Direito Hoje | O défice de justiça na justiça de transição do Brasil: uma análise institucional do Judiciário no enfrentamento das violações do período da ditadura militar
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Mariana Camargo Contessa

Juíza Federal Substituta, Mestranda em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

 
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 Mariana Camargo Contessa 

13 de junho de 2022

Resumo

O presente trabalho busca rastrear o processo de formação da justiça de transição como ramo de justiça retributiva. Para tanto é analisado como o Judiciário pode influenciar os rumos do processo de democratização via responsabilização individual de sujeitos responsáveis por graves violações de Direitos Humanos durante regimes de exceção. Traz-se, então, à baila a experiência brasileira no tratamento de referidos casos, com o fim de verificar em que o trajeto institucional brasileiro difere dos demais países da América Latina, os quais, por sua vez, já avançaram em relação à implementação de uma justiça de transição mais ampla e criminalmente assertiva.

Sumário: 1 Quando a justiça de transição se encontra com a justiça propriamente dita. 1.1 O despertar dos processos criminais contra agentes dos regimes ditatoriais na América Latina. 1.2 A influência internacional dos Direitos Humanos e das Cortes Internacionais sobre o pilar da Justiça na transição democrática. 2 Brasil – ditadura e transição. 2.1 Regime militar de legalidade judicializada. 2.2 Transição para a democracia (e impunidade institucional). 2.3 A lei da anistia sob escrutínio – uma lei, duas conclusões. 2.4 Mudar o Judiciário? Uma perspectiva institucionalista. Conclusão. Referências.

1 Quando a justiça de transição se encontra com a justiça propriamente dita

A justiça de transição, como ramo de estudo, tem sua origem no esforço acadêmico de intelectuais e empreendedores políticos do período final da década de 1980. Nesse sentido, seu nascimento é normalmente narrado em torno das discussões travadas na conferência de 1988 do Aspen Institute (ARTHUR, 2009, p. 337-338; NEVES, 2014, p. 8; ORENTLICHER, 2007, p. 11-12). Ainda que os estudiosos do tema normalmente indiquem como seus pilares justiça, verdade, memória, reparação e reforma institucional, fato é que a justiça, em sentido institucional estrito como poder político de Estado, restou no mais das vezes excluída em sua gênese e estruturação (ORENTLICHER, 2007, p. 18), para dar espaço a uma etapa de livre pactuação entre elites sobre a forma de mudança política em direção a um processo formalmente democrático (O’DONNELL; SCHMITTER, 1988, p. 68). Ou seja, tratou-se de ramo que, sob o paradoxo de se autodenominar justiça de transição, era, na verdade, política de transição. [1]

A questão, portanto, a merecer alguma reflexão é quando, afinal, a justiça realmente passa a ser um fator de peso no âmbito das transições. Como justiça aqui se trata de sentido procedimental e retributivo, ou seja, de formação de processo jurídico de acertamento de fatos e de atribuição e responsabilidade; como também de sentido institucional de poder político republicano. Esse tema é relevante porque, a despeito de toda a ordem de argumentos em defesa de uma transição focada em pilares diversos (especialmente verdade e memória), a pretensão por justiça exatamente por esse viés de processo formal em curso perante o Poder Judiciário não parece ter arrefecido pelo simples decurso do tempo. [2]

Com efeito, a despeito de não se crer ser o processo judicial uma panaceia, ainda ressoa no imaginário de comunidade que persecução criminal cria responsabilidade, restitui a justiça e a dignidade das vítimas, cria uma ruptura com um passado violento, de modo que, se crimes graves não são processados, parece restar inviabilizada a confiança da sociedade civil nas instituições (SKAAR, 2011, p. 6).

No presente trabalho pretende-se fazer uma breve análise acerca da ascensão do esforço de persecução penal por crimes cometidos durante a ditadura como uma via de consolidação de uma justiça de transição apta a uma maior reconciliação com um passado autoritário com enfoque, porém, especial na sua não presença no Brasil. Para tanto, pretende-se, de início, tratar sobre o crescente protagonismo da via judicial na América Latina e no âmbito da comunidade internacional e, após, por meio de uma abordagem do neoinstitucionalismo histórico e da metodologia de process tracing, verificar qual a rota de transição tomada pelo Brasil desde a ditadura e, possivelmente, especular sobre as razões da ausência de ascensão da via da responsabilidade penal judicial. O raciocínio de causalidade será, por isso, especialmente pela via das correntes causais, em que aspectos factuais e mesmo de expectativa e preferência dos agentes envolvidos são concatenados de forma a rastrear a cronologia histórica do desenvolvimento de dado desenho institucional ou sua posterior transformação.

1.1 O despertar dos processos criminais contra agentes dos regimes ditatoriais na América Latina

Sobre o tema da responsabilidade criminal de antigos agentes de períodos autoritários na América Latina, já se debruçou Elin Skaar (2011), que faz uma estreita correlação entre o grau de adjudicação de casos sobre o período de exceção e a independência funcional da magistratura. Por certo, é da própria natureza de governos ditatoriais a tendência de concentração e hegemonia de poder no Executivo, com apequenamento e supressão da autonomia do Legislativo e do Judiciário, a colocar em xeque precisamente o sistema de pesos e contrapesos que asseguram a mediação de poder estatal e a estabilidade institucional de compromisso democrático.

Para tanto, a autora realiza um levantamento da evolução na América Latina do comportamento do Judiciário, na seguinte ordem:

Em uma primeira fase, nos anos de 1970 e 1980, a maioria dos países estava submetida a ditaduras militares em que o Poder Executivo mantinha subservientes os demais poderes, em especial, o Judiciário, que carecia de independência para decisão. A etapa posterior, ocorrida entre as décadas de 1980 e 1990, considerava que o tratamento a ser fornecido às violações de direitos do momento anterior deveria ser determinado pela política. Nesse período, o debate coloca como pontos opostos verdade e justiça, de forma a induzir a conclusão de que não seria possível alcançar ambos. Essa fase, portanto, é marcada pelo estabelecimento de comissões da verdade e de programas de reparação às vítimas. O interregno em questão é de passagem para o governo democrático civil, de modo que se fala em transições pactuadas que frequentemente foram acompanhadas de leis de anistia (ibidem, p. 7-11).

