Direito Hoje | A definição da competência processual por algoritmo
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Oscar Valente Cardoso
Juiz Federal, Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, professor em cursos de pós-graduação

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 Oscar Valente Cardoso 

03 de maio de 2021

Resumo

O artigo analisa as regras de competência territorial na Justiça Federal e a possibilidade de sua definição dentro da área de uma seção judiciária, isto é, de todo o estado ou o Distrito Federal. Examina a adoção da tecnologia e o uso da inteligência artificial no Judiciário brasileiro e a regulamentação da reestruturação e a especialização de competências (e a equalização da carga de trabalho) das unidades judiciárias de primeira instância da Justiça Federal da 4ª Região. Conclui que a definição da competência territorial por algoritmo está de acordo com o princípio do juiz natural e observa as regras legais de competência. São utilizadas as pesquisas documental (estudo de leis e outras normas jurídicas) e bibliográfica (especialmente na delimitação do conceito de inteligência artificial).

Palavras-chave: Competência processual. Código de Processo Civil. Código de Processo Penal. Inteligência artificial. Algoritmo.

Abstract

This article analyzes the rules of territorial jurisdiction in the Brazilian Federal Courts and their definition within the area of ​​a judiciary section, that is, of the state or the Federal District. It examines the adoption of technology and the use of artificial intelligence in the Brazilian Judiciary and the regulation of restructuring and specialization of competences (and the equalization of work) in the judicial units of the Federal Court of the 4th Region. It concludes that the definition of territorial jurisdiction by an algorithm enforces the principle of the natural judge and observes the legal rules of jurisdiction. It uses documentary research (study of laws and other legal norms) and bibliographical research (especially in the delimitation of the concept of artificial intelligence).

Keywords: Procedural competence. Civil Procedure Code. Criminal Procedure Code. Artificial intelligence. Algorithm.

Sumário: Introdução. 1 Inteligência artificial no Judiciário. 2 Definição da competência no processo: aspectos principais. 3 Competência territorial na Justiça Federal: aspectos especiais. 4 Regionalização e definição da competência territorial por algoritmo na Justiça Federal da 4ª Região. Conclusão. Referências.

Introdução

Quais são os limites do uso da automatização de atos e da inteligência artificial no Judiciário?

Essa pergunta deverá ser repetida várias vezes durante os próximos anos, em virtude da introdução dessas e de outras ferramentas tecnológicas no Judiciário brasileiro.

A aceleração forçada da informatização dos serviços e dos sistemas processuais do Judiciário ocorrida em 2020 e 2021 (em virtude das medidas de isolamento e dos problemas de saúde pública causados pela pandemia da COVID-19), associada à redução orçamentária e do quadro de pessoal (entre outras restrições derivadas da Emenda Constitucional nº 95/2016, sobre o Novo Regime Fiscal), levou à ampliação do uso da tecnologia nos processos judiciais.

A identificação de processos repetitivos, o enquadramento da petição inicial no assunto correto, a verificação de hipóteses de julgamento de improcedência liminar do pedido inicial (art. 332 do CPC) e até mesmo a sugestão de minuta de decisão para o caso são algumas das aplicações práticas da automatização de atos e da inteligência artificial nos processos judiciais.

Além dessas medidas, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região utiliza a inteligência artificial para definir a competência territorial do processo com base em algoritmo, o que será examinado neste artigo, a partir do estudo da utilização da inteligência artificial no Judiciário, da definição da competência no processo e das peculiaridades da competência territorial na Justiça Federal.

1 Inteligência artificial no Judiciário

A inteligência artificial (IA) consiste na simulação, pela máquina, da capacidade humana de pensar e agir. Na definição genérica de John McCarthy, é a ciência e a engenharia de criar máquinas inteligentes, especialmente programas de computador inteligentes.[1] Ainda, conforme Elaine Rich, “inteligência artificial é o estudo de como fazer com que os computadores façam coisas nas quais, no momento, as pessoas são melhores”.[2] Trata-se de uma solução tecnológica para a prática de determinadas tarefas que são realizadas de uma forma considerada inteligente, ou seja, a ferramenta de tecnologia (aplicativo, software, sistema etc.) tem a aptidão de perceber o contexto do ambiente, o comando e a situação para definir uma ou algumas respostas mais adequadas. Sem entrar nas dificuldades da definição de inteligência,[3] em resumo, a IA compreende o aprendizado (prévio e/ou constante) e a solução de problemas.

