Direito Hoje | Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças
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Edilson Vitorelli

Procurador da República, Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, Mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Visiting Scholar na Stanford Law School, Visiting Researcher na Harvard Law School, Pesquisador Visitante no Max Planck Institute for Procedural Law, Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Escola Superior do Ministério Público da União

 
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 Edilson Vitorelli 

18 de outubro de 2021

Resumo [1]

Este artigo pretende esclarecer os conceitos de litígio coletivo, processo coletivo, litígio estrutural, processo estrutural, decisão e execução estrutural, processo de interesse público e processo estratégico. O texto parte dos conceitos desenvolvidos pelos teóricos norte-americanos e os submete à tipologia dos litígios coletivos, com o objetivo de contextualizar essas construções. O objetivo principal é demonstrar que tais expressões, embora usualmente tratadas como sinônimas, têm significados próprios e origens distintas. Espera-se que o esclarecimento conceitual contribua para facilitar o estudo dos respectivos institutos.

Palavras-chave: Processo estrutural. Processo de interesse público. Processo coletivo.

Abstract

The present paper aims to clarify the concepts of collective disputes, class actions, structural disputes, structural litigation, structural injunctions, public interest litigation and strategic litigation. We apply our typology of collective disputes to the original North-American concepts, in order to better contextualize them. The main purpose is to demonstrate that these expressions, although frequently referred as if they were identical, actually have specific meanings and different origins. The expected result is to produce clearer concepts that may simplify studies regarding the respective institutes.

Keywords: Structural litigation. Public interest litigation. Collective redress.

1 Proposta

Nos últimos tempos, diversos processualistas vêm direcionando seus esforços para o estudo e a elaboração de propostas para regular o chamado processo coletivo estrutural ou, de modo sintético, processo estrutural.[2] O resultado mais palpável desse interesse talvez seja a apresentação do Projeto de Lei nº 8.058/2014, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, o qual se destina a regular “o controle e a intervenção em políticas públicas pelo Poder Judiciário” e dispõe, já em seu art. 2º, parágrafo único, que o processo, nesse caso, terá características “estruturais, a fim de facilitar o diálogo institucional entre os poderes”.

Todavia, o que significa dizer que um processo é estrutural? Todo processo que pretende interferir em políticas públicas é um processo estrutural? E todo processo estrutural é um processo coletivo? Trata-se de conceitos superpostos? Por outro lado, alguns autores se referem a processos de interesse público. Essa expressão também seria equivalente às anteriores? Como esses conceitos se relacionam com os conceitos de litígios coletivos e de processos coletivos? E o que seriam processos estratégicos? O objetivo do presente artigo é propor um marco teórico conceitual para solucionar essas dúvidas.

A análise enfocará, primariamente, os conceitos estabelecidos pela doutrina norte-americana, da qual se originaram. Apesar disso, cabe mencionar que, mesmo nos Estados Unidos, há controvérsias em sua compreensão. Há autores que tratam as expressões como sinônimas ou que não se preocupam em firmar definições. Antes de pretender um engessamento linguístico, a proposta deste artigo é consolidar as concepções, para permitir que o conhecimento do objeto ao qual se referem se faça de modo mais proveitoso.

2 Conceito de litígio coletivo

O primeiro conceito que demanda esclarecimento é o de litígio coletivo. Litígios são conflitos relativos a interesses juridicamente relevantes. Em inglês, os litígios são referidos como disputes. Litígio coletivo é o conflito de interesses que se instala envolvendo um grupo de pessoas, mais ou menos amplo, sendo que essas pessoas são tratadas pela parte contrária como um conjunto, sem que haja relevância significativa em qualquer de suas características estritamente pessoais. É isso que distingue o litígio coletivo dos litígios individuais. O litígio coletivo se instala quando um grupo de pessoas é lesado enquanto sociedade, sem que haja, por parte do adversário, atuação direcionada contra alguma dessas pessoas, em particular, mas contra o todo.

Nesses termos, quando um alfaiate lesa dez de seus clientes, o que existe é uma dezena de litígios individuais, decorrentes de relações que se estabelecem e se desenvolvem isoladamente, com cada um deles. Mesmo que a lesão ocorrida nos dez eventos seja idêntica, não se tratará de um litígio coletivo, já que, como as relações se desenvolvem intuitu personae, essa identidade decorrerá de cadeias causais distintas, não de uma decisão geral, que incide sobre todos os contratos. Por outro lado, quando uma empresa produtora de alimentos em larga escala reduz o seu controle de contaminação e permite que insetos sejam misturados aos seus produtos,[3] atingindo os respectivos compradores, o litígio é coletivo, uma vez que a cadeia de eventos da qual ele decorre não se relaciona com qualquer daqueles consumidores que adquiriram os produtos, mas com a coletividade de clientes da empresa. Essas pessoas se envolvem no litígio enquanto grupo, enquanto sociedade.[4]

Em obra anterior,[5] demonstrou-se que o conceito de sociedade admite, para os estudiosos da Sociologia, múltiplas acepções. Naquela ocasião, definiu-se a sociedade como estrutura, a sociedade como solidariedade e a sociedade como criação.[6] Transpondo esses conceitos para o campo do Direito, sustentou-se que a sociedade que titulariza os direitos coletivos também pode ser referida a partir de distintas acepções.

Assim, a sociedade como estrutura é a que titulariza direitos que são lesados de modo pouco significativo do ponto de vista de cada um dos indivíduos que a compõem, ainda que, do ponto de vista global, a lesão seja juridicamente relevante. Em regra, pode ser difícil identificar com precisão quem são os membros do grupo e, mesmo que não seja, essa identificação é, em regra, pouco relevante, já que seu interesse individual em jogo é reduzido. Como eles são pouco afetados, não estão suficientemente interessados em intervir nos rumos de um eventual processo, por isso se diz que tal litígio tem baixa conflituosidade entre os membros do grupo. Os litígios que apresentam essas características são denominados litígios coletivos globais. Em outras palavras, litígios coletivos globais são aqueles que afetam a sociedade de modo geral, mas que repercutem minimamente sobre os direitos dos indivíduos que a compõem. Apresentam baixa conflituosidade, tendo em vista o pouco interesse dos indivíduos em buscar soluções para o problema coletivo.

Em oposição a esse primeiro conceito está o de litígio coletivo local, que é aquele em que o litígio, embora coletivo, atinge pessoas determinadas, em intensidade significativa, capaz de alterar aspectos relevantes de suas vidas. Essas pessoas, todavia, compartilham algum tipo de laço de solidariedade social (sociedade como solidariedade), que as faz pertencentes a uma comunidade que se diferencia dos demais segmentos sociais. É o caso de lesões graves causadas a direitos de grupos indígenas, minorias étnicas, trabalhadores de determinada empresa etc. No litígio local, a conflituosidade é moderada, uma vez que, ao mesmo tempo que as pessoas querem opinar sobre a resolução do litígio, interessando-se pelas atividades que são desenvolvidas ao longo de um eventual processo e, provavelmente, discordando entre si acerca delas, a identidade de perspectivas sociais, dada pelo pertencimento à mesma comunidade, fornece um elemento de união, que impede que as divergências entre essas pessoas, embora existentes – nenhum grupo social é uniforme –, sejam elevadas o bastante para ofuscar o objetivo comum.

Finalmente, o terceiro tipo se refere aos litígios coletivos irradiados. Essa categoria representa a situação em que as lesões são relevantes para a sociedade envolvida, mas ela atinge, de modo diverso e variado, diferentes subgrupos que estão envolvidos no litígio, sendo que entre eles não há uma perspectiva social comum, qualquer vínculo de solidariedade. A sociedade que titulariza esses direitos é fluida, mutável e de difícil delimitação, motivo pelo qual se identifica com a sociedade como criação.

O litígio decorrente do desastre ambiental de Mariana, ocorrido em 5 de novembro de 2015, é o exemplo prototípico de um litígio coletivo irradiado. Nesses casos, a conflituosidade é elevada, uma vez que as pessoas sofrem lesões significativas o bastante para querer ter suas vozes ouvidas, mas essas lesões são distintas em modo e intensidade, o que potencializa as diferenças em suas pretensões. A sociedade está em conflito não apenas com o causador do dano, mas também consigo mesma.

Embora o desastre de Mariana seja posterior ao desenvolvimento original do conceito de litígio irradiado, os estudos empíricos do caso demonstram a presença das características previstas pela teoria.[7] Os subgrupos sociais atingidos pela tragédia divergiram frontalmente acerca do modo como a tutela jurisdicional para o caso deveria ser buscada, rompendo com a ideia, tradicionalmente defendida, de que os direitos coletivos são indivisíveis e de que a satisfação de um significa, automaticamente, a satisfação de todos, como tradicionalmente pensava a doutrina brasileira do processo coletivo.[8]

É importante mencionar que, além da conflituosidade, outro indicador que varia entre os diferentes litígios coletivos é a complexidade. São denominados litígios coletivos simples aqueles em que a providência reparatória, que provê tutela ao direito material violado, é de fácil definição, de modo a não despertar maiores dúvidas. Por exemplo, se consumidores foram lesados por uma cobrança maior, o litígio é simples. A tutela jurisdicional pode ser obtida pela restituição do valor. Por outro lado, o modo de tutelar a lesão ao meio ambiente decorrente do desastre de Mariana é altamente complexo. Há inúmeras possibilidades, todas com relações variáveis de custo-benefício. A análise, no caso dos litígios complexos, se afasta significativamente do binômio lícito-ilícito e se aproxima, inevitavelmente, de considerações que dependem de inputs políticos, econômicos e de outras áreas do conhecimento. Os problemas são policêntricos e sua solução não está preestabelecida na lei, o que acarreta grandes dificuldades para a atuação jurisdicional.[9]

Os litígios irradiados sempre são complexos, uma vez que as características não uniformes da lesão implicam elevadas dificuldades para apreender o modo como a sua reparação pode ser realizada. Litígios locais e globais podem ser simples ou complexos, dependendo das circunstâncias. Por exemplo, um litígio global relacionado ao aquecimento global é complexo, enquanto aquele relacionado a pequenas lesões ao mercado consumidor é simples. A complexidade é um importante indicador que condiciona o modo de exercício da representação da sociedade no processo coletivo, caso ele venha a existir.[10] Apesar dessa variação, a complexidade dos litígios globais tende a ser baixa, dado o desinteresse das pessoas em buscar e apresentar soluções alternativas, enquanto a dos litígios locais tende a ser alta, uma vez que os integrantes da comunidade estão dispostos a buscar e a defender possibilidades alternativas de tutela jurisdicional do direito violado.

Em conclusão, litígios coletivos são aqueles que existem no contexto de uma relação jurídica titularizada por uma sociedade, não por indivíduos isoladamente considerados. Essa sociedade é vista como estrutura, quando é altamente homogênea, como solidariedade, quando tem laços marcantes de solidariedade entre seus membros, e como criação, quando é fluida e mutável.[11] Os litígios coletivos podem ser globais, locais ou irradiados, de acordo com as características da lesão que os ocasiona.

