ou da redução dos limites fossem previamente apreciados mediante critérios científicos confiáveis para então serem sopesados e considerados na decisão a ser tomada. Os seguintes trechos do voto do ministro relator são bastante elucidativos quanto ao ponto:

Com o devido respeito, não se mostra correta a afirmativa de que esse princípio (o da precaução) deva ser aplicado quando não comprovado o afastamento total dos riscos efetivos ou potenciais. Isso porque dificilmente existirá um produto ou serviço que possa estar livre de qualquer margem de risco à saúde ou, conforme o caso, ao meio ambiente.

(...)

A legislação brasileira, rememoro, instituiu 83,33 μT (microteslas) como o limite máximo de emissão de campos magnéticos, detectável a um metro e meio do solo. A discussão sobre a segurança desse limite para a saúde do ser humano não é nova em nosso país, tendo-se iniciado em 2007. Em 2009, após amplo debate, os Poderes Executivo e Legislativo optaram por acatar os parâmetros propostos pela Organização Mundial da Saúde, e o país acabou por aprovar a Lei nº 11.934/09.

(...)

Como reiteradamente se manifestaram as partes durante o feito, bem como os especialistas, a caracterização do que é seguro ou não seguro depende do avanço do conhecimento científico. Entretanto, não me parece que existam provas ou mesmo indícios de que o avanço científico na Suíça ou em outros países que não adotam os padrões da OMS esteja além do da maioria dos países que compõem a União Europeia ou do de outros países do mundo que estão a adotar os limites estabelecidos pela OMS e pela ICNIRP. Acentuo, ainda, que esses limites acabaram sendo aceitos em nosso país, inclusive pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), como se verifica na edição da NBR nº 15.415, publicada em 20 de outubro de 2006.

(...)

Portanto, tendo sido adotadas pelo Estado brasileiro as necessárias cautelas, pautadas pelo princípio constitucional da precaução, e tendo em vista que nosso regime jurídico se encontra pautado de acordo com os parâmetros de segurança reconhecidos internacionalmente, não há razão suficiente que justifique a manutenção da decisão objurgada. É evidente que, no futuro, caso surjam efetivas e reais razões científicas e/ou políticas para a revisão do que se deliberou no âmbito normativo, o espaço para esses debates e a tomada de novas decisões há de ser respeitado.

É interessante observar que o julgamento foi precedido de audiência pública em que foram ouvidos representantes do Ministério da Saúde, da Aneel, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e do Ministério de Minas e Energia, além de entidades representativas de profissionais da saúde, universidades, centros de pesquisa e especialistas na área. O procedimento segue a ideia de pluralização do debate, que, como já demonstrado anteriormente, exorbita as questões eminentemente técnicas, de forma que os dados científicos solidamente colhidos servem para uma posterior decisão que muitas vezes terá cunho político, observando-se, evidentemente, a primazia que o direito à vida e à saúde tem em relação aos demais.

2.4 Controle vetorial por meio de dispersão por aeronaves

No julgamento da ADI 5.592/DF,[51] o Supremo Tribunal Federal apreciou a constitucionalidade da norma do art. 1º, § 3º, IV, da Lei nº 13.301/16, que trata de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão por aeronaves para o combate ao mosquito transmissor da dengue, do vírus chikungunya e do vírus da zika. Em síntese, seria a pulverização de veneno contra o mosquito. A Procuradoria-Geral da República afirmava que, além de carecer de provas científicas de sua efetividade, a medida poderia causar prejuízos à saúde e ao meio ambiente.

A relevância do julgamento reside no entendimento do STF de que, em prestígio ao princípio da precaução, não basta que a medida seja previamente autorizada pela autoridade sanitária competente. É necessário, mais do que isso, que a autorização ocorra com base em estudos científicos consistentes que demonstrem a sua segurança para a saúde humana e a eficácia do método.