A última fase seria a imbuída do debate sobre a possibilidade de conciliação entre as pretensões de verdade e de justiça por meio da consolidação dogmático-normativa dos Direitos Humanos em âmbito internacional com respectivos órgãos e comitês de monitoramento e adjudicação (SKAAR, 2011, p. 7-8; TEITEL, 2003, p. 90). A partir de 1995, verifica-se a ascensão de persecuções penais na América Latina, também no arrasto de movimentos internacionais de ascensão da responsabilidade penal individual decorrentes do estabelecimento de tribunais internacionais para a antiga Iugoslávia e Ruanda, os avanços das tratativas para o Estatuto de Roma, assim como pelo chamado “efeito Pinochet” (SIKKINK, 2011, p. 67-71; esse fluxo é denominado por esta última autora como “justiça em cascata”).

Também seguindo essa tendência, o Judiciário da América Latina passa a ser mais ativista e a privilegiar o papel da accountability. Essa mudança de paradigma é relacionada pela autora com as reformas institucionais levadas a efeito por esses países, durante a década de 1990, que alteraram especialmente o Poder Judiciário (SKAAR, 2011, p. 12). Trata-se de um rompimento com a tradição da América Latina de “Executivos fortes, Judiciários fracos, sistemas inquisitoriais de direito penal, massas privadas de direitos civis e elites temerosas da subversão” (PEREIRA, 2010, p. 82). O reforço da independência judicial e do aprimoramento técnico do aparato institucional judicante do Estado tornou-se comum, de forma a trazer as cortes para o centro da arena democrática e a aumentar a probabilidade de o corpo judicante revisar a validade de leis de anistia (SKAAR, 2011, p. 12-13). [3]

Por essa razão, a tese de sua obra é de que reformas institucionais se demonstraram essenciais para independência judicial, em especial, no que se refere ao julgamento de casos de Direitos Humanos. Não obstante, trata-se de causa necessária, mas não suficiente para se galgar a efetiva independência. Outrossim, considerando-se que o Judiciário atua inserido em um contexto jurídico-político em que se extrai necessário amparo legal para atuar. Desse modo, instrumentos normativos como leis de anistia tornam mais complexa a adjudicação de casos. Não fosse isso, muitos países da América Latina estiveram sob o medo da regressão autoritária por muito tempo (ibidem, p. 14-15). De toda sorte, a importância de reformas institucionais como maneira de promoção do Estado de Direito é também apontada como relevante por SIKKINK e WALLING (2010, p. 118).

De todo modo, Skaar propõe que os casos de Direitos Humanos levados a juízo poderão ser bem analisados se o magistrado em questão não depender (1) do regime em questão, (2) do Poder Executivo do momento ou (3) da aprovação de juízes das instâncias superiores (2011, p. 15). Nessa linha, a análise dos casos do Uruguai, do Chile e da Argentina mostram como profundas reformas organizacionais no Judiciário (como levadas a efetivo nos dois últimos exemplos) foram relevantes para a mudança no cenário de impunidade em direção à crescente judicialização dos processos de violação ocorridos durante os governos de exceção (2011, p. 16).

1.2 A influência internacional dos Direitos Humanos e das Cortes Internacionais sobre o pilar da Justiça na transição democrática

Se as reformas institucionais são elementos importantes à consolidação do pilar da justiça na transição democrática, já tivemos também oportunidade de arguir que parte da atenção que passou a se focar no âmbito do processamento criminal dos responsáveis por graves violações de Direitos Humanos deve-se ao contexto internacional. Isso porque a linguagem da justiça de transição esteve sempre umbilicalmente ligada aos Direitos Humanos em âmbito internacional, sendo esse microssistema normativo a base que nutre não apenas o âmbito dogmático-normativo, como a própria base filosófica e moral de sua razão de ser. De um lado, o processo de adesão aos instrumentos de Direitos Humanos dá-se por ideais humanitários, muitas vezes ainda de viés pouco coercitivo e mais programático; não obstante, configura processo de erosão da soberania, pois permite o monitoramento e a exposição do país que adere perante a comunidade internacional (HANASHIRO, 2001, p. 20).

Em conjunto com o texto frio dos tratados, adicionou-se, porém, mais um fator: as cortes internacionais. No âmbito da América Latina, a Corte Interamericana de Direitos Humanos é instrumento que assegura a força coercitiva da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, já que competente não apenas para deliberação consultiva e interpretativa de seu texto e protocolos correlatos, como também de adjudicação de demandas sobre violações pelos Estados-partes em face de seus cidadãos e habitantes, uma vez aceita a jurisdição do tribunal (ibidem, p. 30-32).

Em análise da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Rojas explica que esta não tem admitido o denominado “estado de impunidade” (caso Paniagua Morales e outros vs. Guatemala), o qual seria aquele decorrente da ausência de investigação, persecução criminal, processamento e punição adequada daqueles que violem direitos assegurados pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Nessa linha de posição jurídica, a eventual existência de leis de anistia ou normativa sobre prescrição criminal não seriam oponíveis como forma de isenção de responsabilidade estatal (menciona como exemplo o caso Blanco Romero e outros v. Venezuela) (2010, p. 90).

Com efeito, pelo lado crítico, pode-se dizer que a Corte Interamericana de Direitos Humanos construiu uma jurisprudência bastante focada no viés da Justiça em detrimento do direito à verdade enquanto direito difuso de titularidade de toda comunidade. Nesse sentido, a verdade é tratada como efeito reflexo da descoberta dos fatos em processo judicial criminal. Ou seja, não seria um fim em si mesma, mas um instrumento para alcance da justiça (BERNARDI et al., p. 4).