3 Processo coletivo

Em um mundo globalizado, em que as relações jurídicas são predominantemente massificadas, a ocorrência de litígios coletivos é inevitável. Qualquer país viverá situações em que distintas acepções de sociedade, formadas por seus habitantes, se verão envolvidas em litígios que não derivam de relações jurídicas individualizadas, mas coletivas. Mais que isso, como observa Michele Taruffo, “no atual mundo globalizado, a administração da justiça e a proteção de direitos não podem ser consideradas – como tem sido até agora – como questões pertencentes apenas à soberania pós-wesphaliana de Estados-nação”.[12] Nesse sentido, os litígios coletivos podem ser – e, em muitos casos, efetivamente são – transnacionais. Basta pensar no aquecimento global, que talvez seja o mais importante litígio coletivo ambiental da atualidade, que não está afeto ao sistema jurídico de nenhum país, especificamente. As tentativas que têm sido feitas para tratar o problema estão na esfera do direito internacional.

Se os litígios coletivos são necessários, o processo coletivo, por outro lado, é contingente. A existência de processos coletivos depende do ordenamento jurídico de cada país. Diversos países europeus não contam com sistemas processuais coletivos ou, quando os têm, eles se limitam a algumas áreas do Direito. Assim, por exemplo, tanto na Itália quanto na Espanha, a regulamentação do processo coletivo se limita, basicamente, a um dispositivo legal, vinculado apenas ao direito do consumidor. Na Itália, trata-se do art. 140-bis do Código de Consumo[13] e, na Espanha, do art. 11 do Código de Processo Civil.[14]

Isso não significa, por óbvio, que os litígios coletivos, nesses países, só existam em matéria de consumo. Significa apenas que o ordenamento jurídico não colocou à disposição das partes instrumentos processuais civis para obter a tutela coletiva em outras searas. Litígios coletivos em matéria de saúde ou de educação, por exemplo, serão resolvidos pelo Direito Administrativo, com a atuação de órgãos e entidades governamentais, ou pelo processo individual. Litígios ambientais estarão afetos ao Direito Penal e assim por diante.

Mesmo no Brasil, que tem um sistema processual coletivo bastante amplo, ele não está disponível para todos os litígios, ainda que coletivos. O parágrafo único do art. 1º da Lei da Ação Civil Pública exclui a incidência do processo coletivo sobre os litígios que versem sobre questões tributárias, relacionadas a contribuições previdenciárias ou a fundos institucionais cujos beneficiários podem ser individualmente identificados, como é o caso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Apesar disso, é muito mais provável que os litígios tributários e previdenciários sejam coletivos, não individuais. Afinal, o Estado impõe exações tributárias, em regra, à sociedade de contribuintes que se encontrem em determinada situação, não a pessoas singularmente escolhidas.

Nesse quadro, os conceitos de processo coletivo e de litígio coletivo não são sinônimos, nem se relacionam, necessariamente. O processo coletivo é a técnica processual colocada à disposição da sociedade, pelo ordenamento, para permitir a tutela jurisdicional dos direitos afetados pelos litígios coletivos. Se essa técnica não existir, os litígios coletivos serão tratados por outras técnicas processuais, de acordo com o sistema de cada país.

Via de regra, o processo coletivo foi moldado, nos diversos países em que foi adotado, por intermédio de técnicas representativas: algum sujeito que não titulariza o direito material, ou, pelo menos, não titulariza a totalidade dele, é legitimado pela ordem jurídica para conduzir um processo cuja decisão, ao final, terá efeitos sobre a sociedade titular do direito litigioso.[15] O processo coletivo rompe, assim, com a lógica tradicional do “day in court”. É a tese, não o sujeito, que será submetida ao tribunal.[16]

No Brasil, os litígios coletivos podem ser processados coletivamente, na forma das disposições que compõem o microssistema processual coletivo, principalmente a Lei da Ação Civil Pública e a parte processual (arts. 81 a 104) do Código de Defesa do Consumidor. É de se recordar também a existência de disposições quanto ao processo coletivo na Consolidação das Leis do Trabalho, na Lei do Mandado de Segurança, na Lei da Ação Popular, na Lei de Improbidade Administrativa, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Estatuto do Idoso, dentre outros. O sistema de formação de precedentes obrigatórios também pode servir para solucionar litígios coletivos. Quando a decisão de um processo define uma questão de direito com efeitos para toda uma sociedade, entendida como estrutura, como solidariedade ou como criação, poderá proporcionar soluções para litígios coletivos.[17]

Observe-se que, mesmo que exista, no ordenamento jurídico, a possibilidade de ajuizamento de ações coletivas, elas podem não ser propostas, e o litígio, embora coletivo, pode acabar sendo tratado em processos individuais. Isso ocorre no Brasil nas diversas situações que se convencionou chamar de litigância de massa ou litigância repetitiva. Um exemplo emblemático é a do litígio decorrente dos limites das prestações devidas pelo Sistema Único de Saúde. Embora esse litígio seja claramente coletivo, uma vez que a saúde pública é um serviço oferecido a todos, em igualdade de condições, a interpretação que se produziu do princípio da inafastabilidade da jurisdição permitiu que fossem ajuizados milhões de ações requerendo, individualmente, medicamentos ou tratamentos médicos.[18] Tanto é assim que o sistema de precedentes obrigatórios, estabelecido pelo Código de Processo Civil de 2015, prevê, em diversas disposições, que os precedentes, ainda que formados em processos individuais, se aplicam também aos processos coletivos,[19] denotando que a solução atribuída ao caso individual pode ser extensível a um processo coletivo, exatamente porque ambos podem incidir sobre o mesmo litígio. O texto do CPC também reconhecia expressamente essa possibilidade no art. 333, vetado, que permitia a conversão de ação individual em coletiva.

O contrário também é possível. Litígios puramente individuais podem ser tratados em processos coletivos, quando o ordenamento assim permite. O Código de Defesa do Consumidor autoriza que sejam propostas ações coletivas para tutelar direitos individuais homogêneos, que são aqueles decorrentes de “origem comum”. Dependendo de como se interpreta essa origem comum – e Sérgio Arenhart já demonstrou que tal interpretação não é unívoca[20] –, será possível permitir que os clientes lesados pelo alfaiate sejam tutelados em uma ação proposta por uma associação de consumidores, ainda que seus litígios sejam individuais.

Em sentido análogo, o STJ e o STF vêm permitindo, ainda que sem unanimidade,[21] o processamento de habeas corpus coletivos, que pretendem tutelar a liberdade de grupos de presos, como foi o caso das presas mães de filhos menores.[22] Apesar da aceitação, pelos tribunais, do (discutível[23]) instrumento processual coletivo, os litígios, nesses casos, são claramente individuais, uma vez que cada uma dessas mulheres tinha sido presa por uma ordem judicial distinta, por crimes diversos e em situações carcerárias completamente diferentes. A liberdade dessas pessoas não foi cerceada enquanto grupo, coletivamente.

Também é preciso perceber que, embora o litígio coletivo usualmente decorra de a sociedade ter sofrido uma lesão, é possível, em alguns casos, que ela seja a causadora da lesão. É o que ocorre, por exemplo, quando um grupo de trabalhadores organizados causa danos ao seu empregador, ou quando um grupo social, organizado pela Internet, realiza manifestações violentas, que lesam o direito de indivíduos.

Em alguns países, como é o caso dos Estados Unidos, o ordenamento jurídico fornece à vítima uma ferramenta para processar a sociedade, que é a ação coletiva passiva (defendant class action). Um representante adequado é apontado pelo autor para assumir a defesa do grupo e, caso ele seja derrotado, as consequências poderão ser impostas aos integrantes da sociedade, ainda que eles não tenham tido oportunidade de intervir no processo.

Apesar de alguns autores entenderem que essa possibilidade existe também no Brasil,[24] já se demonstrou, em outro estudo, que não há condições, de acordo com o ordenamento vigente, para que um representante possa ser processado e, caso seja derrotado, o vencedor imponha a condenação aos ausentes, que não puderam participar do processo. A interpretação que se faz, presentemente, dos limites subjetivos da coisa julgada e da cláusula constitucional do devido processo legal impedem esse resultado.[25] Assim, ao litígio coletivo passivo, no Brasil, não corresponde uma ação coletiva passiva. É bom mencionar que, mesmo nos Estados Unidos, a atenção e o entusiasmo da doutrina com a modalidade passiva das class actions são consideravelmente reduzidos.[26]

Em síntese, o processo coletivo é a técnica que o ordenamento jurídico coloca à disposição da sociedade para obter tutela dos direitos materiais violados no contexto de litígios coletivos. Esse processo se desenvolve por intermédio da atividade de um representante, que figura como parte, mas litiga em nome dos verdadeiros titulares do direito. Embora o processo coletivo seja a melhor forma de se prestar tutela jurisdicional para os litígios coletivos, ele pode não ser a única, ou pode mesmo não estar disponível, dependendo do ordenamento jurídico de cada país. Da indisponibilidade de um sistema processual coletivo não se pode extrair a inexistência de litígios coletivos, que são inerentes à organização social moderna. Eles serão resolvidos por outras vias, jurisdicionais ou não.

No Brasil, embora o processo coletivo esteja disponível, é comum que litígios coletivos sejam tratados por múltiplos processos individuais. Apesar de lícita, essa alternativa prejudica a qualidade e a economicidade da prestação jurisdicional, propicia julgamentos contraditórios, em prejuízo ao princípio da isonomia, e impede que o problema seja solucionado como um todo, a partir da consideração completa de seus elementos.

4 Litígios estruturais

Conforme foi possível notar pela explanação anterior, a realidade dos litígios coletivos, e, consequentemente, do processo coletivo, é multifacetada, admitindo diversos perfis. Há, contudo, uma situação que chamou a atenção dos estudiosos norte-americanos, a partir de meados do século passado, que são os litígios denominados estruturais.

Litígios estruturais são litígios coletivos decorrentes do modo como uma estrutura burocrática, usualmente, de natureza pública, opera. O funcionamento da estrutura é que causa, permite ou perpetua a violação que dá origem ao litígio coletivo. Assim, se a violação for apenas removida, o problema poderá ser resolvido de modo aparente, sem resultados empiricamente significativos, ou momentaneamente, voltando a se repetir no futuro.

