Direito Hoje | Os efeitos da renúncia no impeachment
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 Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

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 Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz 

25 de janeiro de 2021

“A disposição constitucional refere-se exclusivamente aos presidentes atuais, não conhece responsabilidade política contra ex-presidentes. E esta, não só aqui, senão em toda a parte, é a doutrina constitucional.

Ao Senado, portanto, não podia ter sido proposta a denúncia contra o Marechal Deodoro, nem sequer poderia ser considerada como objeto de deliberação na Câmara dos Deputados; porque a tentativa dessa espécie de processo contra um presidente destituído, representando a mais extravagante disformidade jurídica, ofenderia disposições expressas da lei e da Constituição Republicana.

Mas nem por isso se segue que qualquer presidente rebelado contra a lei fundamental possa evadir o merecido castigo, renunciando as suas funções. Não; portanto, a única espécie de responsabilidade que por esse artifício evitaria é a política, já satisfeita com a destituição, subsistindo a responsabilidade penal, ante as justiças comuns, pelos atentados contra a organização constitucional do país, os quais têm, no código criminal, severa capitulação e cominações formidáveis.”

Rui Barbosa

 

Com efeito, o instituto do impeachment visa a obstar que a pessoa investida de funções públicas continue a exercê-las em razão da prática de crime de responsabilidade previsto na Lei Federal nº 1.079/50 e que tenha sido cometido in officio.

Na lição de Cooley, o impeachmentis for the purpose of punishing misconduct” (in The general principles of Constitutional Law. 2. ed. Boston: Little, Brown, 1891. p. 165).

Da mesma forma, John Labovitz, ao afirmar que a principal finalidade do impeachmentis to rid the government of a chief executive whose past misconduct demonstrates his unfitness to continue in office” (in Presidential impeachment. New Haven: Yale University Press, 1978. p. 199).

Nos termos do art. 52, I e II, da Constituição Federal, incumbe ao Senado Federal atuar como tribunal de julgamento nos crimes de responsabilidade praticados pelas autoridades ali mencionadas, só podendo proferir decisão condenatória pelo voto de 2/3 da totalidade dos senadores, consoante dispõe o parágrafo único do art. 52 da Constituição.

A única sanção jurídica imponível a esses agentes políticos é a desqualificação funcional, que consiste: I) na perda do cargo; II) na inabilitação temporária, pelo prazo de oito anos, para o exercício de função pública.

Questão constitucional relevante é a possibilidade de se prosseguir, ou não, no processo e no julgamento por crime de responsabilidade dos mencionados agentes políticos, caso esses já tenham renunciado aos cargos que titularizavam.

A resposta só pode ser, evidentemente, pela negativa.

Nesse sentido, o pensamento do Mestre Pontes de Miranda, verbis: “(...) não se instaura processo político, nem cabe prosseguir-se no processo já existente, se o acusado deixa definitivamente as funções que exercia e em virtude das quais tinha foro especial” (in Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1/69. 2. ed. Revista dos Tribunais, 1970. Tomo III. p. 351).

Da mesma forma, o magistério do Ministro Paulo Brossard, verbis: “Tão marcante é a natureza política do instituto que, se a autoridade corrupta, violenta ou inepta, em uma palavra, nociva, desligar-se definitivamente do cargo, contra ela não será instaurado processo e, se iniciado, não prosseguirá” (in O impeachment. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1965. p. 131, n. 99).

Ao proferir voto no HC nº 28.732-PE, anotou o Ministro Philadelpho Azevedo, verbis:

Nos crimes de responsabilidade, os julgamentos de caráter político, determinando impeachment, sempre supuseram a permanência do acusado no posto, pois, deixando-o, cessaria a vigência de princípios excepcionais (Lei nº 27, de 1892, art. 3, João Barbalho, Comentários, p. 213, Carlos Maximiliano, Comentários, § 360), nem esse afastamento excepcional do cargo exclui o julgamento posterior pelos tribunais comuns na aplicação de outras penas (Const. de 37, art. 86, § 1º). (In Um triênio de judicatura. São Paulo: Max Limonad. v. VI. p. 12)

Nesse sentido, ainda, os seguintes autores: Carlos Maximiliano, in Coments. à Constituição Brasileira. 4. ed. Freitas Bastos, 1948. v. II, p. 108-110, n. 334; João de Oliveira Fº, in Legislativo: poder autêntico. Rio de Janeiro: Forense, 1974. p. 434, n. 72; Rui Barbosa, in Obras completas. Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1949. v. XX-1893. Tomo II. p. 72; Gabriel Ferreira, in Revista O Direito, v. 86/468; Galdino Siqueira, in Revista de Direito, v. 27/240; João Barbalho, in Constituição Federal Brasileira – comentários. 2. ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1924. p. 135-6; Aurelino Leal, in Theoria e prática da Constituição Federal Brasileira. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1925. v. I, p. 493-4.

