Direito hoje | Direito ao aborto no Brasil: discussão teórica e prática
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Diogo Edele Pimentel

Juiz Federal Substituto, graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pós-graduado em Direito e Economia da Saúde e do Medicamento pela Universidade de Lisboa

 
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 Diogo Edele Pimentel 

15 de fevereiro de 2022

Resumo

O trabalho busca investigar o acerto do atual modelo normativo brasileiro em relação à prática voluntária de aborto. A análise está dividida em duas partes, aspectos teóricos (discussão filosófico-constitucional) e práticos (estudos empíricos). Ao final, sugere-se sua incorporação ao Sistema Único de Saúde como tratamento.

Palavras-chave: Aborto. Sistema Único de Saúde. Direito à saúde.

Abstract

The paper investigates the current Brazilian normative model in relation to the voluntary interruption of pregnancy (abortion). The analysis is divided into two parts, theoretical (philosophical-constitutional discussion) and practical (empirical studies) aspects. In the end, its incorporation to the Unified Health System as a treatment is suggested.

Keywords: Voluntary abortion. Unified Health System. Health law.

Sumário: Introdução. 1 Análise teórica. 1.1 A ideia de razão pública. 1.2 Razões públicas relativas ao aborto. 1.2.1 Duas questões. 1.2.1.1 Valor da vida. 1.2.1.2 Maternidade compulsória. 1.3 Conclusões iniciais. 2 Análise prática. 2.1 Análises empíricas. 2.1.1 Dados internacionais. 2.1.2 O aborto no Brasil. 2.2 O mercado negro. 2.3 A mulher que aborta. 2.4 Aborto e classe. Conclusões. Referências.

Introdução

Este trabalho objetiva investigar o acerto do atual modelo normativo brasileiro em relação à prática voluntária de aborto. Para isso, a investigação pretende se valer de análises empíricas e econômicas para avaliar se os objetivos propostos pela legislação são alcançados ou se haveria outro modelo melhor.

Apesar de o foco principal residir em uma análise de critérios factuais, seria irresponsável desconsiderar toda a discussão ética que envolve a questão. Afinal, trata-se de um tema que atrai paixões extremas – as quais, sem dúvidas, constituem o maior empecilho a uma discussão madura e racional. Sem ultrapassar o óbice teórico (filosófico, ideológico, religioso, constitucional), de nada adianta analisar a viabilidade e as consequências econômicas da prática.

Assim, o trabalho encontra-se dividido em duas partes (análises teórica e prática), ligadas por um importante fio condutor: examinar a questão do aborto apenas com base em critérios racionais e técnicos.

Trata-se de um dos temas políticos fundamentais a serem resolvidos pelo Estado brasileiro e que, recentemente, voltou ao centro dos debates legislativos. Nos anos de 2019 e 2020, foram apresentados, respectivamente, 16 e 25 projetos legislativos no Congresso Nacional a respeito da temática “aborto”, 68% dos quais pretendem restringir os direitos das mulheres [1] (tratando desde a revogação das restritas hipóteses de “aborto legal” até o controle do uso de métodos contraceptivos [2] ). Além disso, pende de julgamento no Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, em que se discute a constitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam a prática do aborto.

Chama atenção o fato de que os dispositivos do Código Penal que tratam da incriminação pela prática de aborto e da exclusão do crime nas hipóteses de “aborto necessário” (se não há outro meio de salvar a vida da gestante) e de gravidez resultante de estupro não sofreram qualquer alteração desde a sua entrada em vigor, em 31 de dezembro de 1941. É desnecessário apontar o quanto as dinâmicas sociais se alteraram nestes oitenta anos. Há urgência em evoluir a forma como o tema é tratado pelas instituições brasileiras.

1 Análise teórica

1.1 A ideia de razão pública

Antes de se adentrar nos argumentos propriamente ditos em relação à moralidade e à constitucionalidade da prática de aborto no sistema normativo brasileiro, é importante refinar alguns conceitos a respeito de quais argumentos são válidos na esfera pública ou política.

Uma tentativa de análise técnica deve estar pautada no uso da razão, conceito aqui utilizado de forma ampla, como oposição a argumentos puramente sentimentais ou de ordem idiossincrática.

Toma-se como base a exposição de John Rawls a respeito dos fundamentos do “liberalismo político”. O autor inicia tomando como premissa o fato do pluralismo político e questionando como é possível existir ao longo do tempo uma sociedade justa e estável de cidadãos livres e iguais que permanecem profundamente divididos por doutrinas religiosas, filosóficas e morais razoáveis. [3]

Afinal, a história já demonstrou que somente por meio do uso opressivo do poder estatal uma visão compartilhada e persistente que tenha por objeto uma única doutrina religiosa, filosófica ou moral abrangente pode ser preservada. [4] Por isso, pode-se afirmar que a existência de divisões fundamentais nas visões de mundo dos grupos integrantes da sociedade constitui um fato a partir do qual a estruturação da vida em comum democrática deve ser pensada.

Não se deve supor que todas as nossas diferenças se originem somente da ignorância e da perversidade, ou de rivalidades por poder, por status ou por benefícios econômicos. Muitos de nossos juízos mais importantes são alcançados em condições nas quais não se deve esperar que pessoas conscienciosas, no uso pleno de suas faculdades da razão, mesmo depois de discussão livre, cheguem à mesma conclusão. [5]

É importante pontuar que a própria Constituição brasileira incorporou essa ideia. Logo em seu artigo 1º, inciso V, traz como um dos fundamentos mesmos da República Federativa do Brasil o pluralismo político; no artigo 5º, garante como direitos fundamentais “a liberdade de consciência e de crença” (inciso VI) e que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” (inciso VIII); no artigo 19, inciso I, estatui cláusula que institui a laicidade do Estado, ao vedar que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios estabeleçam cultos religiosos ou igrejas, subvencionem-nos, embaracem-lhes o funcionamento ou mantenham com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Portanto, a pretensão de se alcançar uniformidade absoluta na visão de mundo dos cidadãos deve ser abandonada não apenas em virtude de limitações teóricas e práticas, mas sobretudo em virtude do compromisso constitucional. Em um regime democrático, o pluralismo se impõe.

Exatamente por isso, simplesmente seguir as estruturas formais do processo democrático não basta para que se alcance verdadeira legitimidade constitucional – pensada de maneira substancial.

Em primeiro lugar, porque a solução da questão apenas por meio do sufrágio (direto ou indireto), desacompanhada da exposição de razões legítimas passíveis de serem aceitas por todos, não pacifica a controvérsia no âmbito social. Pelo contrário, apenas contribui para a polarização dos grupos e para a desagregação. A parcela derrotada, se não convencida da legitimidade da decisão, apenas aguardará outra chance de fazer prevalecer sua vontade.

Em segundo lugar, há a fundamental questão relativa à salvaguarda das minorias – aqui entendidas como parcelas da população que possuem menor poder político e de atuação na esfera pública, não necessariamente relacionado à inferioridade numérica. A decisão democrática atende a diversos critérios de justiça quando reflete a vontade da maioria da sociedade. Contudo, a vontade da maioria pode se tornar tirânica em relação a grupos minoritários. Uma constituição verdadeiramente democrática deve se preocupar em proteger ditas minorias.

É pertinente a provocação de Sarmento [6] :

Nesse contexto, deveria o Direito curvar-se diante da religião, impondo coercitivamente, inclusive aos não crentes, as posições de determinada confissão religiosa, ainda que majoritária? O fato de o catolicismo predominar no Brasil constituiria justificativa legítima para o Estado adotar medidas legislativas que simplesmente endossassem as concepções morais católicas? A resposta a essa pergunta só pode ser negativa.

A legitimidade política deve, então, estar assentada em uma base pública de justificação, apelando à razão pública e, por conseguinte, a cidadãos livres e iguais, percebidos como razoáveis e racionais. [7]

Essas são as mesmas premissas que sustentam a existência de uma corte constitucional competente para o exame da legitimidade material dos atos dos outros poderes (em especial das leis). Um tribunal constitucional, como o Supremo Tribunal Federal brasileiro, composto por juízes não eleitos democraticamente, exerce precipuamente uma função contramajoritária e garante a legitimidade de suas decisões por meio dos fundamentos que utiliza. Por isso, a jurisdição constitucional é o âmbito mais propício ao exercício das razões públicas. [8]

A razão pública consiste, em suma, no dever dos cidadãos de explicitar aos demais as bases de suas ações em termos que cada qual possa razoavelmente esperar que os demais julguem consistentes com sua liberdade e sua igualdade. [9] Os limites impostos pela razão pública decorrem diretamente dos direitos fundamentais de igualdade e liberdade, pois as pessoas somente são tratadas como iguais quando o Estado demonstra por elas o mesmo respeito e a mesma consideração. E isso apenas pode existir quando o comportamento que se busca impor é justificado por razões que o cidadão possa aceitar por meio de um juízo racional, e não por “motivações ligadas a alguma doutrina religiosa ou filosófica com a qual ele não comungue nem tenha de comungar”. [10]

A razão pública, portanto, incorpora à arena política exigência de que as discussões estejam centradas em fatos, em questões que possam ser demonstradas aos demais sem que para isso se exija um ato de fé ou a aceitação de um dogma. A própria estruturação de um Estado laico busca atender a esses princípios, já que a laicidade, levada a sério, não se esgota na proibição a que o governo adote, apoie ou privilegie de formas explícitas determinada religião. Trata-se da pretensão republicana de delimitar espaços próprios e inconfundíveis entre o poder político e a fé – a qual deve permanecer como questão privada. Conforme aponta Sarmento [11] :

A laicidade do Estado não se compadece com o exercício da autoridade pública com fundamento em dogmas de fé – ainda que professados pela religião majoritária –, pois ela impõe aos poderes estatais uma postura de imparcialidade e equidistância em relação às diferentes crenças religiosas, cosmovisões e concepções morais que lhes são subjacentes.