Alguns qualificativos devem ser agregados a esse conceito. É mais comum que os litígios estruturais envolvam estruturas públicas, porque estas afetam a vida de um número considerável de pessoas e seu funcionamento não pode ser simplesmente eliminado, como ocorre com uma estrutura privada, submetida à lógica de mercado. Todavia, litígios estruturais podem visar à mudança de comportamento de estruturas privadas de interesse público, como aquelas que operam uma função complementar ou associada à função estatal. É o caso dos prestadores de serviços públicos ou de utilidade pública. Em terceiro lugar, é possível que esse litígio seja verificado em relação a estruturas integralmente privadas, mas que são essenciais para o mercado e a sociedade que as circundam, não podendo ser apenas eliminadas e substituídas por outras, segundo as regras do livre mercado.[27] Brandon Garreth analisa casos de acordos estruturais envolvendo empresas privadas tais como AIG, America Online, Bristol-Myers Squibb Co., Computer Associates, HealthSouth, KPMG, MCI, Merrill Lynch & Co., Monsanto e Time Warner.[28]

Nesse quadro, é um equívoco associar a reforma estrutural apenas a instituições públicas. Apesar de elas serem os réus mais comuns, instituições privadas podem perfeitamente demandar alterações estruturais para que resultados sociais desejáveis sejam produzidos. No mundo contemporâneo, estruturas particulares são tão ou mais importantes para a vida dos cidadãos que os próprios Estados nacionais e, por isso, podem representar ameaças ainda maiores às liberdades dos cidadãos.

Ainda que nem todo litígio coletivo irradiado seja estrutural, todo litígio estrutural é um litígio coletivo irradiado.[29] Isso porque o litígio estrutural tem lugar no contexto de uma violação que atinge subgrupos sociais diversos, com intensidades e de formas diferentes, afetando os interesses desses subgrupos de modos distintos, sem que haja, entre eles, qualquer perspectiva social compartilhada. Pode ser que parte do grupo seja até mesmo beneficiada pela manutenção do status posterior à violação e se volte contra a pretensão da sociedade.

É por isso que os litígios estruturais são policêntricos e não se enquadram adequadamente no esquema processual tradicional. Para William Fletcher, é “característica de problemas complexos, com inúmeros ‘centros’ problemáticos subsidiários, cada um dos quais se relacionando com os demais, de modo que a solução de cada um depende da solução de todos os outros”.[30] O autor se vale da metáfora de uma teia de aranha, cuja tensão dos vários fios é determinada pela relação entre todas as partes da teia, de maneira que a intervenção em apenas um fio acarreta a redistribuição de tensão em toda a estrutura, implicando sua total reconfiguração. Os problemas policêntricos perpassam toda a sociedade e são, via de regra, pouco passíveis de resolução exclusivamente governamental.[31] O policentrismo legal se caracteriza pela presença simultânea de vários centros de interesses juridicamente protegidos no mesmo conflito. Conforme percebeu Lon Fuller, esse tipo de problema não pode ser adequadamente resolvido por técnicas tradicionais de julgamento.[32] Nesse contexto, os interesses dos diversos subgrupos não podem ser enquadrados nas singelas categorias de autor e réu. Há zonas de interesses[33] que se sobrepõem parcialmente, mas também se opõem em determinados contextos.

É em virtude dessas características que surge a necessidade de alteração do funcionamento da estrutura. A complexidade do problema e o modo como suas frações interagem é que exigem que a dinâmica social em que ele ocorre seja alterada. Se não for, o problema não será resolvido, ou será apenas aparentemente resolvido, sem resultados concretos, ou será momentaneamente resolvido e surgirá novamente no futuro, colocando a perder todo o esforço despendido.

Por outro lado, pode ser que o litígio irradiado ocorra em um contexto não relacionado ao funcionamento de instituições. O litígio decorrente da queima da palha da cana-de-açúcar para viabilizar sua colheita é um litígio irradiado, uma vez que impacta vários grupos sociais (pessoas afetadas pela fumaça, trabalhadores, municípios), mas não é um litígio estrutural, já que não envolve a reestruturação de quaisquer organizações. Reitere-se: nem todo litígio irradiado é um litígio estrutural, embora todo litígio estrutural seja um litígio irradiado.

Em resumo, o litígio estrutural é um litígio irradiado no qual a violação surge em decorrência do funcionamento de uma estrutura burocrática, pública ou privada, e, em virtude das características contextuais em que ocorre, sua solução exige a reestruturação do funcionamento da estrutura. Embora essa reestruturação possa ser feita de diversos modos e, frequentemente, não dependa da atuação do Poder Judiciário, ocorrendo pela atuação privada ou com a condução do Poder Executivo, se a alteração for buscada pela via do processo judicial, esse processo poderá ser caracterizado como processo estrutural.

5 Processos estruturais (structural litigation)

O processo estrutural é um processo coletivo no qual se pretende, pela atuação jurisdicional, a reorganização de uma estrutura burocrática, pública ou privada, que causa, fomenta ou viabiliza a ocorrência de uma violação pelo modo como funciona, originando um litígio estrutural. Essencialmente, o processo estrutural tem como desafios: 1) a apreensão das características do litígio, em toda a sua complexidade e conflituosidade, permitindo que os diferentes grupos de interesses sejam ouvidos; 2) a elaboração de um plano de alteração do funcionamento da instituição, cujo objetivo é fazer com que ela deixe de se comportar da maneira reputada indesejável; 3) a implementação desse plano, de modo compulsório ou negociado; 4) a avaliação dos resultados da implementação, de forma a garantir o resultado social pretendido no início do processo, que é a correção da violação e a obtenção de condições que impeçam sua reiteração futura; 5) a reelaboração do plano, a partir dos resultados avaliados, no intuito de abordar aspectos inicialmente não percebidos ou minorar efeitos colaterais imprevistos; e 6) a implementação do plano revisto, que reinicia o ciclo, o qual se perpetua indefinidamente, até que o litígio seja solucionado, com a obtenção do resultado social desejado, que é a reorganização da estrutura.

Nesse sentido, como percebeu Colin Diver, o processo estrutural funciona mais como um meio de realocação de poder do que como mecanismo de imposição de um resultado, coercitivamente. Em vez de promover uma alteração isolada na estrutura, o processo se converte “em um componente duradouro do processo de negociação política, que determina a forma e o conteúdo das políticas públicas”.[34] O juiz atua mais como um agente de negociação e de troca, não mediante decisão e imposição.

Do mesmo modo que a existência de um litígio coletivo pode não implicar o ajuizamento de uma ação coletiva, a existência de um litígio estrutural pode não acarretar a propositura de um processo estrutural. É possível que um litígio estrutural seja tratado por intermédio de um processo coletivo não estrutural, que visa apenas a resolver as consequências, não as causas do problema, ou mesmo por diversos processos individuais, cujo objetivo é somente obter providências pontuais, do interesse de alguma das pessoas afetadas pelo litígio. Em ambas as situações, o funcionamento da instituição permanece inalterado.

Em realidade, lamentavelmente, é raro que litígios estruturais sejam resolvidos por processos estruturais. Processos estruturais são longos, difíceis, demandam uma estrutura representativa intrincada e, por esse motivo, são evitados por juízes e legitimados coletivos. Há notícia, por exemplo, de que a Defensoria Pública de São Paulo, embora detenha legitimidade para o processo coletivo, propôs, de 2014 a maio de 2017, aproximadamente 61 mil ações individuais pleiteando vagas para crianças em creches (média de quase 20 mil por ano).[35] O motivo dessa proliferação de ações individuais é simples e foi explicado por um defensor público: “Nós sempre conseguimos. Nunca perdemos uma ação”.[36]

O equívoco desse tratamento não estrutural do litígio é que ele acarreta apenas uma ilusão de solução, mas não produz resultados sociais significativos, uma vez que as causas do problema permanecem. Enfocam-se as suas consequências presentes mais evidentes, “a conta-gotas”, em processos individuais, ou mesmo em processos coletivos, mas que abordam parte do problema público. Em determinadas situações, esse comportamento do legitimado coletivo e do Poder Judiciário aprofunda as desigualdades e a desorganização do serviço público que se pretendia melhorar. Com palavras simples, uma mãe de aluno, entrevistada em busca de vaga em creches, relatou a situação[37]:

Já Taíza Azevedo decidiu procurar a defensoria por orientação da própria diretora da creche em que busca uma vaga. “Tem dois anos que estou esperando uma vaga”, relata. Taíza se surpreendeu: seu filho estava em quinto lugar na fila de espera, mas, ao acessar o endereço online da Prefeitura, o garoto tinha caído para a 27ª posição.

“A diretora da creche falou para mim que eu tinha que estar vindo aqui (na defensoria pública), porque as mães que vêm aqui, os filhos vão para a frente da fila, então estou aqui, na luta.”

Fica claro que os milhares de ações individuais estão servindo apenas para substituir as crianças que ingressariam nas creches pelo critério administrativo regular por outras, que não obedecem a critério algum. Quando problemas estruturais são tratados em processos individuais, quaisquer critérios de prioridade colapsam em um “quem chega primeiro”. Quem busca a jurisdição primeiro será atendido. Há, portanto, apenas uma ilusão de vitória. Só se ganha no processo, não na solução do problema.

A mesma distorção é verificada em relação ao litígio relacionado aos limites das prestações de saúde pública. Definir quais tratamentos ou medicamentos devem ser fornecidos pelo Sistema Único de Saúde é um problema estrutural. Demandaria alterações em toda a dinâmica do sistema, nas alocações orçamentárias, nos critérios científicos que orientam a incorporação de novas tecnologias etc. Mas nenhuma ação, individual ou coletiva, pretende fazer isso. Os milhares de ações relativas a esse caso requerem tratamentos ou medicamentos específicos, para uma pessoa ou para todas as que estiverem naquela situação, sem se importar, por exemplo, com o impacto orçamentário cumulativo das condenações, que, hoje, atinge cifras bilionárias.

Em um estudo comparativo com dados de processos relacionados a prestações de saúde pública que envolveu cinco países (Índia, Brasil, África do Sul, Indonésia e Nigéria), Brinks e Gauri[38] concluíram que, fora a Nigéria, o Poder Judiciário brasileiro foi o que obteve os piores resultados concretos, no que tange aos impactos sociais das suas decisões. A Índia, a África do Sul e a Indonésia conseguiram, com um número de julgamentos consideravelmente inferior, alterar a vida de mais pessoas, porque enfocaram aspectos estruturais do problema, como falhas regulatórias ou deficiências prestacionais que impactavam toda a população, não apenas os demandantes. Asseveram os autores[39]:

Em resumo, mesmo quando os tribunais estejam dispostos a impor ao Estado novas obrigações prestacionais, podem responder de outras maneiras aos pleitos que indicam que uma política pública (ou a sua ausência) prejudica de forma indevida os interesses juridicamente protegidos de um grupo. Isso implica adotar uma atitude muito diferente de simplesmente exigir que o Estado preste um serviço ou entregue um medicamento a uma pessoa em particular.

Em síntese, um processo estrutural é aquele que busca resolver, por intermédio da atuação da jurisdição, um litígio estrutural, pela reformulação de uma estrutura burocrática que é a causadora ou, de alguma forma, a responsável pela existência da violação que origina o litígio. Essa reestruturação se dará por intermédio da elaboração de um plano aprovado pelo juiz e sua posterior implementação, geralmente ao longo de um considerável período de tempo. Ela implicará a avaliação e reavaliação dos impactos diretos e indiretos do comportamento institucional, dos recursos necessários e de suas fontes, dos efeitos colaterais da mudança promovida pelo processo sobre os demais atores sociais que interagem com a instituição, dentre outras providências.

