Direito Hoje | Decisões monocráticas nos tribunais: exceção ou regra?
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Oscar Valente Cardoso

Juiz Federal, Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, professor em cursos de pós-graduação

 
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 Oscar Valente Cardoso 

28 de março de 2022

Resumo

O artigo examina o princípio da colegialidade e suas exceções, que permitem ao relator do processo no tribunal antecipar a decisão do órgão colegiado, para decidir de forma singular. Analisa as estatísticas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça para atestar que a grande maioria dos processos é resolvida pelo relator, sem a deliberação pelo colegiado competente. Conclui que o julgamento monocrático também contribui para a adoção das mesmas decisões judiciais para casos concretos similares, logo, concretiza a isonomia e a segurança jurídica. Para esse fim, utiliza as pesquisas documental (estudo de leis e outras normas jurídicas) e empírica (análise de dados sobre os casos julgados pelo STF e pelo STJ no período de 2010 a 2020).

Palavras-chave: Código de Processo Civil. Tribunais. Julgamento colegiado. Decisões monocráticas. Princípio da colegialidade.

Abstract

This article examines the principle of collegiality and its exceptions, which allow a judge to anticipate the decision of the court, in order to decide in a singular manner. It analyzes statistics on the Brazilian Federal Supreme Court and the Superior Court of Justice to attest that most of the cases are decided by a single judge, without deliberation by the other judges of the court. It concludes that the single trial also contributes to the adoption of the same judicial decisions for similar concrete cases, therefore, applying isonomy and legal security. To this end, it uses documental research (study of laws and other legal norms) and empirical research (data analysis of cases judged by the STF and the STJ from 2010 to 2020).

Keywords: Civil Procedure Code. Courts. Court decision. Decisions of a single judge. Principle of collegiality.

Sumário: Introdução. 1 Decisões monocráticas nos tribunais: definição e fundamentos legais. 2 Decisões monocráticas na prática dos tribunais. Conclusão. Referências.

Introdução

As decisões proferidas nos processos dos tribunais observam o princípio da colegialidade, razão pela qual, em regra, devem ser proferidas pelo órgão colegiado competente, ou seja, em conjunto pelos juízes que integram determinada turma, câmara, grupo, seção, órgão especial ou pleno, entre outros.

Contudo, na atualidade, os julgamentos colegiados progressivamente dão espaço para as decisões monocráticas, com base em diversas hipóteses previstas no Código de Processo Civil, que autorizam o relator a decidir o recurso (julgando – ou não – o mérito) sem remetê-lo para o órgão competente.

A aplicação prática desses casos, com a transformação da exceção em regra, é o objeto de estudo deste artigo, que examina a tendência dos tribunais brasileiros (mais especificamente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça) em julgar singularmente os seus processos, de competência originária ou recursal.

1 Decisões monocráticas nos tribunais: definição e fundamentos legais

Na lógica recursal do Código de Processo Civil, as decisões proferidas nos tribunais pressupõem, em regra, a deliberação do órgão colegiado. Nesse sentido, os arts. 934/943 do CPC, inseridos em capítulo sobre a ordem dos processos nos tribunais, contêm as regras de procedimento para a decisão colegiada. De forma específica, o art. 941, § 2º, dispõe: “No julgamento de apelação ou de agravo de instrumento, a decisão será tomada, no órgão colegiado, pelo voto de 3 (três) juízes”.

Essa regra também pode ser extraída do duplo grau de jurisdição, que possibilita a revisão da decisão (normalmente por um órgão judicial hierarquicamente superior) e deriva tanto da tendência humana em não acatar determinações contrárias ao seu interesse, quanto da possibilidade de falha ou equívoco na decisão de primeira instância, que supostamente se torna reduzida ou inexistente por meio do julgamento por um órgão colegiado. [1]

Umbilicalmente ligado ao duplo grau de jurisdição está o princípio da colegialidade, que, como sua própria denominação indica, exige que o julgamento nos tribunais seja realizado por um órgão colegiado. Trata-se de um direito dos jurisdicionados de ter seu processo analisado e julgado por um grupo de magistrados, e não por um juiz singular, e também de um pressuposto de existência dos tribunais, criados para que colegiados de juízes possam deliberar e reexaminar as decisões (singulares ou conjuntas) proferidas por juízes das instâncias inferiores.