É interessante observar que o controle vetorial a que se refere a Lei nº 13.301/16 destina-se justamente à prevenção das doenças transmitidas pelo mosquito. Significa dizer que estavam em cotejo dois cenários em que a saúde pública demandava atenção, seja pelos danos causados pelas doenças, seja pelos riscos trazidos pelas medidas de combate. No caso, prevaleceu o entendimento de que o princípio da precaução impunha que se obtivessem evidências científicas seguras acerca do método de controle do vetor antes de sua implementação. É o que se depreende do voto do Ministro Edson Fachin, relator para o acórdão:

De fato, apesar de a lei condicionar a utilização de dispersão de substâncias químicas por aeronaves para combate ao mosquito transmissor do vírus da dengue, do vírus chikungunya e do vírus da zika à autorização da autoridade sanitária e à demonstração da eficácia do método, é mister asseverar que, em se tratando de procedimento que acarreta riscos indubitáveis à saúde humana e ao equilíbrio da fauna e da flora da região na qual eventualmente se dispersarão os venenos, mostra-se inafastável a incidência do princípio da precaução, a orientar o agir do Estado, ainda que se trate de grave epidemia a acometer o país.

Apesar de submeter a incorporação dessa medida à autorização da autoridade sanitária e à comprovação de eficácia da prática no combate ao mosquito, entendo que o legislador assume a positivação do instrumento sem a realização prévia desses estudos, o que pode levar à violação à sistemática de proteção ambiental contida no artigo 225 da Constituição Federal.

(...)

Portanto, para o atendimento do princípio da precaução ambiental – que condiz com a própria manutenção da vida no planeta –, não basta a previsão legal autorizando a medida, ainda que com condicionantes; é imperiosa a garantia da segurança e da eficácia da utilização da técnica, com estudos científicos prévios à própria inclusão na legislação, a fim de que o Estado-legislador corretamente demonstre a inexistência ou a mitigação eficiente dos riscos envolvidos antes de sua positivação.

(...)

Nada obstante, é evidente que não existiu a devida perquirição científica prévia acerca da segurança e da eficácia dessa modalidade de controle da epidemia de doenças causadas pelo mosquito Aedes aegypti.

(...)

Ao contrário, os estudos citados pela Procuradoria-Geral da República e as notas técnicas juntadas à petição inicial, emitidas pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério do Meio Ambiente, demonstram haver incerteza científica no tocante à efetiva segurança da utilização da dispersão aérea de substâncias químicas para o combate ao mosquito Aedes aegypti.

A conclusão do Supremo Tribunal Federal foi, então, a de conferir interpretação conforme ao art. 1º, § 3º, IV, da Lei 13.301/2016, de maneira que a dispersão aérea de veneno só seja feita após prévia comprovação científica de sua eficácia e da ausência de danos à saúde e ao meio ambiente.

2.5 Liberação tácita de comercialização e uso de agrotóxicos

A Portaria nº 43/2020 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/Secretaria de Defesa Agropecuária, nos itens 64 a 68 da Tabela 1 de seu artigo 2º, estabeleceu prazo de 180 dias para a manifestação da autoridade competente sobre o registro de fertilizantes e de 60 dias para agrotóxicos. Na ausência de manifestação conclusiva da Secretaria de Defesa Agropecuária sobre a liberação, considera-se que houve aprovação tácita.

Essas regras foram impugnadas por meio das ADPFs 656 e 658, ambas relatadas pelo Ministro Ricardo Levandowski, cujos acórdãos não foram publicados até a data da conclusão deste trabalho. Ainda assim, as informações extraídas de notícia divulgada pelo Supremo Tribunal Federal[52] foram de que a Corte se valeu do princípio da precaução, diante dos sabidos efeitos nocivos dos agrotóxicos para a saúde e o meio ambiente, para suspender os dispositivos normativos impugnados.

De fato, conforme visto anteriormente, o controle sanitário de medicamentos e agrotóxicos é uma das áreas da saúde pública em que o princípio da precaução mais se faz presente. Dados os notórios riscos que esses produtos oferecem à saúde, a sua liberação para uso pressupõe minuciosa análise técnica e científica acerca dos potenciais danos, o que é evidentemente incompatível com a aprovação tácita.

2.6 Requisição de hospital particular desativado para tratamento da Covid-19

A pandemia da Covid-19 trouxe à tona inúmeras discussões relacionadas à aplicação dos princípios da precaução e da prevenção no âmbito do direito à saúde. Um caso interessante em que a questão foi abordada é o da STP 393, apreciada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli.[53]

O Município de Bom Jesus do Galho/MG requisitou um hospital privado desativado para tratamento de portadores da Covid-19, nos termos do art. 3º, VII, da Lei 13.979/2020, que prevê tal forma de requisição. Havia até então um único caso da doença confirmado na cidade.