6 Execução estrutural

A implementação de uma decisão estrutural será propulsionada por ordens judiciais que imporão obrigações de fazer aos indivíduos responsáveis pela instituição que se quer remodelar. Nos Estados Unidos, Owen Fiss denominou essas ordens de structural injunctions, que são, em suas palavras, “o instrumento formal por intermédio do qual o Judiciário busca reorganizar instituições burocráticas para que funcionem de acordo com a Constituição”.[40]

A fase de implementação é, frequentemente, a mais complexa de um processo estrutural, já que muitos caminhos podem ser utilizados para a satisfação do direito material reconhecido na fase de conhecimento, sem que nenhum deles esteja predeterminado em lei. O processo judicial não foi talhado para a finalidade de projetar o modo de agir de uma organização, em que a alteração de algumas partes gera a reorganização do todo, com resultados recorrentemente imprevisíveis. Assim, é natural que se busque fazer a execução de forma negociada, com a participação e a colaboração do réu.[41] Também é recorrente que a execução envolva a participação de muitos atores, alguns dos quais sequer integraram a fase de conhecimento. Isso porque a efetividade das mudanças pode estar ligada ao comportamento de pessoas que, conquanto não sejam destinatárias da ordem, são colateralmente atingidas por ela ou ocupam posições capazes de bloquear, total ou parcialmente, os resultados esperados.

Por essa razão, também é recorrente e importante que a execução estrutural seja dividida em fases, de modo a viabilizar o gradual cumprimento das determinações judiciais e a avaliação de seus efeitos, não apenas da perspectiva do juiz e das partes, mas dos demais sujeitos impactados. A reavaliação dos resultados das etapas cumpridas permite o planejamento mais adequado das subsequentes, evitando custos desnecessários e efeitos colaterais indesejáveis.

O mais salutar, aliás, é que esse compromisso dialógico venha desde a fase de conhecimento. A comunidade de comunicação que se deve criar em um processo estrutural, tanto na fase de decisão quanto na de implementação, é a razão pela qual Yeazell comparou esses processos a um “town meeting”. A atividade jurisdicional passa a se assemelhar mais com os debates comuns em órgãos administrativos e legislativos do que com aquilo que tradicionalmente ocorre em um processo judicial. Isso ajuda a contornar o problema do grande número de pessoas que serão impactadas pelo processo e da diversidade de situações fáticas nas quais elas se encontram, o que “torna desejável que o juiz ouça pelo menos alguns grupos afetados, até mesmo (ou especialmente) aqueles que estão descontentes com a medida que será aplicada”.[42] Os eventos podem servir para registrar insatisfações, verificar se a solução pretendida é razoavelmente factível, apontar falhas nas propostas ou indicar alternativas. Além disso, o modelo também permite que os fatos sejam constantemente reanalisados, já que os contextos dos litígios estruturais são, por natureza, mutáveis. “O juiz usa sua posição central no processo para lançar influência muito além dos limites imediatos do caso que está diante dele, avaliando o impacto dos resultados de dentro do tribunal na distribuição de influência fora dele”.[43]

Não se pode, contudo, tomar o acidental por essencial. O fato de uma execução ser complexa, dividida em fases, e demandar a cooperação do executado ou a participação de diversos atores não basta para transformá-la em um processo estrutural. Uma execução é estrutural quando busca reordenar uma instituição pela via da jurisdição.

As demais características são frequentes, mas não essenciais. É perfeitamente possível que uma execução tenha todas essas características e não seja estrutural, porque quer implementar uma obrigação que não depende de reordenações institucionais. É o caso de atividades complexas de recuperação ambiental. Elas são frequentemente desenvolvidas por etapas, de comum acordo com o réu e sob a supervisão judicial, mas não é possível chamá-las de estruturais sem expandir o conceito a limites que comprometem o seu valor científico. Qualquer execução complexa se tornaria estrutural, e não é esse o âmbito de aplicabilidade do conceito.[44]

Também é possível, embora com potencial para maus resultados, que uma execução seja estrutural e não seja negociada, nem dialogada, nem dividida em fases. Empiricamente, ainda que não seja recomendável, isso ocorre com frequência. O juiz determina que a instituição se reorganize para cumprir a decisão, estabelece apenas um prazo final e aguarda o relatório de cumprimento, sob pena de multa cominatória. Essa execução, embora longe de ser ideal, objetiva reorganizar a instituição e, portanto, pode ser chamada de estrutural, mesmo que não seja dialogada, dividida em fases etc.

Em outras palavras, o que torna uma execução estrutural é o seu objetivo, não a sua metodologia. O objetivo de uma execução estrutural é implementar uma decisão de reorganização do comportamento institucional que causa, permite, fomenta ou perpetua o ilícito, como forma de evitar que seus resultados se repitam, no futuro. As metodologias de execução negociada, faseada, dialogada ou cooperativa são propícias a serem aplicadas nesse contexto, mas não são constitutivas do conceito.

7 Processo civil de interesse público (public interest litigation ou public law litigation)

Uma parte da doutrina brasileira vem utilizando as expressões “processo civil de interesse público” ou “litígios de interesse público” como sinônimas de processos ou litígios estruturais. Embora as fronteiras entre os dois conceitos sejam, em alguns momentos, sutis, e haja autores norte-americanos que não os diferenciem,[45] investir na distinção pode auxiliar na compreensão dos institutos.

Inicialmente, as expressões têm origens acadêmicas distintas. Conforme já anotado, a ideia de structural litigation deriva do pensamento de Owen Fiss,[46] a partir de 1979, enquanto public law litigation é uma expressão cunhada por Abram Chayes,[47] em 1976, para descrever um fenômeno que, na sua visão, não vem desde Brown, mas do século XIX: o aumento do número de leis destinadas não a resolver um conflito pretérito, bilateral, existente entre particulares, mas a regular e a modificar arranjos sociais e econômicos, para o futuro. Em outras palavras, a decisão judicial deixa de pretender remediar o ilícito pretérito, como tradicionalmente ocorre, para buscar ajustar o comportamento futuro do réu. Isso gera a necessidade de um regime de execução prolongado, em vez de uma transferência instantânea de patrimônio. O processo se afasta, com isso, de seu perfil clássico. Além disso, litígios de interesse público, na visão de Chayes, incidem sobre “uma lesão relativa à operação de uma política pública”.[48]

Assim, processos de interesse público são demandas nas quais se pretende efetivar um direito que está sendo negado pelo Estado, não apenas para a parte que está no processo, mas para toda a sociedade de potenciais destinatários daquela prestação. Pretende-se uma ruptura com o comportamento até então adotado, por intermédio de um reforço de legalidade, oriundo da autoridade jurisdicional. É comum que processos de interesse público contenham pedidos que poderiam ser descritos como pouco mais que “cumpra-se a Constituição” ou “cumpra-se a lei”.

Embora haja perceptíveis semelhanças entre um processo de interesse público e um processo estrutural, existem três marcantes diferenças.[49] Primeiramente, um processo de interesse público não implica, necessariamente, reestruturação de uma organização. Ele visa à implementação de um direito, já garantido, mas não efetivado. Pode ser que a estrutura estatal esteja suficientemente aparelhada para tanto, mas não o tenha realizado em decorrência de um “ponto cego” ou de uma “carga de inércia” da administração.[50] Nessa situação, o reforço de legalidade judicial é suficiente para solucionar o problema. Aliás, como percebeu Rosenberg, o contexto em que já existem agentes administrativos interessados em cumprir uma decisão favorece a efetividade das mudanças sociais pela via jurisdicional.[51] Logo, embora processos de interesse público possam ser estruturais, nem todos o serão, necessariamente.

Em segundo lugar, é possível que processos de interesse público sejam conduzidos por outras vias, diferentes do processo coletivo, o que não acontece com o processo estrutural. A reestruturação de uma instituição demanda a alteração concreta do comportamento de vários segmentos de agentes públicos ou privados, o que exige que ela se desenvolva em um processo coletivo. Isso não se verifica nos processos de interesse público. Litígios de interesse público podem ser resolvidos na via do processo individual, mediante criação de um precedente obrigatório, na via do controle abstrato de constitucionalidade ou por intermédio de processos coletivos, estruturais ou não. Assim, enquanto todo processo estrutural é um processo coletivo, qualquer processo pode ser de interesse público, desde que se busque, por seu intermédio, a implementação de direitos que estão sob responsabilidade do Estado, não apenas para as partes, mas para todos os indivíduos que integram a sociedade de destinatários daquela prestação.

Os exemplos avultam, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Roe v. Wade, o paradigmático caso em que a Suprema Corte considerou inconstitucional a proibição do aborto em leis estaduais, foi uma ação individual, que garantiu o direito ao aborto a todas as mulheres, em decorrência da criação de um precedente vinculante. Embora o litígio seja, claramente, de interesse público, uma vez que trata de uma questão de saúde pública, ele não é estrutural, dado que não se propunha a alterar quaisquer estruturas públicas. O processo respectivo também não teve características estruturais. Não se buscava determinar aos estados, por exemplo, que fornecessem a interrupção da gravidez como serviço público. Apenas que se abstivessem de proibi-la.[52] Com isso, o efeito concreto de Roe foi o de viabilizar o surgimento de um mercado privado de clínicas de aborto.[53]

No Brasil, o direito de que pessoas do mesmo sexo se casem foi obtido pela via do controle abstrato de constitucionalidade, no julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132, cujos resultados foram, posteriormente, impostos aos serviços notariais pela Resolução 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça. Embora parte da doutrina classifique o controle de constitucionalidade como processo coletivo especial,[54] ele seguramente não é processo coletivo na acepção utilizada neste trabalho, nem é um processo de natureza estrutural. Por outro lado, parece adequado qualificá-lo como um processo de interesse público, dado que se buscou garantir um direito para todos os cidadãos, pela alteração de normas estatais.

A terceira característica que distingue os processos de interesse público dos processos estruturais é que aqueles se voltam apenas contra o Estado, enquanto estes, conforme já demonstrado, podem enfocar também entes privados. A noção de interesse público, que adjetiva essa denominação, se relaciona com a implementação de direitos sonegados pelos entes públicos, na visão de Chayes.[55]

Essa restrição não se aplica aos processos estruturais. Felipe Vieira Batista sustenta a ideia de que a recuperação judicial de empresas é um processo estrutural, uma vez que envolve interesses policêntricos, de classes diferentes de credores (trabalhadores, fornecedores, o fisco, credores com garantia real e quirografários), do devedor e da sociedade como um todo, relativamente à preservação da atividade empresarial e ao pagamento das suas dívidas. O processo se desenvolve com o objetivo de reestruturar a empresa, por intermédio da negociação das dívidas, consubstanciado em um plano, cujo objetivo é permitir que ela cumpra seus compromissos e continue existindo.[56]

Apesar do caráter estrutural, seria difícil denominar esse processo de interesse público, sem adulterar consideravelmente os elementos do conceito original. Uma recuperação judicial se volta à reorganização de uma esfera de interesses predominantemente privados, ainda que, perifericamente, públicos. Limitar o conceito de processo de interesse público aos processos que se voltam contra o Estado, na busca de implementação de um direito ou uma política pública, é importante. Se se adotar um sentido muito amplo de interesse público, todo processo poderá ser assim caracterizado, e isso tornaria o conceito inútil. Afinal de contas, até mesmo a solução de uma prosaica briga entre vizinhos, à luz, exclusivamente, das disposições do Código Civil, atende ao interesse público da convivência pacífica entre os confinantes.