Todavia, a colegialidade não tem valor absoluto e possui exceções, criadas por várias reformas processuais (especialmente aquela realizada pela Lei nº 9.756/98 sobre o CPC/1973), que ampliaram os poderes do relator, conferindo-lhe a competência (como juiz natural) para decidir recursos meramente procrastinatórios e/ou em confronto com súmula ou com a jurisprudência do tribunal ad quem.

O CPC/2015 ampliou os poderes do relator para decidir o mérito do recurso sem a necessidade de submissão ao órgão colegiado, mas substituiu a observância da jurisprudência pela aplicação do precedente. De acordo com as regras do art. 932, o relator tem competência monocrática para:

(a) não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida (inciso III);

(b) negar provimento ao recurso contrário a um precedente (inciso IV);

(c) dar provimento ao recurso contra decisão contrária a um precedente, observado o contraditório por meio da intimação da parte contrária para apresentar contrarrazões (inciso V).

Apesar de as regras vigentes se limitarem à aplicação de precedente para autorizar o relator a proferir decisão singular, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu um precedente para ampliar os poderes do relator na corte. De acordo com a Súmula nº 568, aprovada em 16 de março de 2016 (dois dias antes da entrada em vigor do CPC): “O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema”.

Portanto, o STJ elaborou uma súmula, que pode ser aplicada pelo relator com fundamento no art. 932, IV ou V, do CPC, para decidir de forma monocrática com fundamento na observância da jurisprudência do tribunal.

Em resumo, as situações acima citadas compreendem razões processuais e de mérito, o que faz com que o relator tenha poderes suficientes para, singularmente, não conhecer o recurso ou até mesmo decidir o seu mérito.

Assim, o relator pode:

(a) não conhecer o recurso quando for manifestamente inadmissível ou prejudicado (motivos processuais);

(b) conhecê-lo e julgá-lo no mérito (negando-lhe provimento) quando for manifestamente improcedente, com fundamento em precedente do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de outro tribunal superior;

(c) ou conhecê-lo e julgá-lo no mérito (dando-lhe provimento) quando o acórdão recorrido tiver descumprido precedente do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de outro tribunal superior.

O recurso manifestamente inadmissível é aquele que não observa algum (ou alguns) dos pressupostos de admissibilidade recursal, como a sucumbência, a tempestividade e o preparo. Por exemplo, caso a parte tenha apresentado o recurso após o decurso do prazo legal, pode o próprio relator decidir a questão, para não conhecê-lo.

O recurso manifestamente prejudicado também diz respeito a uma questão processual, qual seja, a perda do objeto. Exemplificando, se a parte interpõe agravo de instrumento ao tribunal e posteriormente o juiz de primeiro grau reconsidera a decisão agravada, o relator pode julgar singularmente o recurso, sem necessidade de submetê-lo à apreciação do órgão colegiado.

Por sua vez, o recurso manifestamente improcedente é aquele que contraria precedente do tribunal (ou de corte superior a ele) ou a sua jurisprudência, sem realizar qualquer distinção ou justificativa para a rediscussão da matéria. Em consequência, o relator decide o mérito recursal, negando provimento aos pedidos da parte. [2] Na interpretação da abrangência da aplicação dessa regra, o STF já decidiu que manifestamente improcedente também significa que não há divergência entre órgãos fracionários do mesmo tribunal acerca da questão, ainda que não exista jurisprudência ou súmula a respeito dela (RE 115.949 AgR/SP, 1ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, j. 14.06.1994, DJ 11.11.1994, p. 30.636).

A possibilidade de o relator decidir recurso manifestamente improcedente gera o seguinte problema: caso a questão de direito sub judice esteja pacificada pelo STF e pelo STJ em determinado sentido, mas o tribunal em que tramita o recurso julgue de forma contrária, poderá o relator decidir monocraticamente conforme o entendimento daquelas cortes, ou deverá submeter o recurso à apreciação colegiada de seu tribunal? O dispositivo deve ser, em primeiro lugar, interpretado em relação ao próprio tribunal, motivo pelo qual o relator não pode julgar de forma monocrática no sentido contrário ao que seria decidido pelo órgão colegiado a que pertence, ainda que observe jurisprudência ou súmula do STJ ou do STF.

Ressalta-se que o relator apenas antecipa o que o órgão fracionário decidiria (por ser a decisão monocrática uma exceção ao julgamento colegiado). Logo, cabe a ele sempre observar, inicialmente, a posição firmada por este (ainda que contrária a precedente ou jurisprudência do STF ou do STJ).