Em um Estado republicano, o governo deve sempre possuir uma razão para seus atos. Deve se justificar quando distribuir um bem a um grupo em detrimento de outro. A razão apresentada deve atender ao interesse público, não cabendo apelar apenas a interesses privados. [12] O simples recurso à tradição também não basta como fundamento, pois tudo deve estar justificado racionalmente.

1.2 Razões públicas relativas ao aborto

O direito ao aborto é um aspecto central na promoção da emancipação feminina. Se as mulheres não possuem o direito de escolha sobre o que acontece com seus corpos, arriscam renunciar a direitos em todas as demais áreas da vida. Perder terreno na questão do aborto significa para as mulheres perder terreno em todas as questões reprodutivas. [13]

O controle legal e social das capacidades sexual e reprodutiva das mulheres foi a principal fonte histórica dessa desigualdade social. Ainda hoje, permanece como um veículo para a criação e a reprodução de desigualdades. [14] Os corpos femininos são o campo de batalha em que se trava o debate pró-vida/pró-aborto. [15]

Mais do que isso. Como o aborto é tratado revela até que ponto o governo impõe a seus cidadãos juízos coletivos (de uma maioria organizada) a respeito de questões espirituais. A questão do aborto é central para a ideia mesma de liberdade. [16]

O sucesso da tentativa de construção da decisão acerca da legalidade do aborto com base em razões públicas permitirá que algumas pessoas (se forem honestas) continuem acreditando que a prática é moralmente condenável, mas que, ainda assim, as mulheres grávidas devem ser livres para tomar uma decisão diferente se suas próprias convicções assim o permitirem ou exigirem. [17]

1.2.1 Duas questões

A visão antiaborto baseia-se essencialmente em dois argumentos. Primeiro, e principalmente, que o feto possui o status de vida humana (por razões religiosas ou não). Por consequência, quase qualquer fardo imposto à mãe é adequadamente justificado em nome de sua proteção. Segundo, essa ideia costuma estar ligada ao pensamento de que a atividade sexual deveria se destinar exclusivamente à reprodução. [18] Assim, o aborto consistiria em uma violação tanto da vida do feto quanto da finalidade reprodutiva da atividade sexual e, em especial, do destino biológico das mulheres, voltado à maternidade.

1.2.1.1 Valor da vida

Uma tentativa de conciliação das visões acerca da possibilidade de legalização do aborto não será possível enquanto uma questão fundamental não for resolvida: seria o feto uma “criança indefesa ainda não nascida, com direitos e interesses próprios a partir do momento da concepção”? [19] Afinal, a crença de que o aborto viola os interesses mais básicos e os direitos mais preciosos de uma pessoa não admite transigência ou concessões mútuas, da mesma forma como são tratados os demais temas que dizem respeito a direitos fundamentais indisponíveis – a oposição à escravidão, por exemplo, não admitiria que se fosse individualmente contrário a possuir escravos, mas a favor de que as demais pessoas o fizessem, como questão de escolha pessoal. [20]

Não há dúvidas de que o embrião pode ser considerado um organismo vivo desde estágios iniciais da gravidez – após a fecundação do óvulo e a formação do zigoto, com sua fixação no útero, possuindo células que já contêm os códigos biológicos que irão reger seu desenvolvimento físico. Desses fatos biológicos inegáveis, porém, não se segue que o feto constitua desde logo uma pessoa com direitos ou interesses que devem ser protegidos pelo Estado. [21] E a biologia, enquanto ciência descritiva da natureza, não dispõe de instrumentos para fornecer essa resposta.

A questão sobre o início da vida humana é essencialmente filosófica – mesmo que se trate de uma filosofia religiosa. Essa foi a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 124.306, conforme voto proferido pelo Ministro Luís Roberto Barroso:

21. Torna-se importante aqui uma breve anotação sobre o status jurídico do embrião durante a fase inicial da gestação. Há duas posições antagônicas em relação ao ponto. De um lado, os que sustentam que existe vida desde a concepção, desde que o espermatozoide fecundou o óvulo, dando origem à multiplicação das células. De outro lado estão os que sustentam que, antes da formação do sistema nervoso central e da presença de rudimentos de consciência – o que geralmente se dá após o terceiro mês da gestação –, não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno.

22. Não há solução jurídica para esta controvérsia. Ela dependerá sempre de uma escolha religiosa ou filosófica de cada um a respeito da vida. Porém, exista ou não vida a ser protegida, o que é fora de dúvida é que não há qualquer possibilidade de o embrião subsistir fora do útero materno nessa fase de sua formação. Ou seja: ele dependerá integralmente do corpo da mulher.

A discussão, com frequência, centra-se no argumento de que a mulher deve ser livre para decidir sobre o seu corpo. Essa ideia, de forma errônea, costuma ser contraposta pelo argumento de que não deveria haver esfera de liberdade sobre a decisão de vida alheia – no caso, do feto.

Ancorar o direito ao aborto no exercício da liberdade privada, porém, não significa conceder à mulher o direito de cometer um homicídio intrauterino apenas porque teria decidido conferir mais valor ao desenvolvimento de sua vida livre dos encargos impostos por um filho do que à vida que estaria sendo gerada. A questão é mais complexa e profunda do que isso. O direito ao aborto deve se encontrar dentro da esfera de liberdade privada porque há necessidade de uma decisão individual sobre o próprio status do feto: a compreensão sobre se tratar verdadeiramente de uma vida humana ou não constitui questão pessoal, a ser decidida de acordo com a filosofia, a moralidade ou a religião da mulher. Ela deve ser livre não para simplesmente colocar em primazia o seu bem-estar físico e psicológico frente ao de um filho; a questão é anterior, residindo a verdadeira liberdade em poder conferir sentido ao fenômeno que está ocorrendo em seu corpo, se já se trata de uma vida, sagrada, ou não.

É um fato cientificamente aceito que, anteriormente ao início do segundo trimestre, o embrião ainda não detém as estruturas biológicas associadas a uma “vida mental” – experiência consciente, ações voluntárias, pensamentos, memória e sentimentos. Por isso, a interrupção da gravidez nesse estágio (em que o feto nem mesmo teria condições de desenvolvimento fora do corpo da mulher) não equivale à cessação de uma vida, pois vida humana verdadeiramente ainda não há. É importante relembrar que é amplamente aceito que a morte encefálica marca o fim da vida. [22] A congruência impõe considerar, portanto, que o seu início deve estar associado ao desenvolvimento dessas funções mentais.

A questão principal, de qualquer forma, é que o Estado não deve ter o poder de impor uma visão oficial a respeito da santidade da vida. Veja-se pelo sentido contrário. Imagine-se que a maioria da população decida que é um desrespeito à santidade da vida dar prosseguimento a uma gravidez em determinadas circunstâncias – em casos de malformação fetal, por exemplo. Admitindo que a maioria pode impor sua visão aos demais, o Estado poderia passar a exigir que uma mulher abortasse, independentemente de suas convicções filosóficas ou religiosas, nesses casos em que se considerasse que um valor fundamental seria violado com o prosseguimento da gravidez – pois se geraria um ser que não teria condições de desfrutar de uma vida com dignidade mínima. [23]

A conclusão, portanto, deve valer em todas as suas consequências. Se é intolerável que o Estado exija a interrupção da gravidez, deve-se admitir como violência de igual tamanho à dignidade da mulher grávida a imposição da conduta oposta, de mantê-la. Cabe à mulher decidir por si mesma o que a santidade da vida exige que ela faça de sua própria gravidez. [24]

A tolerância religiosa cumpre aqui um papel fundamental. Os direitos de liberdade, igualdade e dignidade criam um compromisso com a ideia de que nenhum grupo é inteligente ou numeroso o suficiente para decidir questões essencialmente religiosas que dizem respeito a todos os demais. O ideal de vida boa assentado no dever de tolerância mútua pressupõe que consiste em grave violência impor a alguém que viva de acordo com valores que não pode aceitar, mas a que se submete por medo ou prudência. [25]

Atentaria contra a ideia de razão pública assentar a proibição ao aborto em uma ideia religiosa sobre a sacralidade da vida – a existência da alma do feto desde a concepção.