Ao julgar a Ação Penal nº 212-SP, relator o saudoso Ministro Oswaldo Trigueiro, deliberou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 17.11.1971, verbis:

O direito constitucional brasileiro consagra o impeachment, se bem que o faça com limitações que o direito americano desconhece, porque o restringe a pequeno número de agentes do poder (presidente da República e ministros de Estado, ministros do Supremo Tribunal Federal e procurador-geral da República, governadores e secretários de estado, prefeitos municipais).

Esse processo tem por objetivo afastar das funções os titulares daqueles cargos, quando responsáveis por atos contrários aos altos interesses do Estado, definidos, em leis especiais, como crimes de responsabilidade.

Trata-se, assim, de procedimento de natureza política, que deixa de ter cabimento quando o acusado já não esteja no exercício da função. É que não haveria sentido, ou objeto, em promover-se o impedimento de quem, por qualquer motivo, perdeu a titularidade do cargo.

Referindo-se ao presidente da República e aos ministros de Estado, a Lei 1.079-50 estabeleceu que a denúncia, nos processos de impeachment, somente poderia ser recebida enquanto o denunciado não tivesse, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo (art. 15). O princípio é extensivo aos ministros do Supremo Tribunal (art. 42) e bem assim aos governadores e aos secretários de estado (art. 76, parágrafo único). (In RTJ 59/630)

Essa orientação foi reiterada no julgamento do RHC nº 50.154-SP, rel. o eminente Ministro Thompson Flores, in RTJ 63/61.

Nessa ocasião, disse o Ministro Xavier de Albuquerque, verbis:

Os crimes de responsabilidade do presidente da República, de ministros de Estados e governadores, realmente, só podem levar à perda do cargo. Esta é a única pena cominada para tais crimes, e, por isso, creio que bem entendeu o Tribunal, sob a liderança do voto do Sr. Ministro Oswaldo Trigueiro, que, uma vez que o titular já tinha deixado o cargo, não havia mais oportunidade para o processo, no qual não se poderia mais impor a perda do cargo. (In RTJ 63/64)

Nessa esteira, também, o voto proferido pelo eminente Ministro Moreira Alves no MS nº 21.689-DF, julgado pelo plenário da Suprema Corte, verbis:

O Senado, como tribunal especialíssimo e que julga politicamente, pode julgar quem seja um simples cidadão?

O nosso modelo, com relação ao impeachment, foi, sem dúvida alguma, o norte-americano, seguido até no que tem de inexplicável, como a não inclusão, entre os diversos sujeitos passivos dos crimes de responsabilidade (o presidente da República, o vice-presidente e todos os funcionários civis), dos parlamentares, que também podem trair a pátria, crime de responsabilidade para a Constituição americana.

Ora, Sr. Presidente, aqui como lá, o Senado Federal só tem jurisdição para julgar as autoridades, como tais, a que a Constituição expressamente se refere. Basta ler a Constituição brasileira para verificar que os textos sobre o impeachment sempre se referem ao presidente da República, referência que se faz a ele até o momento da condenação.

Portanto, Sr. Presidente, a questão assim colocada é de solução simples.

Esse processo excepcionalíssimo para o exercício de uma jurisdição também absolutamente excepcional só é admissível enquanto a autoridade a ele sujeita pela Carta Magna tenha tal qualificação, pois, deixando de tê-la, se torna um cidadão como qualquer outro, e, portanto, sujeito à jurisdição normal que é a do Poder Judiciário.” (In Impeachment. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 1996. p. 383-4)

Diversa não é a doutrina americana, como se verifica do magistério clássico de Joseph Story, verbis:

If, then, there must be a judgement of removal from office, it would seem to follow, that the constitution contemplated, that the party was still in office at the time of the impeachment. If he was not, his offence was still liable to be tried and punished in the ordinary tribunals of justice. (In Commentaries of the Constitution of the United States. Boston: Hilliard, Gray, 1833. v. II. p. 271)

Nesse sentido, ainda, os seguintes autores: David Watson, in The Constitution of the United States: its history, application and construction. Chicago: Callaghan & Company, 1910. v. I, p. 215; John R. Tucker, in The Constitution of the United States: a critical discussion of its genesis, development, and interpretation. Chicago: Callaghan & Company, 1899. v. I, p. 410, § 199, a.