Mais especificamente, o art. 21, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do STF confere os seguintes poderes ao relator:

 

Art. 21. São atribuições do Relator:

(...)

§ 1º Poderá o(a) Relator(a) negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou a Súmula do Tribunal, deles não conhecer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art. 543-B do Código de Processo Civil.

§ 2º Poderá ainda o Relator, em caso de manifesta divergência com a Súmula, prover, desde logo, o recurso extraordinário.

 

Previsão similar tem o art. 34, XVIII, do Regimento Interno do STJ:

 

Art. 34. São atribuições do relator:

(...)

XVIII – distribuídos os autos:

a) não conhecer do recurso ou pedido inadmissível, prejudicado ou daquele que não tiver impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida;

b) negar provimento ao recurso ou pedido que for contrário a tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, a súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou, ainda, a jurisprudência dominante acerca do tema;

c) dar provimento ao recurso se o acórdão recorrido for contrário a tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, a súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou, ainda, a jurisprudência dominante acerca do tema.

 

Ressalta-se ainda o cabimento do julgamento monocrático nas remessas necessárias previstas no art. 496 do CPC, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.263.054/GO, 1ª Turma, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 02.04.2013, DJe 13.08.2013; REsp 190.096/DF, 6ª Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 01.06.1999, DJ 21.06.1999, p. 208).

Existem ainda (e são aceitas) as decisões monocráticas híbridas, quando, em um mesmo recurso, o relator puder decidir apenas parte do pedido singularmente, remetendo a parcela remanescente para julgamento colegiado. [3]

As decisões monocráticas, como uma técnica de antecipação do julgamento colegiado, possuem validade como decisões do tribunal, e não apenas do relator. Por isso, o STF entende que o julgamento singular não contraria o princípio da colegialidade, caso se enquadre em hipótese legal:

 

(...) 1. A decisão denegatória proferida monocraticamente pelo relator não ofende o princípio da colegialidade quando amparada, como no caso concreto, no art. 38 da Lei nº 8.038/90 e nas normas regimentais pertinentes. (...) (HC 92.196/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 24.06.2008, DJe 18.09.2008)

 

O Superior Tribunal de Justiça confere a mesma interpretação, no sentido de que “decisão de relator fundada no art. 34, XX, do RISTJ não afronta o princípio da colegialidade nem configura cerceamento de defesa (...)” (AgRg no HC 580.641/SP, 5ª Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 05.10.2021, DJe 08.10.2021). No mesmo sentido: AgRg no HC 642.890/SP, 5ª Turma, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 19.10.2021, DJe 25.10.2021; AgRg no HC 690.473/SP, 6ª Turma, rel. Min. Laurita Vaz, j. 14.10.2021, DJe 19.10.2021; AgInt nos EDcl no REsp 1.900.506/PR, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.10.2021, DJe 06.10.2021; AgInt no AREsp 1.802.581/SP, 2ª Turma, rel. Min. Marco Buzzi, j. 04.10.2021, DJe 08.10.2021.

O principal aspecto a ser destacado é que a possibilidade de o recurso ser decidido por decisão monocrática não importa na exclusão do princípio da colegialidade. Ao contrário, este é preservado, diante do direito da parte de opor recurso, que será julgado pelo órgão colegiado, caso não concorde com o julgamento singular de seu recurso no tribunal. Assim, mesmo que o relator julgue em nome do órgão coletivo, deve ser assegurada a recorribilidade da decisão singular, sob pena de contrariar não apenas o princípio da colegialidade, mas também o princípio do juiz natural (que é o órgão colegiado).

2 Decisões monocráticas na prática dos tribunais

Indo além, não basta criticar ou afirmar que houve um crescimento das decisões monocráticas a partir das citadas alterações no CPC sem verificar efetivamente a quantidade de julgamentos singulares e colegiados em um determinado tribunal, tampouco sem investigar as causas dessas mudanças. Para isso, serão analisados os dados pesquisados nos últimos onze anos no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, com o objetivo de verificar a quantidade de decisões monocráticas proferidas e, especialmente, sua proporção em relação ao número total de julgamentos.