Lado outro, Orentlicher sustenta que a submissão prudente a julgamento de casos exemplares de violação poderia dissipar a impunidade tóxica do seio da comunidade, especificamente no que toca à prevenção geral de não repetição. A autora registra que, ao entrevistar vítimas do conflito da Bósnia e Herzegovina, observou como estas afirmaram veementemente a necessidade de julgamentos dos perpetradores, conquanto tenham elas relatado também grandes insatisfações com o Tribunal Penal para a Antiga Iugoslávia. Também por essa faceta, os órgãos da ONU têm ressaltado a importância de que delitos como genocídio e crimes contra a humanidade não podem simplesmente seguir impunes (2007, p. 15).

Fato é que a sistemática adjudicação em nível internacional, por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de casos envolvendo países da América Latina, tem auxiliado a impulsionar mudanças institucionais e de políticas públicas para aperfeiçoamento dos instrumentos de transição democrática nesses países (SIKKINK, WALLING, 2010, p. 109).

Porém, como apontado por Sikkink e Walling, apenas no Brasil a lei de anistia parece ter tido êxito em impedir a persecução penal. Segue, ainda, da análise dessas pesquisadoras que o Brasil é o país que apresentou maior declínio em suas práticas de Direitos Humanos. Lado outro, os demais países da América Latina em que se verificou a existência de processos de responsabilização criminal não apresentaram aumento de conflituosidade ou de violações de Direitos Humanos, tampouco foi possível estabelecer relação entre a existência de persecuções criminais e decréscimo de índices democráticos (2010, p. 112-120). Remanesce, portanto, a questão de por que o Brasil parece seguir na contramão dos demais países da América Latina.

2 Brasil – ditadura e transição

2.1 Regime militar de legalidade judicializada

Mezarobba esclarece que a ditadura militar no Brasil teve por peculiaridade a alternância da figura do presidente (ainda que não fosse este eleito democraticamente) e a manutenção por certos períodos do Congresso aberto (em que pese a restrição à formação de partidos e a extensa lista de cassações de direitos políticos e de mandatos), o que distinguiu o regime de experiências ainda mais duras como foi o caso do Chile e, possivelmente, permitiu dar pretensos ares de legitimidade ao governo militar (2016). Apesar de ter sua origem em um golpe claramente inconstitucional, o regime preocupou-se em dar um arcabouço normativo para enquadrar suas atividades, ainda que tenha mantido, paralelamente, uma máquina de repressão extrajudicial e não oficial. Formou-se, então, um regime imbuído de hibridismo, com manutenção de alguns símbolos democráticos a maquiar uma máquina estatal autoritária (PEREIRA, 2010, p. 53 e 57).

Não obstante, cumpre registrar que o Supremo Tribunal Federal, mais alto órgão judicial do país, segundo Hilbink, apresentou maior resistência ao regime de exceção do que o Judiciário do Chile (2007, p. 4). Nadorff também menciona inúmeros insucessos processuais do governo militar perante o Supremo Tribunal Federal nos anos de 1964-65 (1982, p. 309-314), fato este que inclusive constou do relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014, p. 940). De todo modo, com o Ato Institucional nº 2, houve aumento do número de membros de onze para dezesseis, com a finalidade de assegurar formação de maiorias mais favoráveis ao governo, bem como suspensão da estabilidade e da inamovibilidade (CNV, 2014, p. 937). Como essa medida não foi suficiente para assegurar o nível de adesão ao regime pretendido, em 1968 e 1969, deu-se nova restrição ao âmbito da competência da corte e nova redução do número de membros para a quantidade original, com o fim de expurgar os membros considerados não alinhados (HILBINK, 2007, p. 4).

 Outrossim, houve amplo uso do aparato institucional da Justiça Militar para fornecer substrato de organização jurídica para os processos contra subversivos, em consonância com a Lei de Segurança Nacional e com os atos institucionais, a fim de formar um arcabouço legal para atuação do regime (MEZAROBBA, 2016). Essas cortes confirmavam a natureza híbrida do sistema autoritário, pois, em primeira instância, eram formadas por um juiz civil acompanhado de quatro oficiais militares. Igualmente, existia a possibilidade de recurso para instância superior e mesmo de aguardar o resultado do julgamento em liberdade. A comparação de julgados por tribunais militares e mortos pelo regime evidencia que a ditadura brasileira foi muito mais judicializada do que aquela verificada na Argentina, no Chile e no Uruguai (PEREIRA, 2010, p. 58-59). A linha de argumento de Pereira segue a via de escolha racional, no sentido de que os atores do regime tiveram que adotar posições estratégicas para a consolidação de seu poder, enfrentando, ademais, ocasionalmente, limites institucionais à reforma da estrutura jurídica não antevistos, o que também os obrigou a manter certa aparência de “normalidade” legal (ibidem, p. 65).

A Justiça Federal, igualmente, dissolvida desde o Estado Novo, foi plenamente restabelecida como primeira instância durante o governo militar, no ano de 1967, para servir de foro geral para demandas envolvendo a União Federal e suas entidades da administração. Nessa ocasião, pensou-se que “Havia uma certa resistência à nova Justiça, por muitos apontada como destinada a servir ao regime militar. Dizia-se que logo seria extinta” (FREITAS, 1996, p. 46). De fato, o Ato Institucional nº 5 é já do ano seguinte, a suspender a estabilidade, a independência e a inamovibilidade dos juízes, bem como o direito a habeas corpus. No mais, os atos institucionais eram, eles próprios, não suscetíveis de revisão judicial.

Esse elemento evidencia o alto grau de permeabilidade das instituições ao regime militar, de maneira a demonstrar o alinhamento (obtido de forma espontânea ou coercitiva) do Legislativo e do Judiciário com os desígnios do Executivo autoritário. Pereira aponta um elevado grau de consenso entre elites militares e judiciárias, a permitir a implementação de uma repressão também amparada em arcabouço normativo institucionalizado, com o objetivo de emprestar legitimidade à atuação estatal. Esse esquema é denominado pelo autor de “legalidade gradualista e judicializada”, a indicar se tratar de um direito de Estado, e não de um Estado de Direito (2010, p. 268-269 e p. 286).