Entre as espécies de tecnologia de inteligência artificial estão:

(a) os algoritmos: uma sequência prévia de instruções a ser observada na realização de uma sequência de operações, para resolver um problema ou cumprir uma tarefa, entre outras ações;

(b) a aprendizagem de máquina (machine learning): consiste na aptidão de um programa, aplicativo ou outra ferramenta tecnológica para aprender independentemente de acompanhamento ou programação posterior (trata-se de uma espécie dos sistemas de aprendizado). A máquina é programada para coletar e processar dados, realizar análises estatísticas (com o uso de algoritmos, de agentes ou de outras técnicas), a fim de desempenhar as funções para as quais foi desenvolvida (por seres humanos); e

(c) as redes neurais artificiais: também são espécies de sistemas de aprendizado que simulam neurônios humanos, com a análise de uma base de dados, o processamento dos dados e das informações extraídas deles por meio da interconexão dos neurônios artificiais.

Essas ferramentas não se confundem entre si e não são sinônimos de inteligência artificial, mas sim formas diferentes e possíveis de executá-la. Em outras palavras, um sistema de aprendizado de máquina é uma espécie de IA, mas nem toda inteligência artificial é baseada em aprendizado de máquina (o que vale igualmente para algoritmos, redes neurais artificiais e outras espécies, como o deep learning).

Entre as diversas formas de aplicação da IA, ela pode ser utilizada para o reconhecimento de padrões (como a comparação de casos e a proposta de decisões semelhantes para casos similares) e até mesmo passar por um processo de aprendizagem constante (de forma supervisionada ou não), a fim de corrigir erros, identificar situações novas ou diferenciadas e alterar ou adaptar o seu comportamento para casos futuros (as correções humanas realizadas após as soluções propostas pela máquina são incorporadas e observadas nos próximos eventos).

A partir dessa delimitação conceitual, passa-se à análise da competência territorial na Justiça Federal e de sua definição por um algoritmo.

2 Definição da competência no processo: aspectos principais

No processo civil, o art. 44 do CPC contém a base normativa da competência, que é regulada na Constituição, no CPC e em leis especiais, entre outras normas (especialmente os regimentos internos dos tribunais). O tratamento e a definição da competência possuem múltiplas fontes, porque envolvem tratados internacionais e leis internas, a Constituição, leis federais e leis estaduais.

A partir das normas de competência interna, pressupõe-se que o Brasil tem jurisdição sobre o caso e se busca definir quem no país deve julgar.

A classificação da competência interna foi criada por Giuseppe Chiovenda, que a dividiu em três critérios: objetivo (que compreende a matéria ou a natureza da causa e o valor da causa), funcional (com base na natureza especial das funções que o magistrado exerce no processo) e territorial (define a região territorial de atuação de cada órgão jurisdicional).[4]

A partir dessa classificação, a competência interna é dividida na legislação processual brasileira em quatro grandes critérios, na seguinte sequência:

(a) funcional e hierárquico;

(b) material;

(c) valorativo; e

(d) territorial.

Os critérios devem ser analisados nessa ordem, e se, ao final, existir mais de um juiz competente, a competência é fixada pela distribuição, ou seja, pelo sorteio.

O critério funcional ou hierárquico leva em consideração a pessoa (ratione personae), principalmente sob o aspecto funcional, e serve para definir as hipóteses de ações originárias e de foro privilegiado e para identificar as situações de acessoriedade ou dependência. Trata-se do primeiro critério a ser analisado, porque define se a competência é de um juiz de primeira instância ou de um tribunal.

O critério material é o preponderante na definição de qual ramo do Judiciário será competente (Eleitoral, Trabalhista, Federal e Estadual e, eventualmente, a Justiça Militar, de competência cível muito restrita). O Judiciário brasileiro é nacional, razão pela qual as normas se aplicam a todos os ramos, inclusive na Justiça Estadual.