No Supremo Tribunal Federal, as estatísticas [4] mostram que a corte proferiu:

(a) em 2010: 11.342 decisões colegiadas e 98.358 monocráticas, em um total de 109.703 decisões;

(b) em 2011: 13.095 decisões colegiadas e 89.314 monocráticas, em um total de 102.427 decisões;

(c) em 2012: 12.091 decisões colegiadas e 77.775 monocráticas, em um total de 90.082 decisões;

(d) em 2013: 14.103 decisões colegiadas e 76.150 monocráticas, em um total de 90.253 decisões;

(e) em 2014: 17.074 decisões colegiadas e 97.383 monocráticas, em um total de 114.457 decisões;

(f) em 2015: 17.716 decisões colegiadas e 98.947 monocráticas, em um total de 116.663 decisões;

(g) em 2016: 14.533 decisões colegiadas e 102.954 monocráticas, em um total de 117.488 decisões;

(h) em 2017: 12.894 decisões colegiadas e 113.629 monocráticas, em um total de 126.523 decisões;

(i) em 2018: 14.529 decisões colegiadas e 112.213 monocráticas, em um total de 126.743 decisões;

(j) em 2019: 17.735 decisões colegiadas e 98.151 monocráticas, em um total de 115.886 decisões; e

(k) em 2020: 18.213 decisões colegiadas e 81.356 monocráticas, em um total de 99.569 decisões.

De forma consolidada, no período de 11 anos de 2010 a 2020, O Supremo Tribunal Federal proferiu 163.325 decisões colegiadas e 1.046.230 monocráticas, em um total de 1.209.794 decisões.

Assim, o percentual de decisões monocráticas proferidas pelo STF (em relação ao total de julgamentos) foi, nesse período, de 86,5%, enquanto somente 13,5% dos julgamentos da corte foram colegiados.

Da mesma forma, no Superior Tribunal de Justiça, prevalecem as decisões monocráticas [5] :

(a) em 2010: 86.808 decisões colegiadas e 243.475 monocráticas, em um total de 330.283 decisões;

(b) em 2011: 79.099 decisões colegiadas e 238.006 monocráticas, em um total de 317.105 decisões;

(c) em 2012: 85.438 decisões colegiadas e 286.180 monocráticas, em um total de 371.618 decisões;

(d) em 2013: 81.396 decisões colegiadas e 273.447 monocráticas, em um total de 354.843 decisões;

(e) em 2014: 81.647 decisões colegiadas e 308.405 monocráticas, em um total de 390.052 decisões;

(f) em 2015: 97.836 decisões colegiadas e 363.654 monocráticas, em um total de 461.490 decisões;

(g) em 2016: 83.425 decisões colegiadas e 387.297 monocráticas, em um total de 470.722 decisões;

(h) em 2017: 100.365 decisões colegiadas e 454.255 monocráticas, em um total de 554.620 decisões;

(i) em 2018: 108.346 decisões colegiadas e 417.855 monocráticas, em um total de 526.201 decisões;

(j) em 2019: 114.433 decisões colegiadas e 456.449 monocráticas, em um total de 570.882 decisões; e

(k) em 2020: 106.345 decisões colegiadas e 400.711 monocráticas, em um total de 507.056 decisões.

De forma consolidada, no período de 11 anos de 2010 a 2020, O Superior Tribunal de Justiça proferiu 1.025.138 decisões colegiadas e 3.829.734 monocráticas, em um total de 4.854.872 decisões.

Assim, o percentual de decisões monocráticas proferidas pelo STJ (em relação ao total de julgamentos) foi, nesse período, de 78,88%, enquanto somente 21,12% dos julgamentos da corte foram colegiados.

Logo, há um número elevado de julgamentos monocráticos, motivados especialmente pela ampliação dos poderes do relator e sua possibilidade de antecipar o julgamento colegiado e decidir singularmente o processo, mas também por outros fatores.

Entre eles, está a crescente importância do precedente e de sua força no direito brasileiro, o que se ampliou com o procedimento dos recursos repetitivos nos recursos extraordinário e especial repetitivos (arts. 543-B e 543-C do CPC/73) e se consolidou com os precedentes vinculantes do art. 927 do CPC em vigor.

A desnecessidade de formação de uma jurisprudência, pela adoção reiterada de decisões similares do órgão colegiado, com a força atribuída ao precedente do tribunal, faz com que apenas uma decisão colegiada autorize a resolução de todos os casos similares posteriores por julgamentos monocráticos, no tribunal a quo ou ad quem.