Realmente, verificando-se a renúncia do acusado ao cargo, impõe-se o arquivamento do processo, se antes do seu julgamento pelo Senado, ou do seu trancamento, se já iniciado, em razão da perda de seu objeto, pois renúncia e impeachment são coisas que hurlent de se trouver ensemble, visto que, despido de sua condição oficial, perdeu a sua qualidade de agente político, e, ademais, inexiste a pena de inabilitação para exercer qualquer outra função pública por oito anos separada da pena de perda do cargo, sendo aquela acessória desta.

Contra legem facit, qui id facit quod lex prohibet: in fraudem vero, qui, salvis verbis legis, sententiam ejus circumvenit.

Essa é a interpretação mais autorizada da Constituição Federal, pois a finalidade precípua do impeachment é levar à perda do cargo por parte do agente político – art. 52, I e II, da Constituição Federal – que cometeu crime de responsabilidade.

Com efeito, ao fixar o sentido do art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal, não cabe ao intérprete distinguir onde a lei não o faz (Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e aplicação do Direito. 6. ed. Freitas Bastos, 1957. p. 306, n. 300), notadamente quando se trata de interpretação constitucional.

Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.

A respeito, pertinente o magistério sempre autorizado de Pontes de Miranda, verbis: “Na interpretação das regras jurídicas gerais da Constituição, deve-se procurar, de antemão, saber qual o interesse que o texto tem por fito proteger. É o ponto mais rijo, mais sólido; é o conceito central, em que se há de apoiar a investigação exegética” (in Comentários à Constituição de 1967 com Emenda nº 1 de 1969. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. Tomo I. p. 302, n. 14).

Outra não é a lição de Story, verbis:

I. The first and fundamental rule in the interpretation of all instruments is, to construe them according to the sense of the terms, and the intention of the parties. Mr. Justice Blackstone has remarked, that the intention of a law is to be gathered from the words, the context, the subject-matter, the effects and consequence, or the reason and spirit of the law.

Adiante, em significativa passagem, acrescenta, verbis:

The constitution of the United States is to receive a reasonable interpretation of its language, and its powers, keeping in view the objects and purposes, for which those powers were conferred. By a reasonable interpretation, we mean, that in case the words are susceptible of two different senses, the one strict, the other more enlarged, that should be adopted, which is most consonant with the apparent objects and intent of the constitution. (In op. cit., v. I, p. 383 e 404, respectivamente)

Ademais, recorde-se o julgado do saudoso Ministro Hahnemann Guimarães ao julgar o RE nº 9.189, verbis:

Não se deve, entretanto, na interpretação da lei, observar estritamente a sua letra. A melhor interpretação, a melhor forma de interpretar a lei não é, sem dúvida, a gramatical. A lei deve ser interpretada pelo seu fim, pela sua finalidade. A melhor interpretação da lei é, certamente, a que tem em mira o fim da lei, é a interpretação teleológica. (In Revista Forense, v. 127/397)

A propósito, convém colacionar, ainda, a precisa lição de Rui Barbosa, verbis:

Na interpretação das leis, diz a jurisprudência inglesa e americana, não lhes devemos atribuir sentido que aniquile ou lese direitos preexistentes, sem que o contexto da disposição traduza manifestamente esse intuito da parte do legislador. Por indução não é permitido fazê-lo.

E, mais adiante, conclui o saudoso jurista, em palavras lapidares, verbis: “Ora, toda interpretação de um ato legislativo que o levar a consequências daninhas e absurdas é inadmissível, se esse texto for suscetível de outra interpretação, pela qual de tais consequências se possa fugir” (in A aposentadoria forçada dos magistrados em disponibilidade. Rio de Janeiro: Typografia do Jornal do Comércio, 1896. p. 65 e 69-70).