Impugnada a medida, o STF, por meio de seu presidente, utilizou o princípio da precaução para mantê-la hígida mesmo diante das incertezas a respeito da forma de propagação do vírus no município, que poderia ou não tornar necessária a utilização dos leitos do hospital requisitado. Vale citar, em relação ao ponto, os seguintes trechos da decisão:

(...) a forma como sua disseminação tem ocorrido velozmente país afora e tem acarretado dramáticas situações na rede pública hospitalar de saúde de diversos municípios demonstra que não parece prudente aguardar uma piora do quadro para a tomada de medidas concretas.

Por outro lado, a forma absolutamente imprevisível como ocorreu o início e a propagação dessa pandemia torna de todo desarrazoado exigir-se, com exacerbado rigor, que medidas emergenciais na área de saúde pública sejam tomadas com base em sólidas evidências científicas ou estratégicas de informações em saúde.

(...)

E o acerto de referida medida administrativa também pode ser referendado pela aplicação, ao caso, do princípio da precaução, o qual, muito embora não se refira, diretamente, à hipótese fática em discussão nestes autos, visto que mais comumente ligado a situações ocorridas em matéria tecnológica e ambiental, impõe que o julgador, em matéria de saúde pública e em face de dúvida sobre qual a melhor solução a tomar, sempre opte por aquela que mais adequadamente atenda aos interesses da saúde pública.

2.7 Campanha publicitária “O Brasil não pode parar”

Também em questão relacionada à pandemia da Covid-19, o Supremo Tribunal Federal foi provocado para se manifestar sobre a campanha publicitária proposta pelo governo federal com o lema “O Brasil não pode parar”. A campanha seria lançada em um momento em que praticamente todas as autoridades sanitárias nacionais e internacionais, inclusive a OMS, recomendavam o isolamento social como medida destinada a amenizar a disseminação descontrolada do vírus, que até o presente momento não pode ser curado por medicamentos nem conta com vacina que o previna.

Preocupado com os efeitos econômicos que o isolamento social traria e na contramão das recomendações das autoridades de saúde pública, o governo federal estimulava a manutenção das atividades cotidianas dos cidadãos e das empresas.

A campanha publicitária foi então impugnada na ADPF 668,[54] sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso. Em uma primorosa decisão cautelar, o ministro considerou que a campanha caminhava em sentido contrário às recomendações da OMS, do Ministério da Saúde, do Conselho Federal de Medicina, da Sociedade Brasileira de Infectologia, além de outras instituições nacionais e internacionais, todas propugnando pelo distanciamento social. Aplicou ao caso os princípios da prevenção e da precaução, “que determinam, na forma da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, na dúvida quanto à adoção de uma medida sanitária, deve prevalecer a escolha que ofereça proteção mais ampla à saúde”.

O ministro assim detalhou seu raciocínio:

Ainda que assim não fosse, que não houvesse uma quase unanimidade técnico-científica acerca da importância das medidas de distanciamento social e mesmo que não tivéssemos a agravante de reunirmos grupos vulneráveis em situações de baixa renda, o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência consolidada no sentido de que, em matéria de tutela ao meio ambiente e à saúde pública, devem-se observar os princípios da precaução e da prevenção. Portanto, havendo qualquer dúvida científica acerca da adoção da medida sanitária de distanciamento social – o que, vale reiterar, não parece estar presente –, a questão deve ser solucionada em favor do bem saúde da população.

Após o deferimento da medida cautelar, o próprio governo federal entendeu por bem não levar a campanha adiante, fazendo com que a ADPF perdesse seu objeto e fosse extinta.

O que é digno de nota no caso ora versado é que os princípios da precaução e da prevenção foram utilizados como parâmetro de controle de uma política pública como um todo que buscava induzir a população a não seguir as orientações de isolamento social preconizadas pelas autoridades sanitárias.