Há ainda um outro argumento, não ligado diretamente ao exercício da privacidade, que vê a proibição do aborto como uma cooptação seletiva inaceitável dos corpos femininos. As restrições ao aborto, nesse sentido, fazem das capacidades reprodutivas femininas algo para uso e controle dos outros. [26] Esse posicionamento não banaliza as convicções morais (e religiosas) que enxergam o feto como uma criatura vulnerável, merecedora de respeito e consideração, tampouco exclui que o aborto constitua um ato moralmente problemático. Contudo, coloca como mais importante o entendimento de que o direito não pode impor às mulheres a obrigação de proteger os fetos pela cooptação de seus corpos, sobretudo em consideração de que em nenhum contexto a ordem jurídica invade os corpos dos homens de nenhuma maneira análoga. [27]

A perspectiva contrária ao aborto coloca no feto – uma entidade biológica inicial, sem história, sem pensamentos, sem sentimentos e sem ambições ou desejos, ou seja, apenas uma potência de vida – um valor absoluto, que é negado à mãe – a qual, naquele momento, representa o próprio ato, uma vida desenvolvida. Há uma premissa, no mais das vezes implícita, da necessidade de punição à mulher por seu comportamento sexual. Pontua Greer, destacando a comparação com métodos contraceptivos [28] :

A ideia de que as jovens devem usar o aborto como um método primário de controle de natalidade causa a mais extrema repulsa, enquanto o fenômeno de uma moça lutando com medicamentos poderosos e potencialmente destrutivos deixa as pessoas indiferentes. A atitude parece ser punitiva; se as jovens querem ser sexualmente ativas, então devem arriscar a própria saúde ou sofrer uma gravidez indesejada e casamento forçado.

Dworkin estabelece um pensamento provocativo a esse respeito, que merece ser considerado. Deve-se observar que a vida humana não possui um valor incremental: não acreditamos abstratamente que, “quanto mais vidas humanas forem vividas, tanto melhor”. [29] Por isso, o reconhecimento da tragédia de uma morte prematura não pode estar associado simplesmente à perda de um período de vida que poderia ter sido, pois esse pensamento deveria levar à conclusão de que o aborto ou mesmo o controle de natalidade seriam ainda mais graves do que a morte de uma criança ou de um adolescente – afinal, perde-se nesses casos ainda mais potencialidade de vida. [30]

Para o autor americano, a morte prematura é uma tragédia porque frustra expectativas e investimentos [31] :

A concepção de perda simples que até aqui examinamos é inadequada porque se concentra apenas em possibilidades futuras, naquilo que poderá ou não acontecer no futuro. Ignora a verdade crucial de que a perda de vida é comumente maior e mais trágica devido ao que já aconteceu no passado. A morte de uma adolescente é pior do que a morte de um bebê, pois a morte daquela frustra os investimentos que ela e outros já tenham feito em sua vida – as ambições e expectativas que ela teve, seus planos e projetos, o amor, os interesses e o envolvimento emocional que criou para si e com os outros, e que estes criaram para ela e com ela.

Acreditamos na existência de um fluxo normal (natural) da vida – nascimento, desenvolvimento, envelhecimento e morte. A sua frustração representa o maior aspecto da tragédia da morte, e ela será tão mais trágica quanto mais significativo for o investimento que se tiver feito na vida perdida e menos desse investimento tiver sido usufruído pela própria pessoa. [32] Isso explica por que lamentamos menos a morte de um idoso do que a de um jovem com muitos sonhos não realizados. E também porque entendemos não haver frustração nenhuma quando nascem menos, e não mais seres humanos. Podemos tranquilamente concordar com a necessidade de um controle rígido de natalidade, mas sustentar a necessidade de defesa da vida humana uma vez iniciada, pois nesse caso já se terá “deflagrado um processo, e interrompê-lo equivale a frustrar uma aventura que já se pôs em marcha”. [33]

A partir dessa visão, encontramo-nos em situação melhor para avaliar a contraposição dos interesses do feto e da mãe. Considerando-se que o óvulo fecundado não pode ser considerado uma vida humana (já que não possui o aparato biológico que lhe permitiria possuir interesses, pensamentos ou uma consciência, por muito rudimentar que seja), mas no máximo uma entidade biológica viva, seria correto dar-lhe mais valor do que ao pleno desenvolvimento da vida da mãe, para a qual a obrigação de ter um filho indesejado representa graves frustrações de suas potencialidades? Tudo indica que não, pois os investimentos pessoais e coletivos na vida da mulher são incomparavelmente superiores aos do feto recém-concebido.

Parece dispensável aprofundar o quanto uma gravidez indesejada pode impactar negativamente os projetos pessoais de uma mulher, sobretudo se considerarmos os casos de jovens ou adolescentes. O pensamento contrário pressupõe que a maternidade é a principal finalidade da mulher, que não seria livre para dar outro sentido à sua vida.

Além disso, essa ideia não é estranha. A ordem jurídica brasileira – com a qual concordam os valores socialmente aceitos – já confere valor inferior à vida intrauterina em relação aos seres humanos nascidos. Basta relembrar que o Código Penal já autoriza a realização de aborto com a finalidade de salvar a vida da mãe. Sobretudo, deve-se observar o abismo existente entre as penas previstas para os crimes de aborto praticado pela gestante (detenção, de um a três anos) ou por terceiro com (reclusão, de um a quatro anos) ou sem seu consentimento (reclusão, de três a dez anos) e de homicídio (reclusão, de seis a vinte anos). A teoria do direito penal é clara no sentido de que o apenamento deve ser mais grave em retribuição à lesão de bens jurídicos mais importantes. Por isso, pode-se considerar que a noção da maior valorização da vida em função dos investimentos nela realizados encontra-se já subjacente ao atual contexto normativo brasileiro.

1.2.1.2 Maternidade compulsória

Quatro pontos, analisados em conjunto, sustentam a ideia de que a proibição do aborto repousa na discriminação de gênero e na imposição de um papel doméstico às mulheres.

Em primeiro lugar, as leis antiaborto possuem efeitos praticamente exclusivos sobre as mulheres. Não há como negar que a característica biológica é tomada como critério fundamental para a formulação da legislação. Os homens alcançados pela proibição são mínimos (basicamente alguns médicos que praticam ou dão assistência ao aborto), o que não basta para que se considere que a restrição é neutra em relação ao gênero. [34] A questão a decidir é se o governo pode transformar a capacidade biológica de portar crianças (um fator natural distintivo, limitado a um dos gêneros) em uma fonte de desvantagem social, tornando impositivo o porte involuntário de uma criança.

Em segundo lugar, permanece a questão de se o interesse em proteger a vida do feto permite ao Estado compelir as mulheres a levar a gravidez a termo. Em aprofundamento à posição inicial, deve-se frisar que essa coerção é seletiva, pois o governo jamais impõe uma obrigação desse tipo aos homens, mesmo que uma vida humana completamente formada esteja em risco. Um pai não está compelido a devotar seu corpo à proteção de seus filhos (mediante doação de um órgão não vital, como um rim, em um procedimento que não lhe traria riscos graves, por exemplo).

Conforme apontou Sunstein [35] :

O fato de que o fardo do uso corpóreo é imposto pelo direito nesse cenário, sozinho, sugere que o interesse na proteção da vida é considerado adequado somente como resultado de um estereótipo sobre papel sexual inaceitável. O fato de que o aborto é tratado como uma matança, enquanto o direito trata outras recusas em se permitir que o corpo de alguém seja usado para o salvamento de outros como mera recusa à proteção, sugere precisamente a mesma coisa.

O problema causado pela restrição ao aborto não reside apenas nas consequências diretas que se impõem ao corpo feminino, mas também no quanto isso reforça a prescrição de diferentes papéis sociais para homens e mulheres, [36] em especial, de dominação para eles e de segunda classe para elas.

Em terceiro lugar, em reforço ao segundo ponto, a noção de que carregar o feto até o seu nascimento decorre do inaceitável estereótipo quanto ao papel apropriado das mulheres na sociedade [37] – o papel doméstico, de mãe.

A sacralização da maternidade tem como pano de fundo o pensamento de que a única missão da vida feminina seja a geração de filhos. Segundo Beauvoir [38] :

É pela maternidade que a mulher realiza integralmente seu destino fisiológico; é a maternidade sua “vocação natural”, porquanto todo o seu organismo se acha voltado para a perpetuação da espécie. Mas já se disse que a sociedade humana nunca é abandonada à natureza. E, particularmente, há um século, mais ou menos, a função reprodutora não é mais comandada pelo simples acaso biológico: é controlada pela vontade.