A competência da Justiça Federal está prevista no art. 109 da Constituição e se baseia em dois elementos da ação, que são a parte (hipótese mais comum, independentemente da matéria) e a causa de pedir (independentemente da parte). Por isso, todos os processos em que a União for parte, por exemplo, são de sua competência, independentemente do assunto (salvo algumas exceções, previstas na Constituição). O tema do processo pode ser importante para definir a competência da Justiça Federal, mas, por outro lado, a presença de determinada pessoa jurídica de direito público como parte atrai a competência independentemente daquele. Entre os exemplos de causas de pedir que atraem a competência da Justiça Federal estão o da ação fundada em tratado internacional (art. 109, III, CF), ou a disputa sobre direitos indígenas (art. 109, XI, CF). Quando for atraída pelo critério parte (art. 109, I, da Constituição), as Súmulas nº 42 do STJ e nº 556 do STF ressaltam que não compete à Justiça Federal julgar sociedade de economia mista federal, porque não prevista na Constituição (ex.: Banco do Brasil e Petrobras). Ainda, o art. 109, I, CF, traz quatro exceções, que afastam a competência da Justiça Federal mesmo que as pessoas nele referidas sejam partes: matéria trabalhista (competência da Justiça do Trabalho), matéria eleitoral (competência da Justiça Eleitoral), falência e recuperação judicial (competência da Justiça Estadual) e acidente de trabalho (competência da Justiça Estadual). Essas exceções são repetidas pelo CPC, em seu art. 45, I.

O critério valorativo está baseado no valor da causa, que reflete principalmente na definição dos juizados especiais cíveis, estaduais (Lei nº 9.099/95), federais (Lei nº 10.259/2001) e da Fazenda Pública (Lei nº 12.153/2009). O teto dos juizados especiais estaduais cíveis é de 40 salários mínimos (competência relativa, na vigência do CPC/73, mas que passou a ser absoluta com o CPC/2015, em virtude da ausência do procedimento sumário), enquanto nos juizados especiais federais e da Fazenda Pública é de 60 salários mínimos (competência absoluta).

Por sua vez, o critério territorial, previsto nos arts. 46/53 do CPC, estabelece a competência com base no local considerado mais adequado para a prestação jurisdicional, que pode ser o local da ocorrência dos fatos, da situação dos bens ou do domicílio de uma das partes (entre outros fixados em lei).

No processo penal, as regras de competência são parcialmente similares àquelas do processo civil.

Existem três critérios para a definição da competência penal:

(a) funcional ou hierárquico (arts. 84/87 do CPP), que leva em consideração a pessoa (ratione personae), isto é, o réu, principalmente sob o aspecto funcional. Esse critério serve para definir as hipóteses de ações originárias e de foro privilegiado;

(b) material, que é o critério preponderante na definição de qual ramo do Judiciário será competente (Eleitoral, Federal, Militar e Estadual); e

(c) territorial (arts. 69/74 do CPP), que se baseia no território (da ocorrência do fato típico ou do domicílio do agente).

Portanto, o critério territorial é utilizado para a definição da competência nos processos civil e penal (após a definição de eventual competência funcional, do ramo do Judiciário competente e da definição do procedimento com fundamento no valor da causa), com o objetivo de distribuí-la entre órgãos judiciais em um determinado território.

3 Competência territorial na Justiça Federal: aspectos especiais

Na Justiça Federal, o art. 11 da Lei nº 5.010/66 (Lei de Organização da Justiça Federal) prevê que a competência territorial compreende toda a seção judiciária: “A jurisdição dos Juízes Federais de cada Seção Judiciária abrange toda a área territorial nela compreendida”.

A seção judiciária equivale ao território de um estado ou do Distrito Federal (art. 3º da Lei nº 5.010/66), logo, a distribuição da competência territorial na Justiça Federal não se limita aos municípios integrantes da subseção judiciária, mas abrange todos os municípios do estado.

Em complemento, o art. 42 da Lei nº 5.010/66 prevê que os atos e as diligências nos processos de competência da Justiça Federal podem ser praticados em qualquer localidade da seção judiciária pelos juízes ou por seus auxiliares, por meio de ofício ou mandado.

Essas regras possuem fundamento constitucional: desde a Constituição de 1946, definiu-se que “cada Estado ou Território, assim como o Distrito Federal, constituirá uma Seção Judiciária, que terá por sede a respectiva Capital. Lei Complementar poderá criar novas Seções” (art. 118, § 1º).