No mais, o regime brasileiro, a exemplo do sistema salazarista em Portugal, contentava-se com uma população apaticamente despolitizada de adesão silente ao regime (ao contrário de regimes como o espanhol, que privilegiava manifestações teatrais de apoio ao regime) (ibidem, p. 266). Pode-se aventar, então, se dita apatia contaminaria mesmo os membros do Judiciário, em razão da ausência de prerrogativas de independência e estabilidade, induzindo uma posição jurídica que, mesmo quando não de franco apoio, ao menos de não resistência às pretensões do governo. A amparar essa inferência, reproduz-se excerto de depoimento de juiz auditor prestado à Comissão Nacional da Verdade: “o senhor acredita que havia a possibilidade de se intentar um processo criminal contra uma autoridade policial ou policial militar naquela época?” e, em outro trecho, “Eu entendia, como continuo a entender, que de nada valeria conflito de valores, fazer um escândalo a respeito daquilo” (2014, p. 949, destacou-se). Do trecho vislumbra-se total descrença na possibilidade de resistência ao regime.

Em análise comparativa da atuação do Judiciário chileno àquela verificada no Brasil e na Argentina, Hilbink argumenta em sua obra que instituições judicias que são construídas em torno de um suposto “ideal de apolitização” tendem a criar corpos judicias conservadores e conformistas (2007, p. 236). Essa autora é mais favorável à independência do Judiciário brasileiro do que aquela que se constatou durante a ditadura chilena, o que ela explica a partir do sistema federativo, da descentralização da judicial review e da natureza originária política do Supremo Tribunal Federal, haja vista o sistema de nomeação reproduzir aquele americano (elemento que ela invoca, citando decisões contra as ações militares nos primeiros anos após o golpe de 1964) (ibidem, p. 237).

Impõe-se notar, porém, que, se nos primeiros anos do regime ocorreram derrotas ao governo no Supremo Tribunal Federal, parece ter ocorrido uma gradual cooptação ou domesticação da corte. A contar de 1969, alguns precedentes permitem inferir que os ministros tinham acesso às denúncias de tortura nos procedimentos de interrogatório, sem que estas tenham recebido maior atenção ou credibilidade (CNV, 2014, p. 945-946). Ademais, com a suspensão do direito ao habeas corpus, a corte deixou de conhecer dos recursos ou de se dar por competente para analisar os casos, acolhendo a atribuição da Justiça Militar dilatada pelos atos institucionais (ibidem, p. 956).

Todavia, talvez pela seleção para os quadros de juiz federal se dar pela via de concurso público a contar de 1970, método que permite cegar a seleção às eventuais preferências ideológicas e dogmáticas dos candidatos, a ditadura militar não passou completamente sem surpresas na via judicial, a citar-se, por exemplo, a responsabilização da União Federal pela morte do jornalista Vladmir Herzog, em sentença proferida em agosto de 1978, assim como pelo desaparecimento do jornalista Mário Alves, em decisão de outubro de 1981. [4] Igualmente, após a transição democrática, houve reconhecimento judicial do direito à pensão militar para a viúva de Carlos Lamarca, dentre outros processos acerca de reparação de abusos sofridos no período autoritário (LIMA, 2005, p. 40-43). De toda sorte, todos esses casos restringiram-se à responsabilidade civil do Estado, de forma a se tratar de apenas uma justiça de reparação, e não de retribuição aos violadores dos Direitos Humanos. Sobre o assunto, Mezarobba menciona a existência de um único caso de responsabilidade criminal reconhecida judicialmente por uma corte militar, ainda no período da ditadura, em 1973 (2016, p. 109).

Esse ponto, segundo a autora, pode ter contribuído para imbuir os sobreviventes e seus familiares de falta de confiança no sistema jurídico, bem assim contribuiu para um “esquecimento coletivo” acerca desses crimes (Mezarobba, 2016, p. 108).

2.2 Transição para a democracia (e impunidade institucional)

Se o processo de transição é uma escolha política a ser definida por cada Estado, a opção feita pela Constituição brasileira tende para o binômio reparação e verdade/memória (ALMEIDA, 2021, p. 256), sendo um paradigma por excelência da transição pactuada entre elites proposta por O’Donnell e Schmitter (1988, p. 68). Esse padrão não diverge daquele seguido por muitos países da América Latina em que, como moeda de troca para transição para um governo civil, o modelo adotado foi o de autoanistias concedidas pelo governo e por juntas militares ao ceder o poder (ORENTLICHER, 2007, p. 11). Com efeito, nesse período de desenvolvimento da justiça de transição, chegava-se a crer que existia uma incompatibilidade entre os eixos justiça e reconciliação (TEITEL, 2003, p. 79-83).

Gallo define as leis de anistia como mecanismo jurídico instrumentalizado para possibilitar a impunidade dos agentes de repressão política no retorno à democracia. No Brasil, a lei de anistia foi gestada dentro do próprio regime autoritário, que antecipara a necessidade de transição em face da decadência de sua legitimidade junto com o fim do período do “milagre econômico” (2017). Entretanto, existia, à época, grande pressão e apoio popular a uma anistia que possibilitasse o retorno de exilados e o fim da clandestinidade de perseguidos políticos, de modo que, naquele contexto, parecia ser uma medida hábil a dar curso a uma abertura democrática. Setores da sociedade civil, como a Conferência Nacional dos Bispos e o Comitê Brasileiro pela Anistia-CBA, trabalharam ativamente por esse propósito (MEZAROBBA, 2016).