Discutir o direito ao aborto envolve a desconstrução do paradigma hegemônico da “maternidade compulsória”. [39]

Em quarto lugar, a compreensão (conforme se explorará adiante) de que, no mundo real, a proibição do aborto não leva ao salvamento de inúmeras vidas fetais, mas ao direcionamento das mulheres à busca de procedimentos inseguros, que, além de interromperem as gravidezes de igual forma, arriscam a saúde das mães, incrementando notavelmente sua mortalidade. [40]

Não se propõe com isso, de maneira rasa, que a ineficiência da lei deva torná-la inconstitucional. Deve-se observar, porém, que graves intervenções em direitos fundamentais, como ocorre em relação à proibição do aborto e às restrições aos direitos reprodutivos das mulheres, devem ser compensadas pela promoção efetiva dos fins legítimos a que se propõem. [41] O notável fracasso da proibição do aborto permite perceber que aqueles que ainda a apoiam se movem não por um verdadeiro interesse na proteção à vida, mas por objetivos punitivos. [42]

Esses argumentos relativos ao caráter discriminatório das leis antiaborto são independentes da discussão sobre o status moral e jurídico do feto, pois assentam a conclusão de que os corpos femininos não podem ser compelidos a proteger a vida embrionária, mesmo que se admita que se trate de uma vida humana completa. [43]

Sustenta-se, em contraposição, que, em geral, a gravidez decorre de um ato voluntário. Assim, a mulher teria se colocado espontaneamente na situação que lhe impõe o dever de, por meio de seu corpo, manter a vida e proteger o feto. A restrição deveria ser aceita como consequência natural de seus atos.

De início, esse contra-argumento não seria oponível às situações em que a gravidez é decorrente de estupro. Assim, já se poderia responder que, diante da dificuldade inerente à comunicação e à elucidação dos crimes sexuais, o reconhecimento do direito ao aborto nos casos de violência deveria conduzir à legalização do aborto em geral, para que eventuais restrições não gerassem o impedimento indevido nas hipóteses legítimas. [44] , [45]

De qualquer forma, o fato de que a relação sexual foi voluntária está longe de significar que a gravidez também o foi. [46] É comum que esforços razoáveis de contracepção fracassem. Mesmo assim, impor às mulheres que assumam a consequência pelo risco assumido com a relação sexual continua consistindo em uma atitude assentada em discriminação, já que nenhuma obrigação semelhante é imposta aos homens. Mesmo quando os corpos masculinos poderiam ser biologicamente utilizados para proteger crianças, nenhum dever do tipo é juridicamente imposto. Conforme anota Sunstein [47] : “A seletividade advém da falha generalizada de o Estado impor sobre os homens um dever corpóreo para a proteção de crianças”.

1.3 Conclusões iniciais

A vedação absoluta à interrupção voluntária da gravidez, mesmo em seus estágios iniciais (primeiro trimestre, como adotado na maior parte dos países desenvolvidos), trata as mulheres como objetos, não como sujeitos autônomos. Impõe-lhes a adoção de valores a respeito da vida, com base em premissas religiosas (que não são razões públicas), com os quais não necessariamente concordam. Apropria-se de seus corpos em benefício alheio, o que não ocorre com os homens de maneira minimamente semelhante. Torna compulsória a maternidade, como único destino a ser cumprido pelos corpos femininos, reforçando a discriminação de gênero. Pune a mulher por sua atividade sexual, como se pelo exercício de sua liberdade devesse ser cobrado um preço caro.

Acredita-se que a revisão teórica até aqui empreendida tenha logrado êxito em estabelecer que a proibição do aborto viola gravemente direitos fundamentais das mulheres, sendo um passo imprescindível no caminho de sua plena emancipação o reconhecimento dessa inconstitucionalidade.

2 Análise prática

2.1 Análises empíricas

2.1.1 Dados internacionais

Simone de Beauvoir já apontava, em 1949, que anualmente havia na França número igual de abortos e de nascimentos, e que se tratava, portanto, de um fenômeno tão expandido que deveria ser considerado como um dos riscos normalmente implicados na condição feminina, a despeito de ainda então ser criminalizado naquele país. [48]

Dois importantes estudos, publicados na respeitadíssima revista Lancet, avaliaram de forma ampla correlações entre taxas de gestações não intencionais, renda, autorização ou proibição pela legislação e interrupção voluntária, comparando âmbitos regionais e global.

Sedgh e outros [49] basearam sua análise no desenvolvimento de um modelo teórico que estimou a totalidade de abortos em subgrupos de mulheres divididas de acordo com estado civil e uso de contraceptivos: mulheres casadas com necessidade não atendida por método contraceptivo; mulheres casadas em uso de método contraceptivo sujeito a falha; mulheres casadas sem necessidade de um método contraceptivo (seja por desejarem filhos, seja por causas de infertilidade); e mulheres solteiras. Foram pesquisados dados de todos os países do mundo no período de 1990 a 2014, a partir de estatísticas oficiais e estudos nacionais.

Em âmbito global, estimou-se, no período de 1990 a 1994, a existência de 40 abortos por 1.000 mulheres, uma diferença estatisticamente irrelevante em relação ao período de 2010 a 2014, em que a taxa foi de 35 abortos por 1.000 mulheres. Nos países desenvolvidos, observou-se uma redução significativa na comparação dos dois períodos, de 46 abortos por 1.000 mulheres para 27. Nos países em desenvolvimento, a redução de dois pontos (de 39/1.000 para 37/1.000) foi considerada não significativa.

Globalmente, 25% das gestações terminaram em abortos entre 2010 e 2014. Nas regiões desenvolvidas, houve redução dessa taxa de 39% para 28%; nos países em desenvolvimento, houve aumento de 21% para 24%.

O estudo apontou ainda que não foi possível identificar evidências de que as taxas de aborto estejam associadas com o seu status legal: apurou-se a taxa de 37 abortos por 1.000 mulheres onde a prática é totalmente proibida ou permitida apenas para salvar a vida da gestante; e 34 onde está disponível a pedido.

A taxa anual de abortos entre 2010 e 2014 foi estimada em 36/1.000 em relação a mulheres casadas e 25/1.000 para mulheres solteiras.

Estimou-se que 6,9 milhões de mulheres, em regiões em desenvolvimento, foram tratadas por complicações decorrentes de aborto inseguro em 2012, embora cerca de 40% das mulheres que necessitaram de cuidado não o tenham obtido.

Esses dados são relevantes para pontuar algumas conclusões: a proibição legal de realização de aborto é irrelevante para coibir a prática; a necessidade de recorrer à interrupção voluntária da gravidez está ligada a circunstâncias socioeconômicas (uma vez que as taxas são muito superiores nas regiões em desenvolvimento) e, certamente, à carência de investimentos em políticas de planejamento familiar; a proibição legal da interrupção voluntária da gravidez possui como efeito direto o aumento significativo da utilização de métodos clandestinos e inseguros, que acarretam consequências graves à saúde dessas mulheres.

As estimativas de Sedgh e outros foram confirmadas em outro estudo internacional. Bearak e outros [50] desenvolveram modelo estatístico que estimou conjuntamente gestações não intencionais e abortos, abrangendo o período de 1990 a 2019. Foram realizadas comparações por meio da classificação dos grupos de renda do Banco Mundial [51] e de grupos de países em que o aborto é amplamente legal ou ilegal.

Apurou-se que, entre 2015 e 2019, ocorreram em média 121 milhões de gestações não intencionais por ano, o que corresponde a uma taxa global anual de 64 gestações por 1.000 mulheres de idades de 15 a 49 anos. Entre todas as gestações, 48% foram não intencionais.

Relacionando-se às classificações do Banco Mundial, observou-se que as taxas de gravidezes não intencionais estavam negativamente associadas à renda. As médias anuais foram de 34 por 1.000 mulheres entre 15 e 49 anos em grupos de alta renda e de 66 por 1.000 mulheres entre 15 e 49 anos em países de renda média. Em países de baixa renda, a média anual de gestações não intencionais foi de 93/1.000. Nesse período de 2015 a 2019, a média anual de abortos foi de 44 por 1.000 mulheres em países de renda média, 38 por 1.000 nos de baixa renda e 15 por 1.000 nos de renda alta. As correspondentes taxas de gestações não intencionais terminadas em aborto foram de 66%, 40% e 43%.

Concluiu-se, a respeito do status legal, que as taxas de concepções não intencionais foram em geral mais altas em modelos nos quais o aborto é restrito. Onde há restrições, a média anual de gestações não intencionais foi de 73 por 1.000 mulheres, sendo a taxa de abortos de 36; em países onde o aborto é legal, as taxas de gravidez não intencional e de aborto foram, respectivamente, de 50 e 26. Cerca de metade das gestações não intencionais terminaram em abortos, seja nos países em que a prática é restrita, seja naqueles em que ela é legal. Em todas as classificações de renda do Banco Mundial, as taxas de gravidezes não intencionais foram mais altas em países com leis restritivas ao aborto.