Essa abrangência estadual (ou seccional) da competência territorial da Justiça Federal se repetiu nas Constituições de 1946 (art. 105, § 1º), de 1967 (art. 118, § 1º) e de 1969 (art. 124).

A regra se mantém no art. 110 da Constituição de 1988: “Cada Estado, bem como o Distrito Federal, constituirá uma seção judiciária que terá por sede a respectiva Capital, e varas localizadas segundo o estabelecido em lei”.

Em consequência, há uma área territorial ampliada na Justiça Federal, que, por ter sido inicialmente criada com varas federais instaladas nas capitais dos estados, compreende (até hoje) todo o território da seção judiciária, equivale à área de cada estado ou do DF.

Por isso, a jurisdição dos juízos federais de cada seção judiciária pode ser (em tese) exercida em toda a área territorial nela inserida, que compreende o território estadual. Isso não significa que cada juiz federal pode exercer as suas funções em todo o estado, mas sim que, na distribuição da jurisdição em áreas de competência territorial, o tribunal pode dividi-la em um município, em alguns municípios ou em todos os municípios do estado.

Por essa razão, por exemplo, foi possível a especialização de varas criminais da Justiça Federal nos crimes de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro Nacional, instituída pela Resolução nº 314/2003 do Conselho da Justiça Federal. A norma autoriza a criação de varas federais com competência especializada nos crimes citados, o que, com base na divisão territorial em seções judiciárias, levou à criação de unidades judiciárias nas três capitais dos estados que compõem a 4ª Região da Justiça Federal, competentes sobre toda a extensão de cada seção judiciária.

O Conselho Nacional de Justiça já apreciou a questão sob a perspectiva da regionalização de plantão e afastou a alegação de inconstitucionalidade dos atos impugnados (provimentos do Tribunal de Justiça do Mato Grosso que vinculavam os juízes de plantão a um polo regional, formado por mais de uma comarca): “(...) 4. O plantão judiciário não viola o princípio do juiz natural por ser regra que tem fundamento de validade no texto constitucional (artigo 93, inciso XII, e artigo 96, inciso I, alínea a, ambos da Constituição Federal) (...)” (PCA 0002321-81.2013.2.00.0000, rel. Conselheira Gisela Gondin Ramos, j. 23.09.2013, 175ª Sessão Ordinária).

Da mesma forma, o CNJ decidiu que os tribunais têm competência para dispor sobre especialização de varas, porque se trata de matéria inerente à organização judiciária:

(...) a proposição de criação de novas varas, a distribuição de funções e competências entre os órgãos jurisdicionais, bem como a alteração da organização e da divisão judiciárias são de incumbência privativa dos tribunais, obedecendo ao juízo de conveniência e oportunidade orientado por cronogramas de trabalho elaborados a partir de critérios técnicos e ordens prioritárias de atividades. (...) (PCA 0000595-04.2015.2.00.0000, rel. Conselheiro Carlos Augusto de Barros Levenhagen, j. 01.12.2015, 4ª Sessão Virtual)

Ao apreciar a regulamentação da matéria na Justiça Federal, o Supremo Tribunal Federal afastou a ocorrência de violação ao princípio do juiz natural pela Resolução nº 10-A do TRF da 5ª Região, que definiu a especialização de competências de varas federais para processar e julgar crimes praticados contra o Sistema Financeiro Nacional, de lavagem de dinheiro e de ocultação de bens e valores: “(...) Se causa penal não entra na competência especializada de juízo, por força de expressa ressalva de resolução do TRF, não há incompetência por reconhecer” (HC 96.027/PE, 2ª Turma, rel. Min. Cezar Peluso, j. 10.02.2009, DJe 07.05.2009).

Portanto, o STF entende que a especialização de varas criminais não viola o princípio do juiz natural (no mesmo sentido: HC 88.660/CE, Pleno, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 15.05.2008, DJe 05.08.2014; HC 91.024/RN, 2ª Turma, rel. Min. Ellen Gracie, j. 05.08.2008, DJe 21.08.2008).

Ainda, ao analisar a competência criminal especializada definida por resolução do TRF da 4ª Região, a Suprema Corte declarou a constitucionalidade do ato normativo: “(...) 2. Especialização de vara federal por resolução emanada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Constitucionalidade afirmada pelo Pleno desta Corte. Ausência de ofensa ao princípio do juiz natural. (...)” (HC 94.188/SC, 2ª Turma, rel. Min. Eros Grau, j. 26.08.2008, DJe 16.10.2008).