Conclusões

Tratou-se inicialmente do princípio da colegialidade, que assegura às partes o direito de julgamento de seus processos nos tribunais por um órgão colegiado, especialmente dos recursos.

Porém, viu-se que essa regra tem exceções, decorrentes de normas legais (previstas, especialmente, no Código de Processo Civil) que atribuem ao relator poderes para decidir singularmente a causa.

Na doutrina e na prática dos tribunais, prevalece o entendimento de que esse julgamento monocrático não viola o princípio da colegialidade, mas consiste em mera técnica de antecipação da decisão de processos similares ou repetitivos, que, por economia processual, reproduz o que seria decidido pelo colegiado.

Em suma, se um órgão da corte decide reiteradamente da mesma forma uma determinada questão (de fato ou de direito), os seus integrantes ficam autorizados a resolver os demais processos sobre o mesmo tema, tendo em vista que inevitavelmente a decisão deve ser a mesma.

Consequentemente, a decisão monocrática tem validade não apenas como decisão do relator, mas sim como acórdão do órgão colegiado do tribunal.

Habituados a julgar monocraticamente a partir das alterações legislativas, os tribunais substituíram a regra do julgamento colegiado pela solução excepcional do processo pelo relator.

No STF, apesar do decréscimo percentual, no período de 2010 a 2020, as decisões monocráticas correspondem a 86,5% de todos os julgamentos da corte. Isso significa que menos de 15% das decisões que o STF proferiu foram julgadas por um órgão colegiado (Pleno, 1ª e 2ª Turmas).

No STJ também se verificou a prevalência das decisões monocráticas no mesmo intervalo, que corresponderam ao percentual de 78,88% dos julgamentos do tribunal.

Além disso, os julgamentos colegiados das duas cortes examinadas dizem respeito, em sua maior parte, a decisões proferidas em agravos (normalmente decididos em “listas”) que se resumem a ratificar a decisão monocrática do relator, sem deliberação entre os integrantes do órgão colegiado.

Um aspecto que, por fim, deve ser ressaltado é o de que não se pode afirmar, sem a devida verificação caso a caso, que as decisões monocráticas nos tribunais efetivamente aplicam a jurisprudência ou o precedente da corte de forma adequada ao caso, tampouco que não há uma manutenção da uniformidade dos julgamentos colegiados.

Não se deve esquecer que o Direito tem, entre seus objetivos, o de pacificar as controvérsias (e, principalmente, o de evitá-las, desestimulando a prática de condutas ilícitas), estabilizando as contingências das ações humanas e regulando as condutas de modo que cada pessoa possa esperar que as demais se comportem de determinada maneira (que ela própria também deve observar).

Logo, a adoção das mesmas decisões judiciais para casos concretos similares importa em estabilidade e segurança jurídica, do que deriva não só a coisa julgada, mas o respeito ao direito adquirido, a irretroatividade e a vedação à ultra-atividade dos atos normativos. Por essas razões, o julgamento monocrático também confere segurança, ao observar (e antecipar) decisões anteriores tomadas de forma reiterada sobre o assunto.

 


Referências

HÜBNER, Rui Fernando. Julgamento de recurso por decisão monocrática: tendência no direito processual civil brasileiro e recorribilidade das decisões. Porto Alegre: Dom Quixote, 2007.

SENADO FEDERAL. Annaes do Senado Federal. v. IX. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917.

 

[1] Em discurso proferido no Plenário do Senado, na sessão de 29 de dezembro 1914, o então Senador Ruy Barbosa afirmou que o Supremo Tribunal Federal tem o direito de “errar por último”. Em suas palavras: “O Supremo Tribunal Federal, senhores, não sendo infalível, pode errar, mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, de decidir por último, de dizer alguma coisa que se deva ser considerada como erro ou como verdade” (SENADO FEDERAL. Annaes do Senado Federal. v. IX. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917. p. 189-190).

[2] Sobre a abrangência dos recursos manifestamente inadmissíveis, prejudicados e improcedentes: HÜBNER, Rui Fernando. Julgamento de recurso por decisão monocrática: tendência no direito processual civil brasileiro e recorribilidade das decisões. Porto Alegre: Dom Quixote, 2007. p. 24-26.

[3] Tratando dessa possibilidade: HÜBNER, Rui Fernando. Julgamento de recurso por decisão monocrática: tendência no direito processual civil brasileiro e recorribilidade das decisões. Porto Alegre: Dom Quixote, 2007. p. 39-40.

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