Em síntese, a proibição não impede e a legalização não estimula o aborto. As evidências são claras de que a maneira mais efetiva de prevenir gravidezes indesejadas é pelo uso de contraceptivos modernos. [52]

Essa relação, além disso, foi recentemente observada no Uruguai. Por se tratar de um país latino-americano em desenvolvimento – ainda que sua população represente cerca de 1,5% da brasileira –, importantes paralelos podem ser traçados para a realidade do Brasil.

O Uruguai foi pioneiro na implantação de modelo de redução de riscos e danos para prevenção do aborto inseguro em seus serviços públicos de saúde e, com isso, reduziu as taxas de mortalidade materna. [53] Lei sancionada em 2012 passou a autorizar a realização de aborto mediante solicitação da mulher até 12 semanas de gravidez, até 14 semanas no caso de estupro e sem limitações de prazo se a saúde de uma mulher estiver em risco ou em caso de malformações incompatíveis com a vida. [54]

Comparando-se os períodos de 2001-2005, 2006-2010 e 2011-2015, em que as políticas de redução de riscos e danos passaram a ser implementadas, observou-se redução notável e gradual da mortalidade materna, de 19,2% entre o primeiro e o segundo períodos e de 28,4% entre o segundo e o terceiro. A despeito da legalização, não foi observado aumento do número de abortos – o que novamente corrobora a conclusão de que a interrupção voluntária da gravidez está correlacionada a outros fatores que não à permissão legal. A implementação da política de descriminalização da prática do aborto seguro não apenas reduz as mortes das mulheres, como não resulta em qualquer incremento do número de abortos induzidos; pelo contrário, o número de interrupções voluntárias tendeu a reduzir, como observado na experiência uruguaia. [55]

2.1.2 O aborto no Brasil

Estigmas sociais (morais e religiosos) e, sobretudo, o contexto de ilegalidade acarretam grande dificuldade de obtenção de dados estatísticos e relatos pelas mulheres. Assim, a investigação do aborto requer cuidados metodológicos específicos.

No Brasil, há poucos estudos de base populacional sobre o tema envolvendo amostras representativas de mulheres. [56] Inquéritos domiciliares demonstram que a técnica investigativa empregada (uso de perguntas diretas ou indiretas, de respostas anônimas em urnas ou da técnica de resposta ao azar) resulta na obtenção de respostas muito distintas, chegando a haver o dobro de relatos de realização de abortos quando aplicado o método da urna, em comparação com questões indiretas (7,2% e 3,8%, respectivamente [57] ); a mesma discrepância foi notada quando comparadas as respostas fornecidas pelas mulheres e por seus parceiros (7,5% e 12,4%, respectivamente [58] ). É seguro presumir, ainda, que mesmo a garantia do anonimato não exclui importante parcela de sub-relatos.

Pesquisas apontam que a subnotificação também ocorre em relação aos óbitos decorrentes de aborto, os quais constituem “as mais mal notificadas dentre as mortes maternas”. [59] Do que se pode apurar, as mortes por aborto atingem especialmente mulheres jovens, de estratos sociais desfavorecidos, residentes em áreas periféricas das cidades e negras. [60] O maior índice de mortalidade nesses grupos vulneráveis, porém, não está relacionado a um número maior de abortos. Verificou-se que mulheres com renda familiar per capita e escolaridade mais elevadas relataram ter abortado, respectivamente, 4,6 e 3,8 vezes mais que aquelas mais pobres e menos escolarizadas. Embora a renda superior esteja ligada a gravidezes não intencionais menos frequentes, há correlação com práticas mais frequentes de aborto. No caso das concepções indesejadas de mulheres economicamente desfavorecidas, embora proporcionalmente tenham como desfecho menor o aborto, nos casos em que isso ocorre, há recurso menos frequente a clínicas ou consultórios privados; a interrupção da gravidez ocorre por meio de técnicas menos seguras e de forma mais tardia. [61]

Há poucos estudos desenvolvidos sobre a atenção prestada às mulheres que abortam e os custos da atenção ao aborto, embora não haja dúvidas de que o grande volume de internações para tratamento de complicações e eventuais sequelas da prática clandestina possua grande impacto financeiro no setor de saúde pública. Menezes [62] referiu, como exemplo, que, no ano de 1991, o total de gastos com internações por essas causas seria suficiente para que o Estado assumisse a realização de aproximadamente 62 mil abortos seguros, ou seja, 91% dos procedimentos estimados para aquele ano.

Essa inferência é confirmada por Cardoso e outros, [63] segundo os quais foi registrada no Sistema de Informações Hospitalares (o qual registra as internações hospitalares no sistema público brasileiro, coletando essas informações com a finalidade administrativa de contabilizar procedimentos realizados em internações e controlar os custos para repasse às unidades de saúde executoras pelas secretarias municipais de saúde) média de aproximadamente 200.000 internações/ano por procedimentos relacionados ao aborto entre 2008 e 2015. Essas internações somaram o valor total de aproximadamente R$ 40.000.000,00 ao ano, divididos entre serviços profissionais (média de 35%) e serviços hospitalares (média de 65%). É importante salientar que procedimentos realizados sem internação hospitalar não são registrados nesse sistema.

O mais importante estudo produzido até o momento no Brasil foi conduzido por Débora Diniz, Marcelo Medeiros e Alberto Madeiro, a Pesquisa Nacional de Aborto 2016 – PNA. [64] Trata-se de um inquérito domiciliar baseado em uma amostra aleatória representativa da população total de mulheres alfabetizadas com idade entre 18 e 39 anos no Brasil. Foi adotada combinação de um questionário baseado na técnica de urna (ballot-box technique) e um questionário face a face aplicado apenas por entrevistadoras mulheres. A sua grande importância decorre justamente da utilização de técnicas e metodologias que, principalmente por assegurarem o sigilo, permitiram a obtenção de respostas mais confiáveis pelas entrevistadas, superando ao menos em parte os importantes obstáculos já citados, relacionados aos estigmas social, moral e religioso e ao medo quanto a consequências jurídicas.

Das 2.002 mulheres alfabetizadas entrevistadas, 13% (251 delas) já fizeram ao menos um aborto. Após análises de predição por regressão linear e por aproximação, o estudo apontou que, em 2016, aos 40 anos de idade, quase uma em cada cinco brasileiras já teria feito um aborto (1 em cada 5,4).

Os autores sugeriram cuidado ao extrapolar os dados obtidos para a população feminina total, uma vez que o inquérito se limitou a entrevistar mulheres alfabetizadas das áreas urbanas. Não se sabe em que medida as taxas de aborto das mulheres analfabetas e das de áreas rurais diferem do observado na PNA 2016, e as evidências obtidas são ambíguas. Por um lado, as taxas de aborto são maiores nos municípios com mais de 100 mil habitantes (13%) em comparação com os com menos de 20 mil (11%), o que sugeriria taxas menores em áreas rurais; por outro, as taxas são muito superiores entre as mulheres com baixa escolaridade, que cursaram até a quarta série (22%), em comparação às que completaram o ensino médio ou superior (11%), o que sugeriria taxas maiores entre as analfabetas. [65]

De qualquer forma, adotando-se os resultados com a devida cautela, a extrapolação a partir das taxas de aborto de alfabetizadas urbanas (13%) aponta que, em 2016, o número de brasileiras que teria abortado ao menos uma vez seria em torno de 4,7 milhões; aplicando-se a taxa de aborto no último ano, o número somente no ano de 2015 seria de aproximadamente 503 mil. [66]

Cerca de metade das mulheres (48%) precisou ser internada para finalizar o aborto. Com base nisso, o estudo concluiu, distintamente das estimativas por métodos indiretos, baseadas em internações hospitalares por complicações de aborto, que, entre 1996 e 2012, não teria havido diminuição do número de abortos, mas apenas da necessidade de internação para tratamento de complicações. [67]

Corroborando as conclusões de estudos internacionais, a Pesquisa Nacional de Aborto 2016 apontou que o aborto no Brasil é comum e ocorreu com frequência entre mulheres comuns:

[...] isto é, foi realizado por mulheres: a) de todas as idades (ou seja, permanece como um evento frequente na vida reprodutiva de mulheres há muitas décadas); b) casadas ou não; c) que são mães hoje; d) de todas as religiões, inclusive as sem religião; e) de todos os níveis educacionais; f) trabalhadoras ou não; g) de todas as classes sociais; h) de todos os grupos raciais; i) em todas as regiões do país; j) em todos os tipos e tamanhos de município.