Logo, a especialização de competências processuais ocorre em observância ao princípio constitucional do juiz natural, conforme a interpretação conferida pelo STF e pelo CNJ ao art. 5º, XXXVII e LIII, da Constituição.

4 Regionalização e definição da competência territorial por algoritmo na Justiça Federal da 4ª Região

Com fundamento na abrangência estadual da competência territorial na Justiça Federal, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região iniciou em 2018 o projeto de reestruturação de competências (e a equalização da carga de trabalho) das unidades judiciárias de primeira instância da Justiça Federal na Região.

A Resolução nº 45/2018 da Presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em vigor a partir de 1º de junho de 2018, iniciou a reestruturação e a especialização de competências (e a equalização da carga de trabalho) das unidades judiciárias de primeira instância da Justiça Federal da 4ª Região.

Ainda, no mesmo ano, esse ato foi revogado pela Resolução nº 101/2018, que regulamentou a matéria de forma mais detalhada, inclusive com a especificação das regras de redistribuição de processos.

A Resolução nº 101/2018 previu a especialização por matéria (nas competências cível, criminal, execução fiscal e previdenciária) das unidades judiciárias das subseções judiciárias com mais de uma vara federal, de forma gradativa e com base em critérios de conveniência e oportunidade para a administração da organização judiciária.

Os fundamentos que levaram à especialização regionalizada de competências e à equalização da distribuição processual são o aumento da eficiência da prestação jurisdicional, o cumprimento otimizado das Metas Nacionais do Judiciário, a efetividade do princípio constitucional da duração razoável do processo e o desenvolvimento de tecnologias aplicadas ao processo eletrônico.

Na sequência, as Resoluções nos 102/2018, 43/2019 e 48/2019 da Presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região definiram a especialização regionalizada da competência das varas federais e a distribuição da equalização da carga de trabalho nas Seções Judiciárias de Santa Catarina, do Paraná e do Rio Grande do Sul, respectivamente.

Ainda, a Resolução nº 101/2018 foi revogada pela Resolução nº 42/2019 da Presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que é a norma base em vigor sobre a especialização, a regionalização de competências e a equalização das cargas de trabalho dos órgãos judiciários de primeira instância.

A regra de funcionamento da equalização da carga de trabalho é descrita pelo art. 3º da Resolução nº 42/2019:

Art. 3º A equalização da distribuição mediante auxílio recíproco e permanente entre Varas Federais especializadas de Subseções distintas dar-se-á dentro de cada grupo, observando-se o seguinte:

§ 1º Os processos serão sempre distribuídos para a unidade judiciária competente e, após, redistribuídos para a unidade de auxílio.

§ 2º No final de cada ciclo de equalização será efetuado o cálculo do auxílio, com a apuração dos seguintes dados do período do ciclo:

I – A distribuição ajustada de cada juízo, que corresponde à contabilização de todos os processos recebidos pelo juízo, somados os recebidos por redistribuição e descontados os remetidos por redistribuição. Os processos redistribuídos em razão de auxílio e por alteração de competência do órgão não são contabilizados na distribuição ajustada.

II – O fator “K”, que corresponde à relação entre as médias dos últimos seis meses das distribuições das varas previdenciárias e cíveis especializadas da Seção Judiciária.

III – A distribuição ajustada ponderada de cada juízo, que corresponde à soma da distribuição previdenciária com a distribuição cível multiplicada pelo fator “K”.

IV – A distribuição ajustada ponderada média dos juízos de cada grupo de equalização, que corresponde à soma das distribuições ajustadas ponderadas de todos os juízos do grupo pela quantidade de juízos do grupo.

V – A diferença entre a distribuição ajustada ponderada de cada juízo e a distribuição ajustada ponderada média do grupo.

VI – No caso de juízos participantes de grupos de equalização previdenciários, a diferença apurada no inciso anterior será somada ao contador de auxílio de cada juízo.

VII – No caso de juízos participantes de grupos de equalização cíveis, a diferença apurada no inciso V será dividida pelo fator “K” e somada ao contador de auxílio de cada juízo.