De qualquer sorte, o controle sobre o processo assegurou que esse instrumento legislativo não fosse amplo e irrestrito no que tocava aos grupos de oposição ao regime (porque excluídos aqueles condenados pelos denominados “crimes de sangue”), ao mesmo tempo que garantiu, por via transversa, em dilatação do conceito dogmático de “crime conexo”, sua ampliação para os membros do regime (GALLO, 2017, p. 84). A lei de 1979 foi gestada dentro da Presidência da República, no contexto posterior ao “pacote de abril”, e tramitou com uma oposição sufocada no Congresso (ARAGÃO; WAGNER, 2019, p. 134). De toda sorte, prevaleceu uma narrativa de enquadramento de “anistia recíproca” a amparar uma lógica de reconciliação nacional. Na prática, porém, permitia que a chamada distensão se desse nos termos e sob o estrito controle das autoridades militares (GALLO, 2017, p. 86). O esvaziamento da pauta das Comissões de Anistia Brasileira pela possibilidade de retorno dos exilados e de saída da clandestinidade dos perseguidos políticos abriu caminho para a sedimentação do esquecimento, do silêncio e da cegueira.

Sobre esse instrumento jurídico, Almeida cita o filosofo François Ost para classificar a brasileira como uma memória jurídica dos fatos, com apagamento, porém, das penas (2021, p. 257). MEZAROBBA, a seu turno, é mais cética sobre o propósito da lei ao dizer que esta priorizou o esquecimento e a negação da verdade (“oblivion and the negation of truth”, 2016, posição 107). Abrão e Torelly assentam a lei da anistia como a primeira medida de reparação dentro da transição brasileira, lógica essa que foi repetida pela Constituição de 1988 (2011, p. 477).

A esse respeito, MEZAROBBA refere que o país nunca adotou uma justiça de transição holística, focando-se quase que exclusivamente no viés compensatório (2016). Essa trilha restou confirmada por instrumentos legislativos posteriores, como a Lei dos Desaparecidos (Lei nº 9.140, de 1995), em que o Estado reconheceu legalmente a responsabilidade pelo desaparecimento e pela morte de 136 pessoas, fixando standards para indenização dos familiares e das vítimas. A comissão especial para mortos e desaparecidos instituída pelo instrumento legal em questão também se aproximou do pilar de busca da verdade. A lei sofreu algumas alterações nos anos seguintes, com a criação, em 2001, de uma Comissão de Anistia. Em 2002, promulgou-se a Lei nº 10.559, a qual ampliou o âmbito das reparações devidas a sobreviventes da repressão, e, finalmente, em 2012, estabeleceu-se uma Comissão Nacional da Verdade propriamente dita (também em razão da condenação proferida no caso Gomes Lund, que a seguir será mencionado) (ibidem, p. 113-118). Com efeito, nesse eixo, o país organizou políticas de reparação por meio de sucessivos instrumentos legislativos (compensação, reabilitação, satisfação e garantia de não repetição), o que ensejou a apreciação de quase sessenta mil pedidos de anistia e um custo estimado de cerca de R$ 2,6 bilhões (Abrão e Torelly, 2011 p. 481-493).

A despeito de divulgação e revelação da verdade também por vias extraestatais, como o caso da obra “Brasil: nunca mais”, organizada por religiosos, a linha da responsabilização individual criminal pareceu permanecer adormecido por longo tempo. Segundo o levantamento feito por Mezarobba, o Brasil se distingue dos demais países da América Latina ao impor uma lógica em que é a vítima, em lugar dos abusadores, quem deve solicitar a anistia, sendo o foco da reparação muito mais centrado em um viés laboral e patrimonial (por exemplo, pela perda do trabalho ou da função pública) do que na grave violação de direitos decorrente de práticas de tortura (2016, p. 120).

2.3 A lei da anistia sob escrutínio – uma lei, duas conclusões

A compatibilidade da lei de anistia (Lei nº 6.683/79) em face da atual ordem constitucional foi colocada sob análise da mais alta corte do país por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de nº 153, julgada em 2010. Segundo Aragão e Wagner, houve clara celeridade na tramitação e no julgamento do feito precisamente porque o caso Gomes Lund vs. Brasil pendia perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, de modo que o Supremo Tribunal Federal pretendeu ver o mérito da ADPF resolvido antes que o tribunal internacional pudesse se manifestar sobre a lei de anistia brasileira (2017, p. 131).

O Ministro Eros Grau interpretou a normativa à luz do contexto histórico em que foi redigida para entender que a ideia de anistia seria necessariamente bilateral, como pacto de transação ou “custo a pagar” para a transição democrática, ao que foi seguido pela maioria dos ministros, os quais, ainda que com a prolação de votos com exposição individual de motivos, acompanharam o relator em sua conclusão. De todo modo, alguns ministros preocuparam-se em expor o repúdio às práticas de tortura e violação dos “porões da ditadura”, bem assim em demonstrar até desaprovação subjetiva pessoal quanto ao teor da norma. Houve, ainda, a despeito do apagamento da esfera penal, referências à importância de manutenção da memória sobre os fatos ocorridos (Eros Grau, Celso de Mello e Carmen Lúcia), assim como esforço argumentativo para tentar distinguir o caso brasileiro das normas de anistia já repudiadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, numa tentativa de construir a tese de não ser a normativa nacional uma autoanistia (Celso de Mello). Em divergência à maioria, inclinaram-se somente os Ministros Ricardo Lewandowski, que entendeu inviável a interpretação de conexão criminal para estender a anistia aos agentes do Estado, e Ayres Britto, cujo voto ressaltou que há de ser diferenciada a vontade da lei da vontade do legislador, e que anistia, por se tratar de perdão, deve ser clara e inequívoca, e não depender de interpretações sobre obscuridades do texto (GALLO, 2017, p. 89-104).