Embora se aponte com segurança que a realização de aborto seja comum entre as mulheres (já que, independentemente de classificação de renda, escolaridade, religião e raça, as taxas não foram inferiores a 8%), os resultados não são uniformes segundo grupos. Os números são notavelmente maiores, por exemplo, nas populações com menos escolaridade, com renda familiar total mais baixa e entre mulheres amarelas, pretas, pardas e indígenas. O padrão observado é semelhante ao encontrado em estudo anterior realizado pelos mesmos autores, em 2010, [68] e às conclusões das análises internacionais. Conforme apontado por Romio [69] :

A exclusão do acesso a bens econômicos indispensáveis e à atenção em saúde configura um cenário de marginalização e abandono, no qual a prática de interrupção da gestação é um dos poucos recursos que as mulheres ainda possuem para assegurar seus direitos reprodutivos e sua sobrevivência.

Por outro lado, conforme já apontado, mulheres jovens de classes econômicas privilegiadas engravidam menos, mas aquelas que de fato engravidam se utilizam proporcionalmente mais da prática do aborto do que jovens de classes desfavorecidas. [70]

2.2 O mercado negro

Denomina-se “mercado negro” (economia subterrânea, cinza, não oficial, escondida, irregular, marginal, paralela, etc.) o conjunto de atividades econômicas voluntariamente realizadas à margem dos controles do Estado – proibições totais ou restrições parciais. [71] Diante da constatação de que abortos são praticados massivamente independentemente de autorização legal, torna-se pertinente analisar alguns aspectos da economia desse mercado negro.

A restrição ou proibição de um produto ou serviço tem como efeito imediato diminuir a quantidade que pode ser ofertada e aumentar o preço pelo qual será negociado. Com isso, surge a procura por meios que permitam oferecê-lo a preço inferior, inclusive a via do mercado negro, mediante comparação do preço legalmente permitido com aquele que seria obtido contornando-se a restrição ou interdição legal. [72]

Em relação ao consumidor, o preço praticado é aumentado como um prêmio pelo risco do fornecedor, e a qualidade do serviço ou produto não pode ser garantida. O adquirente deve confiar no próprio conhecimento, principalmente por meio de informações obtidas no processo “boca a boca”. [73]

Outro aspecto relevante na formação do preço mais elevado (em comparação à economia regular) reside no efeito redistributivo regressivo. Conforme apontam Mackaay e Rousseau, “o mercado negro discrimina contra os pobres”. [74] É por meio da eliminação de custosas medidas de garantia e segurança, por exemplo, que o produto ou serviço se torna acessível às pessoas mais pobres (como no caso de construções irregulares, fenômeno muito observado no Brasil em áreas controladas por “milícias”, conforme descrito por Manso [75] ).

Do ponto de vista do Estado, o mercado negro impede a contabilização real dos fatos e priva a sociedade de receitas fiscais. Por consequência, “aumenta o ônus para os cidadãos honestos, porém de forma imperceptível”. [76] Há incremento também nos custos de fiscalização, em especial com operações policiais, cujo sucesso é imperfeito (o que pode estimular maiores investimentos na repressão ao mercado ilícito, criando-se círculo vicioso). Não se pode desconsiderar também o aumento do risco de corrupção dos agentes estatais, frente ao poder econômico relevante das pessoas que se beneficiam dos preços elevados do comércio irregular.

O recurso ao mercado negro pode consistir simplesmente na tentativa de se tirar vantagem em relação aos esforços da maioria dos cidadãos honestos que respeitam as regras, em uma conduta predatória ou parasitária (como se verifica na sonegação fiscal, por exemplo). Trata-se de uma imoralidade individual. [77]

Essa análise, porém, não exaure o fenômeno. A economia paralela com frequência constitui uma forma de “escapar de uma regulação tornada antiprodutiva e assustadora”. [78] Trata-se de uma revogação parcial, pelos participantes, de sua adesão ao “contrato social”: há aí uma crise de legitimidade da ordem jurídica – não da legalidade estrita, formal, da restrição –, que passa a minar a sua aceitação pela população.

Coloca-se em crítica o pensamento de que o Estado de Direito pode ser assegurado formalmente, desde que as normas sejam fruto do procedimento constitucionalmente previsto. A desobediência civil constitui um mercado negro e assinala os limites de fato da autoridade do Estado. [79] A aceitação da legitimidade da ordem jurídica leva à obediência espontânea e ao surgimento de controles sociais. Na medida em que há uma dissonância entre a ordem estatal e as preferências dos cidadãos, torna-se cada vez mais necessária a coerção explícita, que envolve altos custos financeiros, morais e pessoais. Por isso, torna-se imprescindível indagar sobre as razões que levaram ao desrespeito consistente às regras e ao surgimento do mercado negro. [80]

No que importa diretamente à análise da proibição do aborto, é importante citar a figura do “paternalismo”, que consiste em substituir os valores de alguns, dominantes, pelos de outros, eventualmente minoritários, [81] sob a premissa de que o indivíduo não está em melhor condição de julgar o que é bom para si. Os ensinamentos da escola da “public choice” (escolha racional) apontam que a imposição a toda a sociedade de um modo de vida preferido por determinado grupo consiste em “busca por renda” (rent-seeking), ou seja, na manipulação do contexto social e político em favor próprio, não do bem geral.

Por isso, há uma ambiguidade moral na existência do mercado negro, que abrange fenômenos complexos.

É importante destacar, ainda, que a economia paralela não cria uma dependência irreversível. Removidas as proibições ou restrições excessivas, recria-se o mercado oficial, provavelmente acompanhado de muitos efeitos desejáveis, como melhora da qualidade do produto ou serviço, melhor conhecimento de seus efeitos, menores preços, aumento da arrecadação fiscal e, em especial, redução da criminalidade e dos custos com a repressão. [82]

Em todas as partes do mundo, a proibição legal do aborto, em crise de legitimidade por descompasso com a prática ancestral e a moralidade femininas, não foi efetiva e criou mercado negro. Com isso, estabeleceu condições economicamente ineficientes, ao aumentar custos em geral (de repressão pelo Estado e de aquisição pelo consumidor) e ao eliminar as possibilidades reais de fiscalização da qualidade dos serviços prestados.

Por isso, também do ponto de vista de uma análise econômica do direito, as leis restritivas ao aborto devem ser revogadas no Brasil.

2.3 A mulher que aborta

Diniz e outros concluíram que a mulher que aborta é uma mulher comum: o aborto é frequente tanto na juventude quanto na idade adulta; entre mulheres que são ou que se tornarão mães; em todas as classes sociais, em todos os grupos raciais, em todos os níveis educacionais; inclusive quanto a mulheres que pertencem a todas as grandes religiões do país. [83] É fundamental compreender esse fato para que se possa destruir o estigma que pesa sobre a prática. Afinal, trata-se de algo absolutamente comum e presente na vivência feminina, uma prática ancestral que diz respeito à relação das mulheres com seus corpos e não é evitada mesmo que proibida em todas as instâncias sociais (religiosa, moral ou jurídica). O aborto e as mulheres que o praticam não podem ser considerados “estranhos” ou “anormais”.

O estigma da anormalidade ou do desajuste social incute a culpa pelo pecado e tenta criar na mulher o pensamento de que está sozinha, praticando um ato abominável que pessoas boas e normais não fariam. Com isso, diminuem as chances de que a mulher encontre apoio e possa até mesmo conversar de forma segura. É importante observar que frequentemente a legalização do aborto é acompanhada da instituição de procedimentos de acompanhamento psicológico e planejamento familiar, serviços ineficientes no Brasil. A questão do aborto não pode ser silenciada nas mulheres, até para que não sejam empurradas à adoção de métodos arriscados apenas porque não obtiveram o necessário apoio de outras pessoas e do Estado, ou seja, porque se sentiram condenadas a lidar com sua crise sozinhas.

Estudos brasileiros apontam que muitas mulheres que recorrem ao aborto tinham dúvidas quanto à contracepção, não a utilizavam ou a utilizavam de modo incorreto. [84] É fácil notar que, quanto a isso, o meio mais efetivo para evitar a realização do aborto seria simplesmente o fornecimento de informação e educação sexual, além de métodos anticoncepcionais seguros e baratos. Embora o Sistema Único de Saúde forneça de forma gratuita tanto preservativos masculinos quanto anticoncepcionais femininos orais, esses dados permitem compreender que a entrega ou o uso efetivo pela população estão aquém do desejado.