Um processo de interesse público, portanto, se volta para a transformação da esfera público-governamental: criação ou implementação de direito novo ou de conduta estatal nova, pela via dos precedentes obrigatórios, do controle de constitucionalidade ou do processo coletivo, em favor de toda a sociedade.

8 Processos estratégicos

Embora se encontre em algumas publicações nacionais a expressão “litígio estratégico”, ela, a rigor, não faz sentido. O litígio (conflito) nunca é estratégico, uma vez que ele surge na realidade, em decorrência do antagonismo entre os interesses das partes ou do descompasso entre o seu comportamento e o ordenamento jurídico. E isso nada tem a ver com estratégia. O que pode ser estratégico é o processo para resolver um litígio.[57]

Processo estratégico é um processo que pretende estabelecer um novo entendimento jurídico sobre determinado assunto. Enquanto um processo existe, em regra, para resolver o litígio entre as partes, o foco de um processo estratégico, pelo contrário, está no precedente, na formação de uma nova compreensão do direito. As partes são instrumentais a esse objetivo. O processo estratégico não é exclusivo do direito público. Temas de direito privado também podem ser tratados estrategicamente.

Observe-se que a acepção proposta se afasta da referência coloquial a estratégia. Em sentido amplo, todo processo envolve decisões estratégicas. Propor ou não propor a ação, fazer ou não fazer um acordo, recorrer ou não recorrer, produzir ou não produzir determinada prova etc. Todas essas são decisões que envolvem avaliação de custos e benefícios e, portanto, se forem tomadas racionalmente – o que nem sempre ocorre –, comporão a estratégia da parte. No conceito apresentado, a estratégia se relaciona aos objetivos do processo e, reflexamente, ao modo de condução do processo. O processo estratégico existe para atingir um objetivo estratégico, que transcende os estritos limites da controvérsia tratada nos autos.

Assim, em vez de se desenvolver de acordo com o interesse das partes, o processo estratégico é orientado da melhor forma para a fixação da tese.[58] Isso significa não deixar os fatores do julgamento ao acaso. A escolha das partes e do caso paradigma é pensada para refletir a controvérsia da melhor maneira possível. A causa de pedir e o pedido são redigidos de modo a obter a melhor decisão possível para a tese. Há um planejamento prévio acerca das provas necessárias e do modo como seu custo será suportado. Buscam-se advogados especialistas para conduzir o caso e produzir pareceres. A via processual potencialmente mais fecunda é debatida e eleita, o que pode significar a escolha também do juízo que apreciará a controvérsia.[59]

Assim, por exemplo, um processo estratégico sobre moradia adequada pode ser desenvolvido a) em processos individuais; b) em processos coletivos; c) em processos de controle de constitucionalidade; d) pela atuação de amici curiae, em casos já em andamento; e) pela impetração de mandados de segurança, diretamente em tribunais, dependendo de quem seja a autoridade coatora. Pode-se pretender que as pessoas tenham direito a moradia a) pela criação de programas públicos de aquisição a baixo custo, nos moldes do “Programa Minha Casa Minha Vida”; b) pela construção de moradias pelo poder público e posterior arrendamento, nos moldes do “Programa de Arrendamento Residencial”; c) pela disponibilização de valores para o custeio de aluguéis, nos moldes dos programas de “aluguel social”; d) pela limitação dos juros aos contratos bancários de financiamento etc.

Se uma pessoa quer moradia, ela, em conjunto com o seu advogado, buscará o que é melhor para si, naquele caso. Se o processo é estratégico, a condução será feita pensando no coletivo, em como essa tese, caso vitoriosa, poderá ser aproveitada pelo conjunto de pessoas que está na mesma situação. Geralmente, isso será feito por um órgão que tem a capacidade de realizar a articulação estratégica, como uma associação, um sindicato, o Ministério Público[60] ou mesmo a advocacia pública.

Ressalte-se que o tratamento estratégico do processo não é exclusividade dos órgãos ou das entidades que pretendem realizar o interesse público.[61] Pelo contrário, talvez o segmento empresarial seja o que mais frequentemente se vale dessa atuação, congregado por federações empresariais ou sindicatos patronais. É comum que essas entidades proponham ações de controle de constitucionalidade ou a instauração de incidentes para a formação de precedentes obrigatórios, intervenham, como amici curiae, em ações já em andamento, relacionadas aos seus interesses, e assim por diante. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, por exemplo, atua recorrentemente como amicus curiae em processos tributários pendentes no Supremo Tribunal Federal.[62] Assim, não só processos estruturais e processos de interesse público podem ser estratégicos, mas também processos individuais, do interesse de representantes dos agentes econômicos privados, desde que sua condução seja condicionada por um objetivo que transcende os interesses das partes litigantes.

Um bom exemplo de processo estratégico é Brown v. Board of Education. Como relata Mark Tushnet, toda a estratégia processual do caso foi cuidadosamente desenvolvida pela National Association for the Advancement of Colored People – NAACP, em conjunto com outros ativistas e movimentos de direitos humanos. Não eram, como pode parecer, apenas treze pais de alunos que se cansaram do tratamento racista recebido por seus filhos. Tratava-se de um movimento nacional estratégico contra a segregação racial, não apenas em escolas, mas em todos os ambientes. Os autores da ação foram recrutados para essa função, a estratégia e as teses que seriam alegadas foram longamente discutidas, inclusive o fato de se atacar a segregação nas escolas, não em outros segmentos em que ela também ocorria. Até mesmo a escolha de Oliver Brown para nomear a ação foi debatida.[63]

Em realidade, o caso da segregação não se restringe a Brown, seu produto mais conhecido. A NAACP coordenou uma estratégia nacional entre os advogados engajados na luta contra a segregação, durante quase uma década, para que os casos que chegassem à Suprema Corte, individuais[64] ou coletivos, tivessem os fatos certos e os argumentos certos, evitando a geração de precedentes contrários à causa.[65] Isso foi feito por meio da criação de uma rede de contatos entre os advogados, incluindo conferências e reuniões em várias cidades do país.

Tanta coordenação, contudo, constitui excepcionalidade, e nem sempre os resultados são exatamente os esperados. Cada advogado é livre para perseguir os interesses de seus clientes como bem entender, da mesma forma que cada legitimado coletivo também é livre para ajuizar a ação que considerar cabível, satisfeitos os requisitos legais. Por isso, apesar dos esforços da NAACP, um dos primeiros relativos ao regime de segregação racial a chegar à Suprema Corte, em 1947, Shelley v. Kraemer,[66] que tratava da nulidade de cláusulas contratuais de proibição de vendas de imóveis a negros, não era o que a entidade havia planejado.[67] Apesar disso, a tese antissegregacionista prevaleceu.

Essa dificuldade de tratar estrategicamente um processo também é relatada por Rubenstein, que narra as profundas divisões entre os homossexuais e as organizações de defesa dos seus direitos, acerca da tomada de posição sobre a demanda pelo direito ao casamento, enquanto caminho adequado na busca pela igualdade. Em 1989, um dos principais jornais dirigidos ao público homossexual nos Estados Unidos publicou uma matéria com pontos de vista opostos, defendidos, de um lado, pelo diretor executivo e, de outro, pela procuradora-geral da principal associação para os direitos dos gays naquele momento.[68] Não havia acordo, portanto, nem entre os diretores da associação, o que reflete a divisão do grupo, tanto em relação aos seus objetivos, quanto à estratégia a ser adotada, se fosse o caso de ajuizar uma ação.

A publicação foi o primeiro passo da associação na busca de tomar conhecimento das opiniões de seus membros. Os autores dos artigos viajaram por todo o país, repetindo publicamente o debate que haviam protagonizado por escrito, na intenção de que alguma solução emergisse da discussão comunitária. No Havaí, a American Civil Liberties Union (ACLU), defrontando-se com o mesmo dilema, conduziu uma pesquisa informal de opinião entre os seus associados, por intermédio do envio de cartas.[69] No fim, a coordenação do movimento não conseguiu conter iniciativas individuais. Ações isoladas foram ajuizadas, buscando o direito ao casamento ou ao reconhecimento de uniões estáveis, e a ACLU se viu sem alternativa a não ser apoiá-las. Como se sabe hoje, a estratégia acabou sendo vitoriosa, depois de muitas dificuldades, com o reconhecimento do direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo em Obergefell v. Hodges.[70]

Em resumo, processo estratégico é aquele em que o verdadeiro objetivo dos seus articuladores não é obter uma vitória para a parte, no caso concreto, mas para a tese jurídica por ela sustentada, que terá reflexos mais profundos e duradouros sobre o sistema jurídico e a sociedade como um todo. O qualificativo “estratégico” decorre de uma calculada antecipação e planejamento das etapas do processo e do modo como ele deve ser conduzido em juízo, para permitir a vitória da tese.[71] Processos estruturais e processos de interesse público podem ou não ser estratégicos, assim como processos tributários e do interesse de grandes empresas ou corporações também podem ostentar essa característica.

Conclusão

Conforme se procurou demonstrar, há muitas dúvidas que perpassam a discussão desse ainda novo sub-ramo do processo coletivo, que é o processo estrutural. É importante que o desenvolvimento desse tema, tão caro à teoria do processo e à sociedade como um todo, se faça de modo conceitualmente seguro, que iniba discussões e retrocessos teóricos pouco úteis. O melhor conhecimento dos conceitos, acredita-se, contribui para o maior desenvolvimento da ciência.

O propósito deste artigo foi proporcionar esse esclarecimento conceitual, com base, primordialmente, nas fontes originais, norte-americanas, e também em conceitos desenvolvidos na doutrina nacional. É possível sumariar a exposição da seguinte forma:

1) Litígio coletivo é o conflito existente na realidade, que envolve uma multiplicidade de sujeitos, os quais compõem um grupo, uma sociedade, envolvida no conflito enquanto tal, não como um feixe de interesses individuais. Esse litígio pode ser global, local ou irradiado, de acordo com as variações de complexidade e conflituosidade a ele inerentes.

2)  Processo coletivo é o mecanismo processual que a ordem jurídica de um determinado país disponibiliza para resolver litígios coletivos, usualmente por intermédio do ajuizamento de uma demanda civil por um legitimado coletivo, em defesa dos interesses da sociedade, a qual substitui processualmente.

3) Litígios estruturais são litígios coletivos irradiados decorrentes do modo como uma estrutura burocrática, usualmente pública, mas, excepcionalmente, privada, opera. O funcionamento da estrutura é a causa do litígio, e da sua alteração depende a solução. Tratar apenas os efeitos do litígio pode trazer resultados aparentes e de curto prazo, mas que não serão duradouros nem significativos. Pelo contrário, é possível que soluções não estruturais agravem o litígio, no longo prazo.