Pretendeu a Suprema Corte, por conseguinte, apontar que o destino da justiça de transição no país seria, na melhor das hipóteses, apenas o pilar da memória e da reparação (isso porque muitos ministros sequer trataram do tema memória), em adoção de uma posição claramente conservadora. Outrossim, mesmo o ministro em divergência, como foi o caso de Ayres Britto, não adentrou com fôlego na temática dos Direitos Humanos em âmbito internacional, enquanto que o Ministro Celso de Mello trouxe o tema à análise apenas para tentar proceder a um malfadado distinguishing (já que chegou à conclusão oposta àquela da Corte Interamericana sobre a natureza de autoanistia). Assim, depreende-se um claro défice na cultura jurídica do Judiciário no que concerne aos Direitos Humanos Internacionais (RAMOS, 2014). Sobre o tema, Wagner e Aragão referem a inobservância, por parte dos ministros da mais alta corte do Brasil, das normas de Direito Internacional, a provocar a reflexão se é possível, em nome de suposta “reconciliação nacional”, perdoar crimes de lesa-humanidade (2019, p. 136).

Ainda no mesmo ano em que resolvida a ADPF, a Corte Interamericana de Direitos Humanos julgou o caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil. Trata-se de caso que abordou a responsabilidade do Estado brasileiro em razão de atuação de um contingente de cerca de 3.000 homens do Exército durante os anos de 1972 até 1975 com o fim de eliminar a denominada “Guerrilha do Araguaia”. No decorrer das atividades militares, houve detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de cerca de setenta pessoas, sendo parte destas participantes do Partido Comunista ou mesmo camponeses da região (CtIDH, parágrafos 2 e 89). A orientação dada aos membros das forças armadas era de “sepultar os inimigos da selva”, sendo os corpos, portanto, desovados em locais diversos sem identificação, queimados ou atirados em rios da região (CtIDH, parágrafos 89-90). Nesse processo, colocou-se em causa a Lei nº 6.683, de 1979, que concedera anistia aos envolvidos, bem assim a falta de adequada investigação e disponibilização de informações por parte do Brasil às vítimas e aos familiares.

Após o descumprimento do relatório apresentado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em razão da permanência da Lei de Anistia como obstáculo à persecução criminal dos responsáveis e da contínua falta de acesso à documentação militar contra a Guerrilha do Araguaia, o caso foi submetido à corte.

 A despeito de o Brasil ter reconhecido a competência da corte apenas em 1998 e para atos posteriores a essa adesão, a sentença dispôs que, conforme já assentado pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos e pela sua jurisprudência, o desaparecimento forçado é crime de natureza permanente que perdura durante todo o período em que se mantém o estado de desconhecimento sobre o destino preciso da vítima com o correspondente esclarecimento dos fatos. Desse modo, o tribunal reconheceu sua competência para o caso (CtIDH, parágrafos 17-19).

Em seu arrazoado, a sentença reiterou sua jurisprudência acerca do tema dos desaparecimentos forçados como grave violação de Direitos Humanos: “A prática de desaparecimentos forçados implica um crasso abandono dos princípios essenciais em que se fundamenta o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, e sua proibição alcançou o caráter de jus cogens” (CtIDH, parágrafo 105). Nessa linha, a detenção não registrada de pessoas em centros clandestinos viola os direitos assegurados na convenção de proteção à liberdade pessoal, à integridade física, à vida e à personalidade jurídica, especialmente porque facilita o desaparecimento do indivíduo ao mesmo tempo que o priva de acesso aos recursos legais e às garantias judiciais (CtIDH, parágrafos 106-107). Outrossim, conquanto vislumbrada a boa-fé do Estado em reconhecer a existência dos desaparecimentos de ao menos parte do número total de vítimas arroladas pela comissão, bem assim por ter estabelecido medidas de indenização e reconhecimento, a corte observou que, de todo modo, apenas dois corpos haviam sido localizados e identificados até então (CtIDH, parágrafos 117-121).

Adunou-se, além disso, a posição consolidada da corte sobre o dever jurídico de investigar de forma séria, imparcial e efetiva as violações de Direitos Humanos, de modo que não pode ser essa obrigação encarada como mera formalidade ou empreitada de iniciativa particular de entidades não estatais, vítimas ou familiares. Ademais, conforme a sentença, da exegese do artigo 8 da convenção depreende-se que vítimas e familiares devem ter acesso e espaço de escuta nos processos respectivos. Por fim, registrou o tribunal que é norma imperativa de Direito Internacional processar e punir os autores de violações de Direitos Humanos, devendo a estrutura institucional do Estado adequar-se para tanto (CtIDH, parágrafos 138, 139 e 140). Por fim, repisou-se a incompatibilidade com o Pacto de San José da Costa Rica das disposições da lei de anistia brasileira, bem assim as normas sobre prescrição, argumentando-se que as Supremas Cortes da Argentina, do Chile, do Peru, do Uruguai e da Colômbia já tinham expurgado leis semelhantes à luz da Constituição e dos tratados internacionais de Direitos Humanos (CtIDH, parágrafos 147-149; 163-169).

Tendo em vista que, também em 2010, o Supremo Tribunal Federal julgara improcedente a ADPF 153, que também versava sobre mesma legislação, criou-se um nó jurídico em que uma normativa é, de um lado, inconvencional, e, por outro, constitucional. [5] Não fosse isso, à condenação relativa ao caso Gomes Lund, somou-se, em 2018, nova condenação referente ao Caso Herzog, por violação de garantias processuais e judiciais, em que se reconheceu que a perseguição sistemática aos opositores do regime militar brasileiro teria configurado crime contra humanidade (ARAGÃO; WAGNER, 2019, p. 137-141).