Além disso, mulheres que vivem configurações de violência, perpetrada pelo parceiro no ambiente doméstico, percebem essas situações como influentes para a busca pelo aborto. Observa-se elevado índice de abortamento entre mulheres que sofreram coerção sexual em algum momento de suas vidas. Esses elementos permitem compreender o aborto como uma reivindicação direta das mulheres quanto a seus direitos reprodutivos e, em especial, do direito sobre seus corpos, inclusive de se negarem a gerar filhos com homens abusivos e violentos. [85]

2.4 Aborto e classe

Simone de Beauvoir já descrevia que o aborto pode ser considerado um “crime de classe” [86] : as práticas anticoncepcionais são muito mais espalhadas entre as classes economicamente privilegiadas, e os filhos representam um fardo muito menos pesado para o casal; “a pobreza, a crise de habitação, a necessidade de a mulher trabalhar fora de casa figuram entre as causas mais frequentes do aborto”. [87] Somente após o segundo filho os casais de classes mais altas passariam a realizar a prática, de modo que a abortante “de traços horríveis é também a mãe magnífica que embala nos braços dois anjos louros: a mesma mulher”. [88] A afirmação se conecta profundamente com a realidade brasileira atual, conforme atestou a Pesquisa Nacional do Aborto 2016.

Além disso, a mulher com dinheiro e boas relações sociais sempre teve mais facilidade de acesso inclusive à obtenção de atestados médicos que indicassem risco de vida, permitindo-lhe a realização de aborto de forma legal; se necessário, poderá viajar a outro país em que a prática é legalizada. Na França das décadas de 1940 e 1950, ia-se à Suíça; [89] no Brasil de 2021, vai-se a Portugal [90] ou à Colômbia. [91]

Quando não dispõe de recursos econômicos, porém, a mulher se percebe obrigada a recorrer aos meios que tem, e “há poucas desgraças mais lamentáveis do que a de uma moça sozinha, sem dinheiro, que se vê acuada a um ‘crime’ a fim de apagar a mancha de um ‘erro’ que os seus não perdoariam”. [92] E, ao se valer muitas vezes de meios caseiros e tradicionais (como os conhecidos chás abortivos), enquanto não dispõe de dinheiro ou contato de algum meio eficaz (como medicamentos ou clínicas clandestinas), a gravidez se torna mais avançada com o passar dos meses, e a sua interrupção, infinitamente mais perigosa e comprometedora. [93] A literatura é farta ao descrever os métodos abortivos popularmente utilizados, cuja autoviolência evidencia o desespero dessas mulheres; com tais tratamentos, é muitas vezes matando a mãe que se suprime o filho. [94]

A temática do abortamento, portanto, toca intimamente em relações de poder e dominação, seja no que tange aos aspectos econômicos, seja quanto a questões de gênero. [95]

Hoje, mesmo no cenário de ilegalidade, cerca de metade das mulheres brasileiras que abortam se vale de medicamentos como técnica abortiva, sendo o mais comum o misoprostol (nome comercial Citotec ou Prostokos), o qual é indicado pela Organização Mundial de Saúde para a realização de abortos seguros. Por isso, a mortalidade por complicações é atualmente menor do que em décadas passadas. [96]

A Organização Mundial da Saúde aponta que o aborto, se realizado por um profissional adequadamente treinado e por meio de um método recomendado, é considerado seguro, e o risco de complicações severas ou de morte é mínimo. [97] Os profissionais, as habilidades e o ambiente necessários para atender a esses critérios médicos são definidos em diretrizes da OMS, as quais são atualizadas periodicamente. [98]

Vale dizer: mesmo que as brasileiras estejam se utilizando, ao menos em parte relevante, de um método recomendado, o aborto não pode ser considerado seguro, já que não acompanhado por profissional habilitado. Isso se reflete ainda no fato de que metade das brasileiras que abortam necessita de internação para finalizar o procedimento. [99]

Esse contexto induz à conclusão de que a simples retirada do entrave jurídico à interrupção voluntária da gravidez (na prática, inefetivo) não contribuirá de forma definitiva para a solução desse grave problema de saúde pública. A questão realmente impactante para as mulheres que mais abortam no Brasil, as de classes desfavorecidas, permanecerá sendo de natureza econômica.

Por isso, torna-se imprescindível que o aborto passe a ser não apenas legalizado, mas que seja incorporado como tratamento no Sistema Único de Saúde, garantindo-se o acesso gratuito a todas as mulheres que venham a necessitar do serviço.

Encontra-se além das capacidades deste trabalho empreender uma análise de custo-efetividade da incorporação de procedimentos de interrupção voluntária da gravidez no âmbito do SUS. Uma comparação inicial, porém, indica a hipótese de que se trataria de medida custo-efetiva, uma vez que atualmente as práticas clandestinas impactam severamente o sistema de saúde, já que resultam frequentemente na necessidade de internações e de uso de procedimentos mais complexos, o que não ocorreria se adotados os métodos seguros indicados pela Organização Mundial da Saúde.

A incorporação dos procedimentos no âmbito do SUS teria como primeira consequência a agressiva diminuição das necessidades de internação, uma vez que os métodos seguros indicados pela OMS dispensam a intervenção hospitalar complexa. Mesmo as estimativas mais conservadoras, oriundas do Ministério da Saúde (sistema DATASUS), apontam que no ano de 2019 foram realizados 15.498 procedimentos de “esvaziamento de útero pós-aborto por aspiração manual intrauterina (AMIU)” e 168.574 procedimentos de “curetagem pós-abortamento/puerperal”, ao valor total de R$ 39.921.172,81 e na média individual de R$ 216,88. É importante frisar que esse total de 184.072 casos não abrange todas as interrupções voluntárias praticadas no ano, já que as pesquisas mais confiáveis estimam a ocorrência de cerca de 500 mil abortos por ano no Brasil (metade dos quais necessitaria de internação por complicações). E, embora esses procedimentos também sejam realizados na hipótese de abortamento espontâneo, é seguro presumir que os números referidos envolvam majoritariamente os casos em que houve complicação pela prática clandestina.

De acordo com a tabela atualizada de preços máximos de medicamentos para compras públicas (preço máximo de venda ao governo – PMVG), [100] o valor unitário do comprimido de misoprostol 200mcg foi fixado em R$ 29,58, e de 25mcg, em R$ 6,73 (considerando-se as apresentações de caixas com 50 e 100 comprimidos, respectivamente). Observe-se que se trata dos preços máximos atualmente praticados pelo governo brasileiro, considerando a incidência de 20% de imposto sobre a circulação de mercadorias – ICMS. Não há essa avaliação para o medicamento mifepristona.

A diretriz atualmente vigente da Organização Mundial da Saúde em relação à gravidez de idade gestacional de até 12 semanas (84 dias) para os casos em que mifepristona não está disponível envolve o uso máximo de 3.200mcg de misoprostol (800mcg de misoprostol administrado via vaginal ou oral e até três doses de 800mcg administradas em intervalos de até três horas, mas não por mais de doze horas). Isso permite concluir que, no atual contexto, o custo máximo da interrupção voluntária seguindo as diretrizes da OMS seria de R$ 473,28 (desconsiderando-se o custo de pessoal, como médicos e enfermeiros).

Ainda que à primeira vista essa análise rudimentar sugira que o aborto seguro traria maiores impactos financeiros ao sistema de saúde, há diversos outros custos envolvidos que devem ser contabilizados.

As brasileiras já têm feito uso consistente do misoprostol como forma de indução do aborto. Esse custo de aquisição já existe e, por conta da dinâmica do mercado negro, é muito superior ao que seria praticado em uma aquisição governamental. Pesquisa rápida na Internet revela a venda clandestina, de cartelas com quatro comprimidos, por valores de R$ 600,00 até R$ 3.000,00. Há relatos de que o procedimento em clínicas irregulares custe em torno de R$ 5.500,00. [101] Somando-se os custos individualmente assumidos e aqueles arcados diretamente pelo sistema de saúde nos casos de complicação, torna-se claro que o atual modelo é economicamente ineficiente, tendo como consequência o aumento de custos totais.

Além disso, os preços que seriam obtidos em compras governamentais certamente reduziriam com o aumento massivo das aquisições, em economia de escala.

Por fim, há inúmeros custos sociais que devem ser igualmente contabilizados, mesmo que nesta análise simplista de custo-efetividade (na verdade, um mero esboço de criação de hipóteses), como os danos diretos à saúde das mulheres que se submetem atualmente a procedimentos inseguros (físicos e psíquicos), a consequente necessidade de afastamento do trabalho e a alta taxa de mortalidade materna (55,82 mortes maternas a cada 100 mil nascidos vivos).

Embora estudos econômicos profundos sejam necessários, esses indícios apontam para a custo-efetividade da incorporação de procedimentos de interrupção voluntária da gravidez no âmbito do Sistema Único de Saúde, de acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde. A experiência internacional tem sido nessa direção, como em Portugal, na Inglaterra e no Uruguai. Trata-se, acima de tudo, de uma medida de justiça social, diante do já referido efeito regressivo do mercado negro, confirmado pelas abundantes evidências empíricas que demonstram que as maiores vitimadas por práticas inseguras (e, por consequência, pela proibição e pela ausência de política pública) são mulheres pobres, de baixa escolaridade e negras.

Conclusões

A conclusão imediata é que nada de bom surge da proibição do aborto.