2.8 Responsabilização de agentes públicos por decisões relacionadas à pandemia da Covid-19

Diante de tantas incertezas científicas relacionadas à pandemia da Covid-19, das graves repercussões sanitárias e econômicas que ela trouxe, da necessidade de compatibilização da saúde pública com a economia e das implicações da urgência nas tomadas de providências administrativas das mais diversas ordens para se lidar com o vírus, veio a lume a Medida Provisória nº 966/2020, que “dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da Covid-19”. De acordo com seu art. 1º, a responsabilização dos agentes públicos nas esferas civil e administrativa por decisões concernentes à pandemia depende de ação ou omissão mediante dolo ou erro grosseiro. Já o art. 2º, que foi objeto de impugnação por meio da ADI 6.421,[55] dispõe: “considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.

Parcela dos meios jurídico e político considerou que a medida provisória em questão poderia servir como álibi para a não responsabilização de agentes públicos por decisões descoladas de critérios técnicos, o que levou ao questionamento de seu art. 2º no Supremo Tribunal Federal por meio da referida ADI 6.421. O plenário do STF, acompanhando os termos do Ministro Roberto Barroso, fixou então as seguintes teses:

1. Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde, ao meio ambiente equilibrado ou impactos adversos à economia, por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção. 2. A autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente: (i) das normas e dos critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas; e (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos.

A um só tempo, o Supremo Tribunal Federal reforçou o status constitucional dos princípios da prevenção e da precaução e os vinculou às normas e aos critérios técnico-científicos como parâmetros decisórios fora dos quais os agentes públicos podem ser responsabilizados. Mais do que isso, frisou que esses critérios sejam estabelecidos por “organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas”, tudo a confirmar que os princípios da prevenção e da precaução devem sempre caminhar ao lado da ciência.

Com efeito, tratando-se de princípios constitucionais, a prevenção e a precaução devem balizar a atuação dos agentes públicos, tornando ilícitas as condutas que não os seguem.

Caso emblemático em que a não observância do princípio da precaução causou prejuízos gravíssimos à saúde de muitos cidadãos, ensejando o reconhecimento pelo próprio Estado do dever de indenização, foi o da talidomida.

A droga foi lançada na década de 50 do século passado como antigripal e sedativa. Sem estudos prévios e de longo prazo suficientes em relação à segurança para a saúde humana, atingiu sucesso mundial sob a propaganda agressiva de ser um medicamento seguro e eficaz. Pouco tempo após o início do uso generalizado, ainda no final dos anos 50 e início dos anos 60, começaram a aparecer os primeiros relatos de efeitos colaterais graves, culminando na constatação de malformações congênitas. Como detalhado por Moro e Invernizzi[56]:

Entre as anormalidades ocasionadas pela talidomida estão: perda de audição, alterações oculares, surdez, paralisia facial; malformações na laringe, na traqueia, nos pulmões e no coração; e retardo mental em 6,6% dos indivíduos afetados. A taxa de mortalidade entre as vítimas variou entre 40% e 45%. Entre dez e quinze mil crianças nasceram com as malformações típicas associadas à talidomida no mundo, e 40% delas morreram no primeiro ano de vida (Vianna, Sanseverino, Faccini, 2014).

No Brasil, a talidomida começou a ser comercializada quando já havia notificação de efeitos adversos na Alemanha. A retirada da droga do mercado ocorreu em 1965, quatro anos depois do país europeu. A tragédia causada na saúde pública foi tamanha que a Lei nº 7.070/82 instituiu pensão especial para as vítimas do medicamento. Já a Lei nº 12.190/2010 concedeu indenização por danos morais para as mesmas vítimas, em um reconhecimento claro da responsabilidade do Estado em razão da não observância dos princípios da prevenção e da precaução quando da liberação da droga para uso em território nacional e da sua suspensão tardia.

Conclusões

A prudência é uma virtude que deve acompanhar todas as ações humanas. Ela é especialmente importante no trato da vida e da saúde das pessoas, que são os bens jurídicos mais caros que possuem.