Outro não é o ensinamento de Daniel Webster, verbis:

The Constitution, again, is founded on compromise, and the most perfect and absolute good faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable to its preservation. Every attempt to grasp that which is regarded as an immediate good, in violation of these stipulations, is full of danger to the whole Constitution. (In The works of Daniel Webster. Boston: Little, Brown, 1853. v. I, p. 331)

Da mesma forma, John Randolph Tucker, em seu comentário à Constituição norte-americana, verbis:

All acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers, are valid; all beyond bounds are “irritum et insane” – null and void. Government, therefore, has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal. Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. It cannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyond the prescribed limits. (In The Constitution of the United States. Chicago: Callaghan, 1899. p. 66-7, § 54)

Ora, o impeachment visa à remoção do agente político que cometeu crime de responsabilidade, definido como tal em lei federal especial, não se justificando a sua instauração ou o seu prosseguimento contra aquele que já não ostenta tal condição, ou seja, quando o acusado não esteja mais no exercício da função, em face da natureza eminentemente política do procedimento.

É no sentido exposto o pensamento do Ministro Celso de Mello expresso ao votar no já citado MS nº 21.689-DF, verbis:

Tenho para mim que o Senado Federal somente dispõe de jurisdição constitucional nos crimes de responsabilidade atribuídos ao presidente da República, para efeito de imposição da sanção prevista no art. 52, parágrafo único, da Carta Política, enquanto o chefe do Poder Executivo estiver in officio.

Torna-se impositivo, desse modo, para que se legitime a válida aplicação da sanção constitucional, que, no momento da prolação do juízo condenatório, não haja cessado – qualquer que tenha sido o motivo – a investidura do denunciado no mandato presidencial.

A validade da condenação senatorial, pois, está condicionada, no plano das relações jurídicas instauradas com o processo de impeachment, à preservação, pelo presidente da República, do mandato executivo que lhe foi conferido.

Sem que haja, portanto, essa necessária relação de contemporaneidade entre o exercício do ofício presidencial e a prolação do juízo condenatório pelo Senado da República, não se legitima a concreta atuação da norma inscrita no art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal. Nesse contexto, a atualidade do mandato presidencial revela-se pressuposto indisponível e necessário à validade jurídico-constitucional do veredicto condenatório do Senado.

É por isso que a cessação do mandato presidencial – mesmo quando motivada pelo ato de renúncia do chefe do Poder Executivo da União – atua como fator de anômala extinção do processo de impeachment. A perda da condição jurídica de presidente da República faz cessar, pleno jure, a legitimidade passiva do denunciado no processo de impeachment, o que inibe, por inarredável efeito consequencial, o exercício, pelo Senado Federal, de sua atípica função jurisdicional. (In op. cit., p. 353-4)

É oportuno, para concluir, colacionar as sábias palavras de William Bennett Munro, verbis: An impeachment is at best a cumbrous and costly proceeding (...) that should never be called into use except as a last resort” (in The Government of the United States. 3. ed. New York: Macmillan, 1933. p. 291).

Nessa linha, também, Raoul Berger, em monografia já consagrada, verbis:

The chief lesson which emerges from the Johnson trial is that impeachment of the President should be a last resort. Inevitably it becomes colored by party spreen, however justified in purpose; an attempt should first be made to accomplish that purpose by less explosive means. (In Impeachment: the constitutional problems. Harvard University Press, 1974. p. 299)

Linguagem semelhante é empregada pelo Ministro Paulo Brossard, verbis:

No processo de impeachment não é fácil estabelecer limites entre o discricionário e o não discricionário, tão entremeadas são as questões com uma e outra características, alternadamente postas em relevo por quem entre a analisar o instituto.

(...)

A publicidade hoje organizada em moldes de apurada eficiência, capaz de, em instantes, criar impactos profundos na opinião pública da nação inteira, mediante poderosas máquinas de difusão dos fatos, e, distorcendo-os, viciar o julgamento popular; a utilização deformada e deformadora de grupos sociais poderosos, outrora inexistentes ou inatuantes, para agitar, convulsionar, paralisar a nação; apenas estes dois fatores atuando, durante meses, evidenciam que o velho instituto, instrumento de violências e instrumento de progresso, noutro tempo eficiente e saneador, não tem mais condições para acompanhar o ritmo dos tempos modernos.

Quando o Estado era um esboço do que é hoje e o processo de impeachment se desdobrava entre as quatro paredes de uma sala, dele tomando conhecimento alguns poucos; quando as comunicações se realizavam por mensageiros que se deslocavam em diligências ou barcos a vela; ao tempo em que a imprensa não existia ou em que os jornais, que começavam a surgir, eram lidos por diminuto número de pessoas, o país podia suportar, sem maior prejuízo, um processo de impeachment, a arrastar-se por meses ou anos a fio.