§ 3º Estando o contador de auxílio do juízo positivo, a cada processo recebido, o processo subsequente será redistribuído para os demais juízos de seu grupo de equalização que estejam em condições de prestar auxílio (contador de auxílio negativo), observando a prioridade de redistribuição estabelecida pela Corregedoria.

§ 4º Ao redistribuir um processo em razão de auxílio, é decrementado um do contador de auxílio do juízo que redistribuiu o processo e incrementado um no contador de auxílio do juízo que recebeu por redistribuição.

§ 5º Presente situação excepcional, a Corregedoria poderá estabelecer temporariamente redutor na participação no auxílio a ser prestado pela unidade judiciária.

Há duas medidas diferentes estabelecidas nos atos normativos citados:

– a criação de varas federais regionalizadas especializadas em execuções fiscais e processos criminais (ou seja, unidades que compreendem o território de mais de uma subseção judiciária dentro de uma seção judiciária), que recebem com exclusividade (quando houver apenas uma vara na seção com determinada competência, como, por exemplo, a execução criminal) ou por distribuição os processos de sua competência;

– a definição de grupos regionalizados (em cada seção judiciária) de varas federais especializadas em matéria previdenciária e cível (isto é, toda matéria cível não previdenciária), que recebem os processos de sua competência de acordo com a distribuição realizada por algoritmo.

O art. 3º da Resolução nº 101/2018 estabelecia um limiar de distribuição mensal por juízo das varas federais especializadas, apurado e redefinido em periodicidade mensal.

Esse limiar de distribuição mensal foi substituído por um novo critério de distribuição, descrito no citado art. 3º da Resolução nº 42/2019: o fator K, que apura a relação entre as médias dos últimos seis meses das distribuições das varas previdenciárias e cíveis especializadas da seção judiciária.

Com isso, busca-se equilibrar a carga de trabalho nas varas federais da 4ª Região e realizar uma distribuição isonômica de processos, a partir da incidência do algoritmo na apuração do fator K e na definição da unidade jurisdicional competente por ele, com o sorteio e a distribuição dos processos em uma determinada competência territorial cível de acordo com a carga de trabalho de cada vara federal.

É importante ressaltar que essa carga de trabalho é apurada com base na distribuição de processos, e não no acervo, ou seja, leva em consideração a quantidade recebida por cada unidade judiciária (e não aquela efetivamente gerida), o que estimula a boa gestão e a eficiência.

Ainda, a distribuição de processos com base no fator K observa a transparência, a partir de uma dupla distribuição (art. 3º, § 1º, da Resolução nº 42/2019):

– o processo é inicialmente distribuído para a vara federal com competência territorial dentro dos municípios que integram a subseção judiciária; e

– com fundamento na aplicação do fator K, pode ser redistribuído para outra vara federal com competência territorial dentro dos municípios que integram o grupo da mesma competência regionalizada, dentro da seção judiciária.

Quando isso ocorrer, haverá uma identificação clara no cadastro do processo de que a demanda foi corretamente proposta na subseção judiciária competente (no critério territorial), mas foi redistribuída pelo algoritmo para outra vara federal, de outra subseção judiciária, inserida dentro da região territorial competente para processar, conciliar e julgar aquele conflito na seção judiciária.

Por fim, destaca-se que existem algumas exceções de determinados processos que são computados pelo fator K, mas que não são redistribuídos pelo algoritmo, em eventual excedente da unidade judiciária. Nesse sentido, por exemplo, não podem ser redistribuídas as ações civis públicas, as ações de improbidade administrativa, as ações populares, os processos das competências agrária, imobiliária e saúde, e todos os processos de competência das unidades avançadas de atendimento (art. 5º da Resolução nº 42/2019).

Conclusão

Há uma preocupação do Judiciário e, especialmente, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em aplicar o desenvolvimento tecnológico na facilitação da prática dos atos processuais e na redução ou na eliminação das tarefas burocráticas no processo. Busca-se, desse modo, converter os avanços e as facilidades criados pela tecnologia e pela inovação em benefícios no acesso e na efetividade da justiça.

Viu-se que existe uma área territorial ampliada na Justiça Federal, que compreende todo o território de cada estado ou do Distrito Federal, para a definição da competência.