O desenvolvimento científico e tecnológico, ao mesmo tempo que viabiliza o progresso socioeconômico, permite antever consequências negativas ou ao menos vislumbrar riscos de danos decorrentes de certas práticas e acontecimentos. Por outro lado, as próprias inovações tecnológicas podem oferecer riscos à saúde enquanto seus efeitos, sobretudo a longo prazo, não são perfeitamente conhecidos. Nesse cenário, tanto o impedimento de danos certos quanto o afastamento dos riscos de danos incertos ganham especial importância na proteção à vida e à saúde pública.

O princípio da prevenção tem como objetivo evitar a ocorrência de danos conhecidos à saúde. Está previsto expressamente em normas constitucionais e infraconstitucionais relacionadas ao direito à saúde, permeando as mais variadas vertentes do SUS e da saúde suplementar. Encontra-se especialmente presente nas políticas de vigilância sanitária e epidemiológica, de vacinação, de saúde do trabalhador e do consumidor. Na condição de princípio jurídico, impõe padrões de conduta ao Estado e aos particulares. Por outro lado, deve ser harmonizado com outros princípios, observando-se a primazia que o direito à vida e à saúde tem sobre os demais.

Já o princípio da precaução lida com os danos desconhecidos ou incertos de uma atividade ou um produto. Busca afastar os simples riscos, impondo que a mera inexistência de comprovação dos danos ou de sua extensão não sirva como justificativa para a permissão do livre desenvolvimento da atividade ou da comercialização do produto.

Partindo dos pressupostos de que dificilmente será possível chegar-se ao desenvolvimento e à comprovação de atividades com “risco zero” à saúde e de que muitas vezes os benefícios delas advindos podem superar os riscos oferecidos, o princípio da precaução passou a ser largamente utilizado como mecanismo de gestão de riscos. Para que seja bem empregado e atinja os seus reais propósitos, é necessário que esteja sempre pautado por critérios técnicos e científicos rigorosos para a apuração dos riscos, dos potenciais danos (considerados em relação à sua gravidade, à sua probabilidade e à sua extensão) e, por outro lado, dos proveitos que se almeja obter com a nova tecnologia.

A distribuição do ônus da prova quanto à existência dos riscos e à sua extensão na aplicação do princípio da precaução é um tema que enseja intensos debates. Alguns critérios podem ser estabelecidos em relação ao ponto. Pela própria essência do princípio, não há que se exigir a prova de existência de lesividade de uma tecnologia para que se impeça o seu desenvolvimento. Quando há razoáveis indicativos de que ela pode ser perigosa à saúde, cabe ao proponente produzir provas em sentido contrário. Por outro lado, não havendo nenhum indício de riscos, a sua demonstração é de incumbência dos terceiros interessados. Havendo tal demonstração, aí sim se exige do proponente que os afaste. Quanto mais graves ou extensos os possíveis danos, menor deve ser o rigor na apuração dos indícios que farão com que o ônus da prova da inexistência dos danos se volte contra o proponente. A análise é inevitavelmente casuística.

O princípio da precaução encontra guarida nas mais diversas facetas do direito sanitário, já que todo ele é pautado pela busca de “redução do risco de doença e de outros agravos”, nos termos do art. 196 da Constituição. É de visibilidade mais nítida na regulação de medicamentos e agrotóxicos e na política de assistência farmacêutica do SUS, apesar de também estar presente, por exemplo, nos programas de proteção à saúde do trabalhador e do consumidor.

A jurisprudência tem se deparado com inúmeras situações concretas em que os princípios da prevenção e da precaução são diretamente aplicados na interpretação do direito à saúde. O Supremo Tribunal Federal conta com diversas decisões e acórdãos emblemáticos sobre o tema, alguns dos quais aqui elencados em razão de sua relevância como paradigmas a serem observados.

Com este estudo, buscou-se demonstrar a relevância que os princípios da precaução e da prevenção possuem também no direito sanitário, visto que eles são costumeiramente abordados no direito ambiental. Se as considerações aqui tecidas servirem ao menos para que se reflita mais sobre tais princípios quando se trata do direito à saúde, sobretudo neste tempo em que a grave pandemia da Covid-19 escancara a necessidade de atenção às medidas preventivas e acautelatórias no trato com a vida humana, os propósitos deste texto terão sido atingidos.

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[1] BÍBLIA Sagrada: edição de estudos. [S.l.]: Ave Maria, 2018. p. 927.