(...)

Suponha-se um presidente desabusado, violento, agressivo, inescrupuloso, corruptor, que recorra aos imensos poderes e recursos sobre os quais o governo tem mão, e com eles desencadeie luta contra o Congresso – numeroso, contraditório, dividido, demorado em seus movimentos e suas decisões – e ter-se-á ideia do que pode ser um processo de responsabilidade: um conflito tanto mais áspero quanto mais perniciosa seja a autoridade processada, pois é manifesto que ela não assistiria impassível e resignada ao desenrolar de sua condenação (...) Antes que o processo chegasse em meio, teria ela levado o país à desordem, à violência, à convulsão, ao caos, ao pânico. Teria incendiado o país, ou estaria deposta. E malogrado o processo.

(...)

Incapaz de solucionar as crises constitucionais, o impeachment, paradoxalmente, contribui para o agravamento delas. O instituto que, pela sua rigidez, não funciona a tempo e a hora, chega a pôr em risco as instituições, e não poucas vezes elas se estilhaçam. (In op. cit., p. 183/194-5 e 197)

Ante o exposto, infere-se, resumidamente:

1º) o impeachment somente pode ser instaurado contra as autoridades referidas nos incisos I e II do art. 52 da Constituição Federal;

2º) em face de sua natureza política e excepcional, visando, primordialmente, a obstar que a pessoa investida de funções públicas continue a exercê-las, em razão da prática, in officio, de crime de responsabilidade, o impeachment pressupõe a permanência do agente político no cargo. A sua renúncia impõe o arquivamento do processo, se ainda não instaurado, ou o seu trancamento, se já iniciado;

3º) a pena de inabilitação temporária para o exercício de função pública é acessória da perda do cargo;

4º) ao Senado incumbe, apenas, o julgamento, em jurisdição excepcional, nos crimes de responsabilidade, enquanto a autoridade a ele sujeita pela Constituição possua tal qualificação, pois, deixando de tê-la, torna-se um cidadão comum, sujeitando-se à jurisdição normal do Poder Judiciário;

5º) As constituições estaduais, ao disporem sobre o impeachment, deverão observar, fielmente, o estabelecido pela Carta Federal, pois, em se tratando de matéria que se prende estritamente à distribuição de competência dos poderes, é certo que o direito estadual é modelado pelo texto federal, sem que lhe altere um mínimo de substância.

Vale aqui o oportuno magistério de Hans Haug, quando assevera, verbis:

Constituem, além disso, limitações heteronômicas de revisão constitucional as normas das constituições federais, não só onde se consagre, em relação às constituições dos estados-membros, o princípio de que o direito federal quebra o direito estadual, mas ainda, especialmente, onde se estabeleçam condições materiais de validade para as cartas políticas dos estados. (Heteronome Schranken der Verfassungsrevision bilden weiter die Normen der Bundesverfassungen im Verhältnis zu den Gliedstaatsverfassungen, einmal gemäß dem Prinzip: Bundesrecht bricht Gliedstaatenrecht, besonders deutlich aber in jenem Falle, wo die Bundesverfassung den Verfassungen der Gliedstaaten inhaltliche Gültigkeitsbedingungen stellt.) (In Die Schranken der Verfassungsrevision. Zurich: Schulthess, 1947. p. 178, II, 1)

Nesse sentido, deliberou o eg. Supremo Tribunal Federal, em julgado de 21.10.1970, relator o saudoso Ministro Barros Monteiro, ao julgar a Representação nº 826-MT, in RTJ 57/358. Esse precedente foi reiterado no julgamento da Representação nº 999-AM, rel. o Ministro Cordeiro Guerra, in RTJ 90/1.

Diversa não é a lição do direito americano, consoante o ensinamento de Percy Ashley, verbis:

Le trait le plus frappant de l’organisation municipale des États-Unis est ensuite la tendance à reproduire les principes et les méthodes du gouvernement fédéral et du gouvernement des États, et particulièrement cette séparation des pouvoirs exécutif et législatif, qui est un trait si caractéristique des constitutions américaines. (In Le pouvoir central et les pouvoirs locaux. Traduzido por L. Martin. Paris: Marcel Giard, 1920. p. 177)

 

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