Logo, a especialização de competências processuais observa o princípio constitucional do juiz natural, de acordo com a interpretação do STF e do CNJ sobre o art. 5º, XXXVII e LIII, da Constituição.

As Resoluções nos 45/2018 e 101/2018, seguidas pelas Resoluções nos 102/2018, 43/2019 e 56/2019 e, ainda, pela Resolução nº 42/2019 (todas da Presidência do TRF4), organizam a especialização e a regionalização de competências, ao lado da equalização da distribuição processual e das cargas de trabalho das unidades judiciárias de primeira instância da Justiça Federal na 4ª Região.

A especialização regionalizada de competências e a equalização da distribuição processual na Justiça Federal da 4ª Região têm fundamento no aumento da eficiência da prestação jurisdicional, no cumprimento otimizado das Metas Nacionais do Judiciário, na efetividade do princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição) e no desenvolvimento de tecnologias aplicadas ao processo eletrônico.

Além disso, permitem a maior eficiência da gestão de processos e da prática de atos processuais, distribuem de forma proporcional a carga de trabalho entre magistrados e servidores, utilizam de forma adequada a prática de atos processuais permitida pelo processo eletrônico e até mesmo asseguram a segurança jurídica e a consequente previsibilidade das decisões judiciais (a partir de sua estabilidade, integridade e coerência), entre outras vantagens.

A extensão territorial da competência na Justiça Federal, que compreende toda a área de uma seção judiciária, isto é, de um estado ou do Distrito Federal, permitiu a criação não apenas de varas especializadas (com competência em uma determinada matéria sobre todo o território da seção), mas também da regionalização de competências (criação de grupos de varas em determinadas regiões de cada seção) e da equalização da carga de trabalho (com a distribuição equilibrada de processos para as varas federais do mesmo grupo regional).

A reestruturação de competências na primeira instância da Justiça Federal da 4ª Região, com a criação de varas federais regionalizadas especializadas em execuções fiscais e processos criminais (com competência sobre o território de mais de uma subseção judiciária, dentro de uma seção judiciária) e a definição de grupos regionalizados (em cada seção judiciária) de varas federais especializadas em matéria previdenciária e cível (isto é, toda matéria cível não previdenciária), é reflexo das vantagens e das facilidades advindas do processo eletrônico e da informatização dos serviços judiciários (como, por exemplo, o balcão virtual, a realização de audiências e de sessões de julgamento virtuais e telepresenciais).

De modo mais específico, a possibilidade da definição da competência territorial de acordo com a distribuição realizada por algoritmo é mais um avanço da aplicação da inteligência artificial no Judiciário, que, como visto, reflete diretamente na melhoria da prestação jurisdicional.

Referências

CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzioni di Diritto Processuale Civile. v. II. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1934.

McCARTHY, John. Defending AI research: a collection of essays and reviews. Stanford: CSLI Publications, 1996.

RICH, Elaine. Artificial intelligence. McGraw-Hill, 1983.

TEGMARK, Max. Life 3.0: being human in the age of artificial intelligence. New York: Alfred A. Knopf, 2017.

 

[1]The goal of AI is to understand intelligence well enough to make intelligent computer programs. It studies problems requiring intelligence for their solution and identifies and programs the intellectual mechanisms that are involved. AI has developed much more as a branch of computer science and applied mathematics than as a branch of biology. Mostly it develops, tests and makes theories about computer programs instead of making experiments and theories in psychology or neurophysiology” (McCARTHY, John. Defending AI research: a collection of essays and reviews. Stanford: CSLI Publications, 1996. p. 49).

[2] No original: “Artificial Intelligence is the study of how to make computers do things at which, at the moment, people are better” (RICH, Elaine. Artificial intelligence. McGraw-Hill, 1983).

[3] Sobre o assunto, vide as possibilidades de definição de inteligência, memória, computação e aprendizado no capítulo 2 de: TEGMARK, Max. Life 3.0: being human in the age of artificial intelligence. New York: Alfred A. Knopf, 2017.

[4] CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzioni di Diritto Processuale Civile. v. II. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1934. p. 129-131.

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O projeto Direito Hoje, da Emagis, tem o objetivo de trazer mais dinamismo à divulgação da produção textual dos magistrados, com a publicação online de artigos que abordem questões emergentes no Direito nacional e internacional.

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