De uma perspectiva principiológica, essa vedação é equivocada por tratar os corpos femininos como objetos e negar às mulheres o pleno exercício de sua liberdade, por meio da imposição de visões religiosas com base em razões não públicas. Essas graves restrições aos direitos reprodutivos femininos reforçam a discriminação de gênero, na medida em que sustentam que o principal papel social da mulher é voltado ao cumprimento de suas funções biológicas e ao cuidado doméstico, pelo exercício de uma maternidade compulsória.

O equívoco maior, porém, parece estar na perspectiva prática, já que a proibição legal não consegue obter o resultado desejado, de diminuir ou cessar a prática de abortos. O seu maior efeito é o de violar ainda mais o valor da vida, cuja proteção seria a sua justificativa, na medida em que cria um mercado negro de serviços inseguros. Aumentam-se, ainda, os custos sociais, um efeito natural da economia paralela.

Todos esses aspectos analisados conduzem à conclusão quanto à necessidade de urgente revisão do modelo legislativo a respeito do aborto, que deve não apenas ser legalizado, mas incorporado como tratamento gratuitamente fornecido no Sistema Único de Saúde. Essas medidas são fundamentais como mais um passo do Estado brasileiro na direção de resolver a sua histórica e gravíssima dívida de desigualdade econômica e social.

 


Referências

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.

 


[3] RAWLS, John. O liberalismo político. Ed. ampl. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p. 4.

[4] Ibid., p. 44.

[5] Ibid., p. 69.

[6] SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 43-82, abr./jun. 2005. p. 61.

[7] RAWLS, John. O liberalismo político. Ed. ampl. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p. 169.

[8] Ibid., p. 276.

[9] Ibid., p. 256.

[10] SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 43-82, abr./jun. 2005. p. 63.

[11] Ibid., p. 62.

[12] SUNSTEIN, Cass R. A Constituição parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 21.

[13] HOOKS, Bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Traduzido por Bhuvi Libanio. 13. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020. p. 54-55.

[14] SUNSTEIN, Cass R. A Constituição parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 341-342.

[15] GREER, Germaine. Sexo e destino: a política da fertilidade humana. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. p. 219.

[16] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 240.

[17] Ibid., p. IX.

[18] SUNSTEIN, Cass R. A Constituição parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 356.

[19] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 11.

[20] Ibid., p. 11.

[21] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 29.

[22] Esse é o marco imposto pela legislação brasileira como condição à doação de órgãos, conforme artigo 3º da Lei nº 9.434/1997 (“Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina”), de acordo com o consenso científico internacional, que remonta pelo menos ao comitê estabelecido pela Faculdade de Medicina de Harvard em 1968, cujas conclusões foram publicadas em BEECHER, Henry Knowles. Report of the ad hoc committee of the Harvard Medical School to examine the definition of brain death: the definition of irreversible coma. Transplantation, v. 7, n. 3, p. 204, 1969.

[23] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 222.

[24] Ibid., p. 223.

[25] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 234-235.

[26] SUNSTEIN, Cass R. A Constituição parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 358-359.

[27] Ibid., p. 359.

[28] GREER, Germaine. Sexo e destino: a política da fertilidade humana. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. p. 200.

[29] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 121.

[30] Ibid., p. 121.

[31] Ibid., p. 121.

[32] Evidentemente, não se trata aqui de investimento econômico, mas principalmente pessoal e de expectativas. Ibid., p. 122.

[33] Ibid., p. 123.

[34] SUNSTEIN, Cass R. A Constituição parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 361.

[35] SUNSTEIN, Cass R. A Constituição parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 363.

[36] Ibid., p. 365.

[37] Ibid., p. 365.

[38] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. v. 2. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. p. 279.

[39] MORAES, Meriene Santos de. A prática de aborto voluntário e as múltiplas escalas de poder e resistência: entre o corpo feminino e o território nacional. 125 p. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016. p. 14.

[40] SUNSTEIN, Cass R. A Constituição parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 367.

[41] O próprio teste de proporcionalidade no sopesamento da colisão de princípios, conforme estabelecido por Alexy e amplamente adotado pela jurisprudência brasileira e alemã, determina esse tipo de verificação (ALEXY, 1994).

[42] SUNSTEIN, Cass R. A Constituição parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 368.

[43] Ibid., p. 370.

[44] Ibid., p. 371.

[45] Justamente por isso, está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.552, a Portaria nº 2.282, de 27 de agosto de 2020, do Ministério da Saúde, a qual instituiu a obrigação de notificação “à autoridade policial pelo médico, demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que acolheram a paciente dos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro”.

[46] SUNSTEIN, Cass R. A Constituição parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 371.

[47] Ibid., p. 372.

[48] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. v. 2. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. p. 280.

[49] SEDGH, Gilda et al. Abortion incidence between 1990 and 2014: global, regional, and subregional levels and trends. The Lancet, 388.10041 (2016): 258/267.

[50] BEARAK, Jonathan et al. Unintended pregnancy and abortion by income, region, and the legal status of abortion: estimates from a comprehensive model for 1990–2019. The Lancet Global Health, 8.9 (2020): e1152-e1161.

[51] O Brasil é classificado no grupo “upper middle income”, renda média-alta.

[52] BAROT, Sneha. The roadmap to safe abortion worldwide: lessons from new global trends on incidence, legality and safety. New York: Guttmacher Institute, 2018.

[53] GALLI, Beatriz. Desafios e oportunidades para o acesso ao aborto legal e seguro na América Latina a partir dos cenários do Brasil, da Argentina e do Uruguai. Cadernos de Saúde Pública, v. 36, 2020. p. 3.

[54] GALLI, Beatriz. Desafios e oportunidades para o acesso ao aborto legal e seguro na América Latina a partir dos cenários do Brasil, da Argentina e do Uruguai. Cadernos de Saúde Pública, v. 36, 2020. p. 3.

[55] BRIOZZO, Leonel; PONCE DE LEÓN, Rodolfo Gómez; TOMASSO, Giselle; FAÚNDES, Anibal. Overall and abortion-related maternal mortality rates in Uruguay over the past 25 years and their association with policies and actions aimed at protecting women’s rights. International Journal of Gynecology & Obstetrics, v. 134, Supplement 1, p. S20-S23, 2016. ISSN 0020-7292.

[56] MENEZES, Greice; AQUINO, Estela M. L. Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 25 Sup 2: S193-S204, 2009. p. 194.

[57] Ibid., p. 194.

[58] MENEZES, Greice; AQUINO, Estela M. L. Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 25 Sup 2: S193-S204, 2009. p. 195.

[59] Ibid., p. 195.

[60] Ibid., p. 196.

[61] Ibid., p. 197.

[62] Ibid., p. 196.

[63] CARDOSO, Bruno Baptista; VIEIRA, Fernanda Morena dos Santos Barbeiro; SARACENI, Valeria. Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais? Cad. Saúde Pública, 36 Sup 1: e00188718, 2020. p. 6.

[64] DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, p. 653-660, 2017.

[65] Ibid., p. 655-656.

[66] DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, p. 653-660, 2017. p. 656.

[67] Ibid., p. 656.

[68] Ibid., p. 658.

[69] ROMIO, Caroline Matos et al. Saúde mental das mulheres e aborto induzido no Brasil. Psicologia Revista, v. 24, n. 1, p. 61-81, 2015. p. 77.

[70] Ibid., p. 70.

[71] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 185.

[72] Ibid., p. 187.

[73] Ibid., p. 189.

[74] Ibid., p. 189.

[75] MANSO, Bruno Paes. A república das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020.

[76] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 190.

[77] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 191.

[78] Ibid., p. 191.

[79] Ibid., p. 191.

[80] Ibid., p. 192.

[81] Ibid., p. 194.

[82] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 196.

[83] DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, p. 653-660, 2017. p. 659.

[84] ROMIO, Caroline Matos et al. Saúde mental das mulheres e aborto induzido no Brasil. Psicologia Revista, v. 24, n. 1, p. 61-81, 2015. p. 70-71.

[85] Ibid., p. 71.

[86] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. v. 2. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. p. 283.

[87] Ibid., p. 283.

[88] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. v. 2. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. p. 283.

[89] Ibid., p. 284.

[91] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45135808. Acesso em: 01 maio 2021, às 17h20min.

[92] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. v. 2. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. p. 284.

[93] Ibid., p. 285.

[94] Ibid., p. 286.

[95] ROMIO, Caroline Matos et al. Saúde mental das mulheres e aborto induzido no Brasil. Psicologia Revista, v. 24, n. 1, p. 61-81, 2015. p. 64.

[96] DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, p. 653-660, 2017. p. 659.

[98] GANATRA, Bela et al. Global, regional, and subregional classification of abortions by safety, 2010–14: estimates from a Bayesian hierarchical model. The Lancet, 390.10110 (2017): 2372-2381.

[99] DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, p. 653-660, 2017. p. 659.

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