Não obstante, a contar da decisão, e também com base nas informações posteriormente apuradas pela Comissão Nacional da Verdade, o Ministério Público Federal brasileiro, órgão titular da ação penal no âmbito da União, constituiu grupo de trabalho específico sobre o assunto e consolidou posição institucional sobre o caráter de lesa-humanidade cogente das violações perpetradas no período da ditadura militar (BERNARDI et al.). Ato contínuo, entendeu-se existir dever institucional de promover a investigação e a apresentação de denúncia contra tais crimes (BOSSI, 2019, p. 119). Sobre o tema, Bossi realizou o seguinte levantamento:

(...) até o dia 15 de agosto de 2018, 39º aniversário do fim do período de anistia determinado pela Lei da Anistia, o MPF havia ajuizado 37 ações na Justiça Federal, resultando em 54 decisões. Em referidos julgados, as juízas e os juízes federais decidiram se deveriam ou não afastar os obstáculos normativos à responsabilização criminal dos denunciados como criminosos da ditadura militar. No entanto, até aquele momento, a grande maioria das decisões proferidas na Justiça Federal não havia aplicado o controle de convencionalidade determinado pela Corte IDH, rejeitando as denúncias com base na anistia, na prescrição ou em outros fundamentos.

Dentre esses, o fundamento referente à decisão do STF na ADPF 153 foi o mais utilizado, tendo sido mencionado em 39 das 43 decisões que rejeitaram as denúncias. Além disso, em algumas decisões houve referência a julgados posteriores do STF que foram proferidos para fortalecer o precedente da ADPF 153, como a decisão da Rcl 18.686/RJ, que também considerou a Lei de Anistia compatível com a Constituição. No entanto, conforme salientado, esse entendimento é incompatível com a sentença da Corte IDH, pois resultou na aplicação da anistia, instituto jurídico vedado pelo controle de convencionalidade no que tange aos crimes da ditadura militar. (2021, p. 119; destacou-se)

Cumpre notar que, até o presente momento, houve tão somente uma única condenação em processo criminal por atos praticados durante o período de exceção no país, ainda sem trânsito em julgado. [6]

Sobre a reticência em seguir o viés da persecução criminal, Wagner e Aragão esclarecem que, de fato, a justiça retributiva estritamente punitivista não configura panaceia contra todos os males decorrentes de um passado autoritário. Contudo, o aspecto de persecução criminal implica uma nova etapa de descoberta da verdade e de atribuição de responsabilidade por crimes considerados especialmente graves, como é o caso de tortura, sequestro e homicídio. Nesse aspecto, essa falha do sistema brasileiro, especialmente quando comparado com outros países da América Latina, é, em parte, atribuída a uma carência de reforma institucional completa dos órgãos Judiciários (2019, p. 143). Gallo, igualmente, aponta a manutenção de um legado autoritário no Judiciário (2017, p. 87).

2.4 Mudar o Judiciário? Uma perspectiva institucionalista

Do relato acima, observa-se que, se o regime militar tentou adequar-se ao sistema jurídico, também este último acabou por adequar-se ao regime militar, criando uma situação de complementaridade institucional ou de consenso entre elites, como mencionado por Pereira (2010). O hibridismo do regime militar gerou, portanto, um desenho institucional de mestiçagem entre a democracia e o autoritarismo. O cotejo dos elementos mostra que a ditadura brasileira tentou por tanto tempo se esconder como regime legal que conseguiu dar ares de legalidade até ao seu próprio fim. O autoritarismo seguiu por tanto tempo atrás de uma cortina que parece ser difícil trazê-lo para luz do dia e enfrentá-lo. Há um elemento de negação da violência que é intrínseco à sociedade brasileira (e que provavelmente poderia ser rastreado para antes mesmo do Golpe de 1964) e que permanece presente nos dias atuais, mas que segue sendo ignorado.

Não obstante, existem elementos que causam algum espanto sobre a discrepância da experiência brasileira em relação aos seus pares da América Latina. Como visto, durante o período da ditadura propriamente dita, a Suprema Corte do Brasil deu maior demonstração de resistência do que a chilena (HILBINK, 2007). Outrossim, a escolha inicial por uma via de anistias foi também realizada por outros países da região que, em momento posterior, encontraram possibilidade de afastar sua aplicação. Sobre esse assunto, Skaar atribui o avanço do ativismo judicial às reformas institucionais que asseguraram a maior independência do Judiciário desses países (2011).

A explicação, portanto, é complexa. De um lado, é difícil sustentar a tese de que o Poder Judiciário, na conjuntura pós-Constituição de 1988, não goza de grande independência funcional, podendo ser considerado um loci relevante para pontos de veto ou para atuação de veto players no desenho institucional brasileiro (TAYLOR, 2006, p. 339). É inegável o crescente ativismo do Judiciário, sendo arena escolhida por agentes que pretendem barrar ou acelerar modificações políticas públicas. A seleção de membros, à exceção pontual do quinto constitucional, é realizada por via de concurso público organizado pela própria instituição (e, portanto, sem ingerência do governo do momento ou mesmo dos demais poderes enquanto instituição de Estado). Outrossim, por força da ausência de regras fortes de stare decisis e de vinculação erga omnes de parte da jurisprudência, aliada à grande independência funcional entre cada membro e ao modelo estrutural federativo, existe uma grande fragmentação da atuação dos juízes, enfraquecendo medidas de controle hierárquico de revisão dentro da própria pirâmide recursal (ibidem, p. 340).

Ora, se rememorarmos a tese de Skaar de que os processos sobre Direitos Humanos poderão ser melhor apreciados acaso o magistrado não dependa (1) do regime em questão, (2) do Poder Executivo do momento ou (3) da aprovação de juízes das instâncias superiores (2011, p. 15), parece termos um cenário favorável a um avanço jurisprudencial no âmbito do Judiciário brasileiro, já que essas condições estão preenchidas.

Entretanto, como referido da obra da autora em questão, esses elementos são necessários, porém não suficientes para uma mudança institucional no Judiciário (ibidem).