4) Processos estruturais são demandas judiciais nas quais se busca reestruturar uma instituição pública ou privada cujo comportamento causa, fomenta ou viabiliza um litígio estrutural. Essa reestruturação envolve a elaboração de um plano de longo prazo para alteração do funcionamento da instituição e sua implementação, mediante providências sucessivas e incrementais, que garantam que os resultados visados sejam alcançados, sem provocar efeitos colaterais indesejados ou minimizando-os. A implementação desse plano se dá por intermédio de uma execução estrutural, na qual suas etapas são cumpridas, avaliadas e reavaliadas continuamente, do ponto de vista dos avanços que proporcionam. O juiz atua como um fator de reequilíbrio da disputa de poder entre os subgrupos que integram a sociedade que protagoniza o litígio.

5) Processo civil de interesse público é o processo no qual se pretende a transformação da esfera público-governamental, para obter o reconhecimento de um direito ou a adoção de uma conduta estatal, em favor não apenas das partes, mas de toda a sociedade. Processos coletivos e processos estruturais podem ser de interesse público, assim como ações de controle de constitucionalidade ou mesmo ações individuais, quando utilizadas para a formação de precedentes vinculantes gerais. Todavia, nenhuma dessas modalidades pode ser associada, em todos os casos, ao conceito de processo de interesse público. O que caracteriza o processo de interesse público é a busca da implementação ou da extensão de um direito que vem sendo negado pelo Estado.

6) Processos estratégicos são processos cujo objetivo não é, primordialmente, a resolução do litígio que existe entre as partes, mas o estabelecimento de uma nova compreensão do direito, para que ela seja sedimentada e aplicada a outros casos. As partes são instrumentais a esse objetivo e há uma articulação entre os operadores do direito envolvidos no caso, a fim de que ele seja conduzido do modo mais propício para a obtenção do resultado jurídico esperado. Processos estratégicos podem ser de direito público ou de direito privado e sua condução é orientada não pelo interesse das partes, mas pela melhor forma de desenvolver e fixar a tese jurídica.

 


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[1] O presente artigo foi produzido como resultado do projeto de pesquisa “Transformações nas teorias sobre o processo e o Direito Processual”, vinculado à Universidade Federal da Bahia e cadastrado no Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa do CNPQ (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7958378616800053). Decorreu de uma ampla discussão com os integrantes do grupo, que integram o PPDG-UFBA, aos quais o autor penhoradamente agradece, nas pessoas do Professor Fredie Didier Jr. e do colega Matheus Galdino.

[2] Ver, por exemplo, GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Suzana Henriques. O processo para solução de conflitos de interesse público. Salvador: Juspodivm, 2017; ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. Processos estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Essas duas obras são coletâneas de artigos relacionados ao tema. ARENHART, Sérgio Cruz. Processos estruturais no direito brasileiro: reflexões a partir do caso da ACP do Carvão. Revista de Processo Comparado, v. 2, 2015, edição eletrônica; ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões estruturais no direito processual civil brasileiro. Revista de Processo, v. 225, 2013, edição eletrônica; VIOLIN, Jordão. Protagonismo judiciário e processo coletivo estrutural. Salvador: Juspodivm, 2013; DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes; OLIVEIRA, Raphael Alexandria. Notas sobre as decisões estruturais. Civil Procedure Review, v. 8, n. 1, p. 46-64, 2017. Nos Estados Unidos, além dos trabalhos mencionados ao longo do texto, ver FISS, Owen. The Supreme Court 1978 term – foreword: forms of justice. Harvard Law Review, v. 93, p. 1-58, 1979; CUMMINGS, Scott L.; EAGLY, Ingrid V. A critical reflection on law and organizing. UCLA Law Review, v. 48, p. 443-517, 2001; RUSHIN, Stephen. Competing case studies of structural reform litigation in American police departments. Ohio State Law Journal of Criminal Law, v. 14, p. 113-141, 2016; BERTELLI, Anthony M.; FELDMAN, Sven E. Structural reform litigation: remedial bargaining and bureaucratic draft. Journal of Theoretical Politics, v. 18, n. 2, p. 159-183, 2006; GOLDSTEIN, Brandt. Storming the court: how a band of Yale law students sued the president – and won. New York: Scribner, 2005; RATNER, Michael. How we closed the Guantanamo HIV camp: the intersection of politics and litigation. Harvard Human Rights Journal, v. 11, p. 187-220, 1998.

[3] O Superior Tribunal de Justiça já lidou com casos desse tipo, em mais de uma ocasião. Ver, por exemplo, REsp 747.396-DF, rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 09.03.2010; REsp 1.239.060-MG, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10.05.2011; REsp 1.424.304-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11.03.2014.

[4] É claro que essa diferenciação poderá, em alguns casos, ser tênue. Afinal de contas, os indivíduos só existem em sociedade e a sociedade só existe em indivíduos. Pretender fazer uma diferenciação estática e incontornável entre questões individuais e questões coletivas é um exercício artificial, cujo valor se limita aos propósitos que estão abordados no texto.

[5] VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016. Capítulo 2.

[6] Esses três conceitos são de ELLIOTT, Anthony; TURNER, Bryan S. On society. Cambridge: Polity Press, 2012.

[7] A aplicação do conceito de litígio irradiado ao caso de Mariana também foi feita por PEÇANHA, Catharina; LAMÊGO, Guilherme; ARGOLO, Isaac; SENTO-SÉ, Jairo; ROSSI, Thaís. O desastre de Mariana e a tipologia dos conflitos bases para uma adequada regulação dos processos coletivos. Revista de Processo, v. 278, p. 263-297, 2018. Esse artigo foi premiado em uma competição acadêmica promovida pela Universidad Catolica del Peru, que teve como jurados Michele Taruffo, Eduardo Oteiza e Loïc Cadiet. Na introdução do trabalho, lê-se: “O presente trabalho tem como referencial teórico a tese de doutoramento de Edilson Vitorelli: ‘O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos’. Suas ideias são o fundamento das reflexões aqui expostas. Suas propostas embasam as conclusões deste trabalho. O objetivo deste ensaio é demonstrar a insuficiência da legislação atual do processo coletivo na América Latina, propondo que a base para uma adequada regulação do processo coletivo passe pela observância das características dos litígios em concreto. (...) Diante disso, passamos a apresentar a proposta de Edilson Vitorelli, que repensa a teoria do processo coletivo a partir das características do litígio em concreto, adequando-a às exigências do devido processo legal”. O problema da conflituosidade gerada por barragens não é recente, nem exclusivo do caso de Mariana. Ver também, por exemplo, BRAGA, Ana Catarina Sento-Sé Martinelli. A cidade de Sento-Sé e a construção da barragem do Sobradinho: memória, resistência e territorialidade no nordeste brasileiro (1970-1990). In: Anais do Congresso Internacional em Sociais e Humanidades. Salvador: UCSal, 2014. p. 301-320; bem como LAMONTAGNE, Annie. Impactos discursivos: conflitos socioambientais e o licenciamento da UHE Estreito. Curitiba: CRV, 2012.

[8] Por todos, afirmava Barbosa Moreira que a satisfação de um dos titulares “implica de modo necessário a satisfação de todos e, reciprocamente, a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade”. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual civil: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 174.

[9] FLETCHER, William. The discretionary Constitution: institutional remedies and judicial legitimacy. The Yale Law Journal, v. 91, n. 4, p. 635-697, 1982. Na p. 649, o autor aponta que um dos defeitos da atuação do Judiciário em problemas policêntricos é que “courts have no institutional authority to assess normatively the ends of possible solutions to non-legal polycentric problems. The formulation of the remedial decree thus depends to an extraordinary extent on the moral and political intuitions of one person acting not only without effective external control over his or her actions, but also without even the internal control of legal norms”. Ver também VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016. Capítulo 6.

[10] VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016. Capítulo 2.

[11] Embora distinto, esse conceito é compatível com o pensamento de outros autores. Ver, por exemplo, DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Ações coletivas e o incidente de julgamento de casos repetitivos – espécies de processo coletivo no direito brasileiro: aproximações e distinções. Revista de Processo, v. 256, p. 209-218, 2016: “Uma relação jurídica é coletiva se em um de seus termos, como sujeito ativo ou passivo, encontra-se um grupo (comunidade, categoria, classe etc.; designa-se qualquer um deles pelo gênero grupo). Se a relação jurídica litigiosa envolver direito (situação jurídica ativa) ou dever ou estado de sujeição (situações jurídicas passivas) de um determinado grupo, está-se diante de um processo coletivo”.

[12] TARUFFO, Michele. Notes on the collective protection of rights. In: I Conferencia Internacional y XXIII Jornadas Iberoamericanas de Derecho Procesal: procesos colectivos class actions. Buenos Aires: International Association of Procedural Law y Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal, 2012. p. 23-30. A citação está na p. 27.

[13] Decreto Legislativo 206/2005, art. 140-bis: Azione di classe.

[14] Ley de Enjuiciamiento Civil, “Artículo 11. Legitimación para la defensa de derechos e intereses de consumidores y usuarios”.

[15] “Segundo pensamos, ação coletiva é a proposta por um legitimado autônomo (legitimidade), em defesa de um direito coletivamente considerado (objeto), cuja imutabilidade do comando da sentença atingirá uma comunidade ou coletividade (coisa julgada). Aí está, em breves linhas, esboçada a nossa definição de ação coletiva. Consideramos elementos indispensáveis para a caracterização de uma ação como coletiva a legitimidade para agir, o objeto do processo e a coisa julgada”. GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 16.

[16] Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. apresentam uma exceção ao caráter representativo do processo coletivo. Trata-se do art. 37 da Lei 6.001/73, o Estatuto do Índio, que dispõe que “Os grupos tribais ou comunidades indígenas são partes legítimas para a defesa dos seus direitos em juízo, cabendo-lhes, no caso, a assistência do Ministério Público Federal ou do órgão de proteção ao índio”. Esse dispositivo é compatível com o teor do art. 232 da Constituição, que determina que “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”. O STJ, no julgamento do REsp 990.085/PA, rel. Min. Francisco Falcão, j. 19.02.08, não apenas admitiu a legitimidade recursal da Comunidade Indígena Gavião da Montanha, como ainda lhe reconheceu as prerrogativas processuais inerentes à Fazenda Pública. Essa seria uma situação de legitimação coletiva ordinária, de índole não representativa: a comunidade age em defesa dos seus próprios direitos. Trata-se, todavia, de exceção única, que não compromete o conceito apresentado no texto, para outras situações.

[17] No sentido do texto, DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Ações coletivas e o incidente de julgamento de casos repetitivos – espécies de processo coletivo no direito brasileiro: aproximações e distinções. Revista de Processo, v. 256, p. 209-218, 2016.