[2] FERRER, J. J.; ALVAREZ, J. C. Para fundamentar la bioética: teorías y paradigmas teóricos en la bioética contemporánea. Madrid: Universidad Pontificia Comillas, 2003. p. 130.

[3] As diversas concepções éticas e filosóficas do princípio da não maleficência são bem abordadas por PENNA, Moira Maxwell; DUARTE, Ivolethe; COHEN, Cláudio; OLIVEIRA, Reinaldo Ayer de. Concepções sobre o princípio da não maleficência e suas relações com a prudência. Revista Bioética, v. 20, n. 1, p. 78-86, 2012.

[4] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 641.

[5] BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 23.

[6] Ob. cit., p. 26.

[7] Ob. cit., p. 24.

[8] DALLARI, Sueli Gandolfi; VENTURA, Deisy de Freitas Lima. O princípio da precaução: dever do Estado ou protecionismo disfarçado? São Paulo Perspec., São Paulo, v. 16, n. 2, p. 53-63, jun. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392002000200007&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 12 jul. 2020.

[9] “Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.

[10] Reforçando a norma constitucional, o art. 7º, II, da Lei nº 8.080/90 estabelece como princípio das ações e dos serviços públicos em saúde a “integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”.

[11] Dallari e Ventura, no artigo citado na nota 8, acima, traçam uma contextualização histórica bastante interessante sobre a política de higiene pública e sua importância como método preventivo de promoção da saúde.

[12] Dados extraídos da Wikipedia (https://en.wikipedia.org/wiki/Template:COVID-19_pandemic_data) em 01.08.2020.

[13] LARENZ, Karl. Richtiges Recht. München: Beck, 1979. p. 26; LARENZ, Karl. Methodenlehre der

Rechtswissenschaft. 6. ed. München: Beck, 1991. p. 474.

[14] ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 215, p. 151-179, jan./mar. 1999.

[15] DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. 6. imp. Londres: Duckworth, 1991. p. 26. Idem, Is law

a system of rules? In: DWORKIN, R. M. (ed.). The philosophy of law. Oxford: Oxford University Press, 1977. p. 45.

[17] Nesse sentido, Jordan e O’Riordan afirmam que: “Although widely adopted, the precautionary principle has neither a commonly agreed definition nor a set of criteria to guide its implementation. One well-known legal commentator (Fisher, 2002: 13) suggests that there are ‘countless different legal and policy definitions (…) and endless examples of where it has been explicitly put into operation’. Its advocates foresee precaution developing into ‘the fundamental principle of environmental protection policy at [all] scales’ (Cameron & Abouchar, 1991). Sceptics, in contrast, claim that: its popularity derives from its vagueness; there is no single principle but ‘droves of differing versions’ (Stone, 2001); it fails to bind anyone to anything; and it does not resolve any of the deep dilemmas that characterize modern environmental policy-making” (JORDAN, Andrew; O’RIORDAN, Timothy. The precautionary principle: a legal and policy history. In: WORLD HEALTH ORGANIZATION EUROPE. The precautionary principle: protecting public health, the environment and the future of our children. 2004).

[18] WEDY, Gabriel de Jesus Tedesco. Os elementos constitutivos do princípio da precaução e a sua diferenciação com o princípio da prevenção. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 68, out. 2015. Disponível em:
https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao068/Gabriel_Wedy.html. Acesso em: 15 jul. 2020.

[19] JORDAN; O’RIORDAN, ob. cit.

[20] DALLARI, Sueli Gandolfi; VENTURA, Deisy de Freitas Lima. O princípio da precaução: dever do Estado ou protecionismo disfarçado? São Paulo Perspec., São Paulo, v. 16, n. 2, p. 53-63, jun. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392002000200007&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 12 jul. 2020.

[21] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 112.

[22] WEDY, Gabriel de Jesus Tedesco. Os elementos constitutivos do princípio da precaução e a sua diferenciação com o princípio da prevenção. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 68, out. 2015. Disponível em:
https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao068/Gabriel_Wedy.html. Acesso em: 15 jul. 2020.