[18] O mesmo fenômeno ocorre com a pretensão de obtenção de vagas para crianças em creches públicas. Embora o litígio seja coletivo (faltam vagas em um serviço público), há milhares de processos judiciais individuais solicitando, cada um, vaga para uma criança.

[19] “Art. 982. Admitido o incidente, o relator: I – suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso; (...) § 3º Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III, poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado. (...) Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada: I – a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; (...) Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso. (...) § 2º Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.”

[20] ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais homogêneos. 2. ed. São Paulo: RT, 2014.

[21] Não aceitando o HC coletivo, por exemplo, no STJ, AgRg no RHC 41.675/SP, rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 05.10.2017. No STF, HC 148.459, rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 19.02.2018.

[22] STF, HC 143.641/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 20.02.2018.

[23] O habeas corpus é um remédio existente em praticamente todos os sistemas jurídicos ocidentais, destinado a tutelar a liberdade individual de alguém. A ponderação das características e das circunstâncias pessoais daquele indivíduo é essencial para a decisão de sua soltura, assim como é essencial para a decisão da sua prisão. Basta que se pense no exemplo oposto – a possibilidade de se editar ordens coletivas de prisão – para que se perceba que a garantia de liberdade individual contra o encarceramento determinado por um juiz é impassível de tutela coletiva, na via do habeas corpus. Cria-se, mais uma vez, uma espécie de “teoria brasileira do habeas corpus”, tal como ocorreu no início do século XX.

[24] Por exemplo, DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 495-502; PEIXOTO, Ravi. Presente e futuro da coisa julgada no processo coletivo passivo: uma análise do sistema atual e as propostas dos anteprojetos. Revista de Processo, v. 256, p. 229-254, 2016; RUDINIKI NETO, Rogério. Ação coletiva passiva e ação duplamente coletiva. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015.

[25] Nesse sentido, ver VITORELLI, Edilson. Ações coletivas passivas: por que elas não existem nem deveriam existir. Revista de Processo, v. 278, p. 297-335, 2018.

[26] Francis Shen conduziu uma pesquisa quantitativa que apontou que, desde 1972, são propostas em juízos federais norte-americanos mais de 1.000 ações coletivas ativas por ano, chegando, em 2006, a aproximadamente 5.000. Em todo esse período, as ações coletivas passivas nunca atingiram a marca de 100 processos em um ano. SHEN, Francis X. The overlooked utility of the defendant class action. Denver University Law Review, v. 88, n. 1, p. 73-181, 2010.

[27] No sentido do texto, apontando a existência de reforma estrutural em organizações privadas, ver GARRETT, Brandon L. Structural reform prosecution. Virginia Law Review, v. 93, p. 853-957, 2007.

[28] GARRETT, Brandon L. Structural reform prosecution. Virginia Law Review, v. 93, p. 853-957, 2007.

[29] Litígios que usualmente têm caráter local, como são os relacionados a grupos minoritários, podem se tornar, em casos excepcionais, litígios irradiados. Isso ocorre quando a complexidade e a conflituosidade do litígio são de tal forma elevadas que os interesses externos ao grupo também são relevantes para a solução do problema. E, nesse contexto, esses litígios podem se tornar estruturais. É o que ocorre no litígio relacionado aos pacientes psiquiátricos de hospitais. Via de regra, o bem-estar coletivo dos pacientes psiquiátricos institucionalizados interessa exponencialmente mais a eles mesmos que a quaisquer outras pessoas, de modo que eles devem ser reputados titulares do direito. Assim, alterações que afetem esse bem-estar coletivo devem ser efetuadas considerando os interesses dessas pessoas, não os de outros agentes que, apesar de eventualmente bem-intencionados, não são afetados pelo litígio.

Por outro lado, se o litígio se referir ao fechamento do hospital, em virtude de maus tratos aos pacientes, como ocorreu nos Estados Unidos e no Brasil, ele se torna irradiado, uma vez que os interesses dos pacientes continuam sendo centrais, mas os interesses de outros grupos, como é o caso de seus familiares e dos trabalhadores hospitalares, também ganham relevo e passam a compor o litígio coletivo. O litígio, nesse caso, é irradiado e, nos Estados Unidos, foi tratado de modo estrutural. Para um relato dos casos relativos à desinstitucionalização psiquiátrica, ver VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016. Capítulo 5.

Essa observação é importante para ressaltar um alerta: a classificação proposta pela teoria dos litígios coletivos não deve induzir atalhos de raciocínio do tipo “litígios relativos a índios são sempre locais”. Os casos apresentados como ilustração da tipologia são reflexos do que usualmente ocorre, mas é perfeitamente viável que índios e outras minorias estejam envolvidos em litígios globais ou irradiados. O litígio irradiado do desastre de Mariana, por exemplo, também envolve a comunidade indígena Krenak, sem que, por isso, se transforme em litígio local. O litígio só será local quando, por comparação, os interesses do grupo minoritário forem absolutamente preponderantes sobre os dos indivíduos que não compõem aquela sociedade. No caso de Mariana, os interesses dos índios não preponderam, de modo absoluto, sobre os do restante da sociedade.

Nesses termos, a classificação enfoca os litígios coletivos, tal como se apresentam empiricamente, justamente para evitar categorizações artificiais, que não correspondam à realidade.

[30] FLETCHER, William. The discretionary Constitution: institutional remedies and judicial legitimacy. The Yale Law Journal, v. 91, n. 4, p. 635-697, 1982. Citação p. 645.

[31] Idem, p. 646.

[32] FULLER, Lon L. The forms and limits of adjudication. Harvard Law Review, v. 92, n. 2, p. 398, 1978.

[33] A expressão foi utilizada por CABRAL, Antonio do Passo. Despolarização do processo e zonas de interesse: sobre a migração entre pólos da demanda. Revista Forense, v. 404, p. 29-34, 2009.

[34] DIVER, Colin S. The judge as political powerbroker: superintending structural change in public institutions. Virginia Law Review, v. 65, n. 1, p. 43-106, 1979.

[36] A frase é do Defensor Público Rafael de Souza Miranda, da DPSP, lotado em Mogi das Cruzes, que ajuizou 430 ações relativas a vagas em creches apenas em 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2015/02/defensoria-de-mogi-faz-mais-de-mil-acoes-por-vaga-em-creches-em-5-anos.html. Acesso em: 6 fev. 2018.

[38] BRINKS, Daniel; GAURI, Varun. Sobre triángulos y diálogos: nuevos paradigmas en la intervención judicial sobre el derecho a la salud. In: GARGARELLA, Roberto (org.). Por una justicia dialógica: el Poder Judicial como promotor de la deliberación democrática. Buenos Aires: Siglo XXI, 2014. Ebook.

[39] BRINKS, Daniel; GAURI, Varun. Sobre triángulos y diálogos: nuevos paradigmas en la intervención judicial sobre el derecho a la salud. In: GARGARELLA, Roberto (org.). Por una justicia dialógica: el Poder Judicial como promotor de la deliberación democrática. Buenos Aires: Siglo XXI, 2014. Ebook.

[40](...) the formal medium through which the judiciary seeks to reorganize ongoing bureaucratic organizations so as to bring them into conformity with the Constitution”. FISS, Owen. The allure of individualism. Iowa Law Review, v. 78, n. 5, p. 965, 1993.

[41] COSTA, Eduardo José da Fonseca. A “execução negociada” de políticas públicas em juízo. Revista de Processo, v. 212, 2012, edição eletrônica.

[42] YEAZELL, Stephen C. Intervention and the idea of litigation: a commentary on the Los Angeles school case. UCLA Law Review, v. 25, p. 244-260, 1977.

[43] DIVER, Colin S. The judge as political powerbroker: superintending structural change in public institutions. Virginia Law Review, v. 65, n. 1, p. 43-106, 1979.

[44] Sérgio Cruz Arenhart expõe como exemplo de processo estrutural a implementação de uma decisão de recuperação ambiental em Criciúma. A execução foi dividida em fases, envolveu atividades negociadas e muito complexas. Nesse contexto, Arenhart afirma: “esse único exemplo de ação estrutural, com seus vários desdobramentos, é capaz de oferecer algumas importantes linhas para que se tenha um processo desse tipo com chances de funcionar realmente”. Nos conceitos aqui desenvolvidos, não é possível enquadrar esse caso como processo estrutural, porque nada se reestruturou. Apenas se cumpriu uma decisão. Também não é possível chamá-lo de processo de interesse público, uma vez que ele não versa sobre uma política pública, mas sobre a reparação de uma conduta privada. Ainda que haja interesse público na proteção do meio ambiente, não houve, em razão da ACP do Carvão, qualquer alteração na política pública de exploração do mineral, em seu licenciamento ou sua fiscalização. Ver ARENHART, Sérgio Cruz. Processos estruturais no Brasil: reflexões a partir do caso da ACP do Carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Suzana Henriques. O processo para solução de conflitos de interesse público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 475-492. A citação está na p. 487.

[45] Por exemplo, SCHLANGER, Margo. Beyond the hero judge: institutional reform litigation as litigation. Michigan Law Review, v. 97, p. 1.994-2.036, 1994: “A new kind of case (termed, variously, ‘public law litigation,’ ‘structural reform litigation,’ or ‘institutional reform litigation’) developed as civil rights plaintiffs and their lawyers began to seek and obtain litigated reform and continuing injunctive relief not only against schools, but also against prisons, jails, mental health and mental retardation facilities, and many other types of institutions”. Berizonce, por sua vez, associa casos que usualmente são referidos como de processos estruturais às expressões “processo de interesse público” ou “processo estratégico”, as quais trata como sinônimas: “Los conflictos de interés público o estratégicos son aquellos que involucran derechos fundamentales colectivos, canalizados a través de los denominados litigios de derecho público, desarrollados a partir de la década de los 50’ en el derecho norteamericano”. BERIZONCE, Omar. Los conflictos de interés público. Revista Iberoamericana de Derecho Procesal, v. I, p. 161-188, 2015.

[46] FISS, Owen. The Supreme Court 1978 term: Foreword: the forms of justice. Harvard Law Review, v. 93, n. 1, p. 1-58, 1979.

[47] CHAYES, Abraham. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review, v. 89, n. 7, p. 1.281-1.316, 1976. É bom observar que as visões conceituais dos dois autores são, em alguns pontos, superpostas, de modo que o esclarecimento conceitual pretendido neste trabalho não pode ser extraído diretamente, de modo exclusivo, das obras de Chayes e Fiss.

[48] O conjunto das características descritas pelo autor para o modelo de public law litigation está em CHAYES, Abraham. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review, v. 89, n. 7, p. 1.281-1.306, 1976. p. 1.302: “The public law litigation model portrayed in this paper reverses many of the crucial characteristics and assumptions of the traditional concept of adjudication: (I) The scope of the lawsuit is not exogenously given but is shaped primarily by the court and parties. (2) The party structure is not rigidly bilateral but sprawling and amorphous. (3) The fact inquiry is not historical and adjudicative but predictive and legislative. (4) Relief is not conceived as compensation for past wrong in a form logically derived from the substantive liability and confined in its impact to the immediate parties; instead, it is forward looking, fashioned ad hoc on flexible and broadly remedial lines, often having important consequences for many persons including absentees. (5) The remedy is not imposed but negotiated. (6) The decree does not terminate judicial involvement in the affair: its administration requires the continuing participation of the court. (7) The judge is not passive, his function limited to analysis and statement of governing legal rules; he is active, with responsibility not only for credible fact evaluation but for organizing and shaping the litigation to ensure a just and viable outcome. (8) The subject matter of the lawsuit is not a dispute between private individuals about private rights, but a grievance about the operation of public policy”.