[23] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

[26] TICKNER, Joel A.; KRIEBEL, David; WRIGHT, Sara. A compass for health: rethinking precaution and its role in science and public health. International Journal of Epidemiology, v. 32, p. 489-492, Aug. 2003. Disponível em: https://doi.org/10.1093/ije/dyg186.

[27] CROSS, Frank B. Paradoxical perils of the precautionary principle. 53 Wash. & LeeL. Rev. 851 (1996). Disponível em: https://scholarlycommons.law.wlu.edu/wlulr/vol53/iss3/2.

[28] Nesse sentido, Tessler consigna que “o postulado da razoabilidade tem aqui grande possibilidade de auxiliar no exame do caso concreto, demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir, ou verificação de equivalência entre direitos e sacrifícios exigidos” (TESSLER, Marga Inge Barth. A justiça e a efetividade na saúde pública. Dissertação (Mestrado em Direito) – Fundação Getúlio Vargas, Escola de Direito do Rio de Janeiro. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/8568/DMPPJ%20-%20MARGA%20TESSLER.pdf?sequence=1. Acesso em: 28 jul. 2020).

[30] Nessa trilha, Gonçalves assevera que “as autoridades públicas terão de intervir para estabelecer os níveis de risco socialmente aceitáveis para uma dada classe de perigos, com base em procedimentos de pesquisa técnica e científica e de debates públicos” (GONÇALVES, Vasco Barroso. O princípio da precaução e a gestão dos riscos ambientais: contribuições e limitações dos modelos econômicos. Ambient. Soc., São Paulo, v. 16, n. 4, p. 121-138, dez. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2013000400008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 16 jul. 2020.

[31] BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 35-36.

[32] Nesse sentido, Dallari e Ventura: “Verifica-se, portanto, a necessidade de investimentos tanto na formação dos pesquisadores, que deverão dominar, também, as ciências sociais na teoria e na prática para serem capazes de comunicar à sociedade os resultados de seus experimentos, quanto na das pessoas em geral, que necessitam conhecer as bases do trabalho científico para poderem escolher o grau de risco ao qual consideram aceitável submeter-se em nome do progresso” (DALLARI, Sueli Gandolfi; VENTURA, Deisy de Freitas Lima. O princípio da precaução: dever do Estado ou protecionismo disfarçado? São Paulo Perspec., São Paulo, v. 16, n. 2, p. 53-63, jun. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392002000200007&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 12 jul. 2020).

[33] COMBA, Pietro; MARTUZZI, Marco; BOTTI, Caterina. The precautionary principle in decision-making: the ethical values. In: WORLD HEALTH ORGANIZATION EUROPE. The precautionary principle: protecting public health, the environment and the future of our children. 2004.

[34] Sobre essas questões, cite-se o estudo conduzido pela National Academies of Science, Engineering and Medicine: https://www.nationalacademies.org/news/2020/07/schools-should-prioritize-reopening-in-fall-2020-especially-for-grades-k-5-while-weighing-risks-and-benefits.

[35] Nesse sentido, o seguinte estudo realizado na Coreia do Sul concluindo que crianças com menos de dez anos têm metade das chances de transmitir a Covid-19: https://wwwnc.cdc.gov/eid/article/26/10/20-1315_article.

[36] TICKNER, Joel A.; KRIEBEL, David; WRIGHT, Sara. A compass for health: rethinking precaution and its role in science and public health. International Journal of Epidemiology, v. 32, p. 489-492, Aug. 2003. Disponível em: https://doi.org/10.1093/ije/dyg186.

[37] Acerca do dever de publicidade das informações consideradas pelo poder público na tomada de decisões, especialmente em questões ambientais: SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental: Constituição, direitos fundamentais e proteção ao ambiente. 5. ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2017.

[38] Nesse sentido: QUIGGIN, John. The precautionary principle and the theory of choice under uncertainty. Artigo apresentado na 48th Annual Conference of the Australian Agricultural and Resource Economics Society, Melbourne, 10-13 February 2004. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/2f08/760f16e7232d596c4f0d22cbb51096b17390.pdf. Acesso em: 16 jul. 2020.

[39] Adotando esse mesmo entendimento acerca do princípio da precaução como norma de decisão: SCHETTLER, Ted; RAFFENSPERGER, Carolyn. Why is a precautionary approach needed? In: WORLD HEALTH ORGANIZATION EUROPE. The precautionary principle: protecting public health, the environment and the future of our children. 2004.