[49] Verbic também visualiza diferenças entre processos de interesse público e processos estruturais, notando que os conflitos de interesse público se relacionam a ações ou omissões do Estado e, por vezes, demandam ordens estruturais: “Me refiero a la intervención de los jueces en el marco de ciertos conflictos colectivos que denominaré ‘conflictos de interés público’, cuya solución requiere controlar la constitucionalidad o convencionalidad de acciones y omisiones del resto de los poderes del Estado en materia de políticas públicas (especialmente aquellas vinculadas con sectores de la población tradicionalmente postergados, desprotegidos o desaventajados), y en ocasiones dictar complejas órdenes estructurales para remediar situaciones igualmente complejas”. VERBIC, Francisco. Un nuevo proceso para conflictos de interés público. Revista de Processo, v. 244, p. 287-322, 2015.

[50] DIXON, Rosalind. Para fomentar el diálogo sobre los derechos socioeconómicos: una nueva mirada acerca de las diferencias entre revisiones judiciales fuertes y débiles. In: GARGARELLA, Roberto (org.). Por una justicia dialógica: el Poder Judicial como promotor de la deliberación democrática. Buenos Aires: Siglo XXI, 2014. Ebook. A autora se refere às cargas de inércia e aos pontos cegos como problemas do processo legislativo, e não da atividade administrativa, mas o conceito parece perfeitamente extensível. Os pontos cegos podem decorrer da não cogitação de uma situação durante o processo de formulação de uma norma (ponto cego de aplicação), da ausência de previsão de algum efeito concreto de uma medida, quando ela foi aprovada (ponto cego de perspectiva) ou da insuficiente cogitação de seus custos de implementação (pontos cegos de acomodação). Cargas de inércia significam a não adoção de providências para a proteção de direitos. As atividades legislativas (e administrativas) consomem tempo e recursos e isso faz com que prioridades sejam estabelecidas, o que significa que outras pretensões serão deixadas de lado (carga de inércia por prioridade). Também pode ser que a inatividade decorra da ausência de acordo sobre o modo de tutelar o direito (carga de inércia por coesão) ou, especificamente no que tange à implementação das providências previstas em lei, podem surgir cargas de inércia burocráticas “por meio das quais a possibilidade de se chegar a um compromisso de direitos se vê ameaçada por uma combinação de demora administrativa e falta de uma adequada supervisão legislativa sobre a ação administrativa”.

[51] ROSENBERG, Gerald N. The hollow hope: can courts bring about social change? 2. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2008. A contribuição de Rosenberg foi amplamente tratada em VITORELLI, Edilson. Litígios estruturais: decisão e implementação de mudanças socialmente relevantes pela via processual. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. Processos estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 369-422.

[52] Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973): “To summarize and to repeat: 1. A state criminal abortion statute of the current Texas type, that excepts from criminality only a lifesaving procedure on behalf of the mother, without regard to pregnancy stage and without recognition of the other interests involved, is violative of the Due Process Clause of the Fourteenth Amendment”.

[53] ROSENBERG, Gerald N. The hollow hope: can courts bring about social change? 2. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2008.

[54] Ver, por exemplo, ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo: superação da summa divisio direito público e direito privado por uma nova summa divisio constitucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. A inclusão do controle de constitucionalidade como processo coletivo parece equivocada por várias razões, mas sobretudo pela evidente disparidade de métodos e de finalidades. O desenvolvimento desse argumento, contudo, ultrapassa os limites deste trabalho.

[55] CHAYES, Abraham. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review, v. 89, n. 7, p. 1.281-1.316, 1976. p. 1.302: “The subject matter of the lawsuit is not a dispute between private individuals about private rights, but a grievance about the operation of public policy”.

[56] BATISTA, Felipe Vieira. A recuperação judicial como processo coletivo. Dissertação (Mestrado em Direito). Orientador: Fredie Didier Jr. Universidade Federal da Bahia, 2018.

[57] É provável que a expressão litígio estratégico derive de uma tradução equivocada de strategic litigation, que significa processo estratégico. Em inglês, litígio estratégico se traduziria por strategic dispute, mas não é possível encontrar essa expressão na literatura que trata do tema.

[58] Evorah Cardoso expõe conceito semelhante: “‘Litígio estratégico’, ‘litígio de impacto’, ‘litígio paradigmático’, ‘litígio de caso-teste’ são expressões correlatas, que surgiram de uma prática diferenciada de litígio, não necessariamente relacionada ao histórico da advocacia em direitos humanos. O litígio estratégico busca, por meio do uso do Judiciário e de casos paradigmáticos, alcançar mudanças sociais. Os casos são escolhidos como ferramentas para transformação da jurisprudência dos tribunais e formação de precedentes, para provocar mudanças legislativas ou de políticas públicas. Trata-se de um método, uma técnica que pode ser utilizada para diferentes fins/temas. O objetivo de quem litiga não se limita à solução do caso concreto (justiça individual), como a reparação da vítima. É possível contrapor uma advocacia client-oriented a um novo tipo de advocacia, issue-oriented ou policy-oriented. Basicamente a primeira vale-se do direito para atender às demandas e aos interesses do cliente. A segunda busca o impacto social que o caso pode trazer, como o avanço jurídico em um determinado tema, aplicando o método de litígio estratégico”. CARDOSO, Evorah. Ciclo de vida do litígio estratégico no sistema interamericano de direitos humanos: dificuldades e oportunidades para atores não estatais. Revista Electrónica del Instituto de Investigaciones “Ambrosio L. Gioja”, a. V, p. 363-378, 2011.

[59] Esse é o fenômeno que os americanos denominam forum shopping, e que decorre do fato de que as regras de competência frequentemente admitem mais de um juízo para a propositura da demanda. A escolha estratégica se dá pela verificação de qual juízo tem maiores probabilidades de decidir de acordo com o interesse da parte.

[60] O Ministério Público tem uma dificuldade em conduzir estrategicamente processos, que é a independência funcional de seus membros. Esse problema foi tratado por SILVA, Dicken William Lemes. Litígio estratégico de interesse público e Ministério Público: reflexões sobre a natureza instrumental da independência funcional. Revista do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, v. 7, p. 73-108, 2013.

[61] Berizonce trata conflitos estratégicos e conflitos de interesse público como sinônimos: “Los conflictos de interés público o estratégicos son aquellos que involucran derechos fundamentales colectivos, canalizados a través de los denominados litigios de derecho público, desarrollados a partir de la década de los 50 ́ en el derecho norteamericano”. BERIZONCE, Roberto Omar. Los conflictos colectivos de interés público en Argentina. In: Procesos colectivos: I Conferencia Internacional y XXIII Jornadas Iberoamericanas de Derecho Procesal. Santa Fe: Talleres Gráficos de Imprenta Lux S.A., 2012. p. 429 e ss.

[62] Para citar apenas um exemplo recente: a FIESP requereu o ingresso como amicus curiae no julgamento do Recurso Extraordinário 955.227, em que se pretende definir os limites da coisa julgada em processos tributários.

[63] Como diz Mark Tushnet, “Brown came to exemplify the possibility that lawyers could structure and execute a litigation strategy designed to produce substantial changes in the law”. TUSHNET, Mark. Some legacies of Brown v. Board of Education. Virginia Law Review, v. 90, p. 1.693-1.720, 2004. Citação p. 1.693. O autor abordou o mesmo assunto mais longamente em TUSHNET, Mark. The NAACP’s legal strategy against segregated education: 1925-1950. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2005.

[64] Nos Estados Unidos, em razão do princípio do stare decisis, essa discussão é altamente relevante, característica que vem sendo transposta para o Brasil, em virtude da ampliação do sistema de precedentes vinculantes. Um processo individual que gere um mau precedente pode decidir o destino de todo o grupo. Ver RUBENSTEIN, William. Divided we litigate: addressing disputes among group members and lawyers in civil rights campaigns. Yale Law Journal, v. 106, n. 6, p. 1.628-1.630, 1997. Sobre as dificuldades de alteração de um entendimento firmado, ver NELSON, Caleb. Stare decisis and demonstrably erroneous precedents. Virginia Law Review, v. 87, n. 1, p. 1-84, 2001.

[65] TUSHNET, Mark. Making civil rights law: Thurgood Marshall and the Supreme Court, 1956-1961. New York: Oxford University Press, 1996. Ver também TUSHNET, Mark. The NAACP’s legal strategy against segregated education: 1925-1950. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2005.

[66] Shelley v. Kraemer, 334 U.S. 1 (1948). Era questionada a constitucionalidade de acordos imobiliários de restrição de venda de imóveis a negros. Apesar das ressalvas iniciais de Thurgood Marshall, a NAACP atuou decididamente, em conjunto com o advogado responsável pelo processo, e, com o auxílio de um memorial favorável do solicitor general, a decisão foi unanimemente favorável, embora três juízes tenham se abstido de votar.

[67] RUBENSTEIN, William. Divided we litigate: addressing disputes among group members and lawyers in civil rights campaigns. Yale Law Journal, v. 106, n. 6, p. 1.628-1.630, 1997. p. 1.631.

[68] RUBENSTEIN, William. Divided we litigate: addressing disputes among group members and lawyers in civil rights campaigns. Yale Law Journal, v. 106, n. 6, p. 1.628-1.630, 1997. p. 1.635. Os artigos se intitulavam “Why gay people should seek the right to marry” e “Since when is marriage a path to liberation?”.

[69] Idem, p. 1.638.

[70] 576 U.S. ___ (2015).

[71] É claro que isso supõe que a parte esteja devidamente informada e de acordo com a utilização do seu processo para essa finalidade, já que ela pode causar efeitos colaterais indesejados. Entre eles, é possível destacar o aumento do tempo de tramitação e até mesmo a derrota do litigante, que terá que arcar com os custos de um processo que foi desenvolvido sem o devido cuidado com os seus interesses. O papel do advogado ou do representante que atua no processo é, primordialmente, fazer o que é melhor para o cliente ou o titular do direito, não utilizá-lo como “cobaia” de teses jurídicas. De modo geral, ver RHODE, Deborah et al. Legal ethics. 6. ed. New York: Foundation Press, 2012; ROSENTHAL, Douglas E. Lawyer and client: who is in charge? New York: Russel Sage Foundation, 1974; WHITE, Lucie E. Mobilization on the margins of the lawsuit: making space for the clients to speak. NYU Review of Law and Social Change, v. XVI, p. 535-564, 1987-88.

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