[41] GONÇALVES, Vasco Barroso. O princípio da precaução e a gestão dos riscos ambientais: contribuições e limitações dos modelos econômicos. Ambient. Soc., São Paulo, v. 16, n. 4, p. 121-138, dez. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2013000400008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 16 jul. 2020.

[42] COMBA, Pietro; MARTUZZI, Marco; BOTTI, Caterina. The precautionary principle in decision-making: the ethical values. In: WORLD HEALTH ORGANIZATION EUROPE. The precautionary principle: protecting public health, the environment and the future of our children. 2004.

[43] Quiggin vai além, entendendo que o princípio da precaução seria, inclusive, mais próximo de uma regra de distribuição do ônus da prova do que de um mecanismo de decisão (nesse sentido: QUIGGIN, John. The precautionary principle and the theory of choice under uncertainty. Artigo apresentado na 48th Annual Conference of the Australian Agricultural and Resource Economics Society, Melbourne, 10-13 February 2004. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/2f08/760f16e7232d596c4f0d22cbb51096b17390.pdf. Acesso em: 16 jul. 2020.

[44] PEARCE, Neil. Public health and the precautionary principle. In: WORLD HEALTH ORGANIZATION EUROPE. The precautionary principle: protecting public health, the environment and the future of our children. 2004.

[46] SCHETTLER, Ted; RAFFENSPERGER, Carolyn. Why is a precautionary approach needed? In: WORLD HEALTH ORGANIZATION EUROPE. The precautionary principle: protecting public health, the environment and the future of our children. 2004.

[47] A relação indissociável entre meio ambiente e saúde humana é reconhecida pela própria Constituição Federal, que, em seu art. 200, VIII, elenca como uma das atribuições do SUS a colaboração na proteção ao meio ambiente. A Lei nº 8.080/90 também tem diversas disposições relacionando a saúde à questão ambiental (art. 3º; art. 6º, § 1º; art. 16, IV; art. 17, V; art. 18, VI, dentre outros).

[48] STF – ADPF 101, relator(a): Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 24.06.2009, DJe-108, divulg. 01.06.2012, public. 04.06.2012, Ement. VOL-02654-01, PP-00001, RTJ VOL-00224-01, PP-00011.

[49] STF – ADI 3.937, relator(a): Marco Aurélio, relator(a) p/ acórdão: Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 24.08.2017, acórdão eletrônico, DJe-019, divulg. 31.01.2019, public. 01.02.2019.

[50] STF – ADI 3.406, processo eletrônico, julg. 29.11.2017, UF-RJ, Turma-TP, M. Rosa Weber, n. pág-176, DJe-019, divulg. 31.01.2019, public. 01.02.2019; e ADI 3.470, relator(a): Rosa Weber, Tribunal Pleno, julg. 29.11.2017, processo eletrônico, DJe-019, divulg. 31.01.2019, public. 01.02.2019.

[51] ADI 5.592, relator(a): Cármen Lúcia, relator(a) p/ acórdão: Edson Fachin, Tribunal Pleno, julg. 11.09.2019, processo eletrônico, DJe-051, divulg. 09.03.2020, public. 10.03.2020.

[53] STF – STP 393 MC/MG – Minas Gerais – Relator(a): Min. Presidente – Decisão proferida pelo(a): Min. Dias Toffoli – Julgamento: 22.06.2020 – Publicação: processo eletrônico, DJe-157, divulg. 23.06.2020, public. 24.06.2020.

[54] STF – ADPF 668 MC – Relator: Min. Roberto Barroso – Julgamento: 31.03.2020 – Publicação: 03.04.2020.

[55] STF – ADI 6.421 – Relator: Min. Roberto Barroso – Julgamento: 21.05.2020 – Acórdão ainda não publicado.

[56] MORO, Adriana; INVERNIZZI, Noela. A tragédia da talidomida: a luta pelos direitos das vítimas e por melhor regulação de medicamentos. História, Ciências, Saúde, Manguinhos (Rio de Janeiro), v. 24, n. 3, p. 603-622, jul./set. 2017.

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