Aqui, convém consignar que instituições são regras formais e informais organizadas de maneira a estabelecer parâmetros de comportamento, limitar custos transacionais e incertezas, regular expectativas, mediar conflitos e resolver problemas de ação coletiva (JACKSON, 2010). Da descrição em comento, resta claro que o Judiciário é uma instituição por excelência. Nessa linha, importa ponderar, então, como se dão as mudanças institucionais. De fato, considerando a tendência a formar um equilíbrio dentro da lógica de atuação dos agentes, os quais moldam suas preferências ao desenho institucional presente, as instituições costumam ser dotadas de uma inércia natural. Conquanto existam linhas teóricas que explicam as transformações pela lógica de “pontos de virada” ou “critical juntures”, a maioria das modificações ocorrem por vias graduais, pelos processos de layering (adição de regras novas sem exclusão do corpo normativo anterior), drift (reprodução das regras com modificações sutis em sua forma de aplicação para casos novos ou diferentes) ou conversion (nova interpretação sobre o teor das regras) (MAHONEY; THELEN, 2009, p. 15-18).

No que toca ao Brasil, ao tratar do tema da implementação de um sistema universal de saúde, Faletti nega que a Constituição de 1988 tenha sido uma “critical juncture” e invoca a obra de Schmitter para dizer que as mudanças no Brasil ocorrem pelo processo de layering (adição de novas normas ao corpo institucional), por meio de mudanças graduais lentamente implementadas ainda no período autoritário (2009, p. 56).

Com efeito, vê-se que, na transição para a Constituição de 1988, em termos de organização estrutural do Judiciário, houve também manutenção de uma estrutura prévia do regime anterior, com a introdução (ou repristinação) de regras para assegurar plena independência do órgão e ampliação de vias de acesso e de instrumentos de proteção. Veja-se, a reforçar essa tese, que a Justiça Federal ainda é estruturada pela Lei nº 5.010, de 1966, e que a magistratura continua a ser regida pela Lei Complementar nº 35, de 1979. Ou seja, o processo de mudança do Judiciário também ocorreu por layering. Essa modificação permitiu, por exemplo, o aumento de casos de responsabilização civil do Estado pelas violações e pelos abusos ocorridos no período da ditadura, especialmente no início da década de 1990 (CNV, 2014, p. 954), mas não mudou sua essência como corpo burocrático.

Outrossim, algumas reformas institucionais foram levadas a cabo já dentro do período democrático, como é o caso da Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004, que modificou substancialmente alguns elementos da estrutura judiciária, formou uma estrutura de escolas da magistratura para organizar um sistema de atualização e aperfeiçoamento técnico dos juízes e criou o Conselho Nacional de Justiça como órgão colegiado com membros de múltiplos setores, com atribuição correcional e de controle interno do Judiciário. Quanto a este último, a reforma representou uma abertura institucional para novas modificações, dado o poder regulatório que lhe foi atribuído, inclusive para formatar as regras do concurso de seleção de novas membros (BRASIL, 2004).

Em 2009, por meio da Resolução nº 75, o Conselho Nacional de Justiça adicionou a formação humanística (incluídas aqui matérias de sociologia, filosofia do direito, psicologia judiciária e teoria geral do direito e da política) como disciplina obrigatória para as provas de acesso ao cargo de juiz. A Resolução nº 423, de 2021, também avançou sobre o assunto ao determinar que as questões de formação humanística deverão já integrar a primeira fase das provas de seleção (pela modalidade anterior, a temática seria exigível apenas a contar da fase dissertativa). Também apenas por força dessa última resolução dispôs-se como disciplina autônoma o direito da antidiscriminação.

De outra banda, cumpre notar que o défice, por exemplo, da qualidade da apreciação de temas de Direitos Humanos pode se dever ao fato de que dita matéria não constitui sequer disciplina obrigatória para as provas de provimento do cargo de juiz federal (ao contrário das provas para ingresso no Ministério Público Federal), sendo tema de estudo dentro do tópico de Direito Internacional Público ou de Direito Constitucional. Outrossim, a própria competência correcional e regulatória do Conselho Nacional de Justiça não se estende ao Supremo Tribunal Federal, [7] órgão que não atualizou sua estrutura e seu funcionamento.

A manutenção da identidade estrutural e de agentes nos órgãos de cúpula do Judiciário é um fator causal a ser considerado para explicação de ausência de maiores avanços na atuação jurisdicional no que concerne ao enfrentamento do passado autoritário do país. Como observou o relatório da CNV, essa reticência é especialmente presente nas instâncias superiores (2014, p. 957).

Efetivamente, no que toca à responsabilidade penal, resta ainda com grande robustez o dogma da paz conciliada obtida pela via da “dupla anistia”. Por certo, existe uma vinculação processual e um efeito persuasivo decorrente da decisão do Supremo Tribunal Federal no caso da ADPF 153, já que, como constatou Bossi, a via da reclamação permite imediata provocação daquela corte, caso as instâncias inferiores não a observem (2021, p. 119). Esse recurso célere e direto (exceção no sistema processual brasileiro) é um desincentivo a decisões contrárias. Esse estado de coisas acaba por exigir maior esforço argumentativo para dar curso à ação penal do que para rejeitá-la sumariamente, e os casos em que denúncias são aceitas ou ações sentenciadas são rapidamente revertidos, tornando inócuo o trabalho do juízo de primeiro grau. Em resumo, sob a luz da teoria da escolha racional, deixar de seguir a ADPF 153 não é uma atuação estratégica porque pouco eficiente.

Outrossim, também podemos falar que o âmago do sistema de crenças que imbui a instituição judicial ainda não repudia a interpretação atual da Lei de Anistia. Ou seja, não viola a lógica da adequação da instituição manter o amparo dessa normativa legal aos agentes da repressão militar. Pode-se realizar essa inferência com base em julgados como o proferido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que absolveu Carlos Alberto Brilhante Ustra da responsabilidade civil por danos causados à família Teles, garantindo-lhe o “direito ao esquecimento” (CNV, 2014, p. 954). [8]

Segundo Hall, em importante artigo acerca da relevância das ideias para modificações institucionais, campos em que a política institucional envolve elementos técnicos e de conhecimentos especializados detêm especial tendência a desenvolver um paradigma de crenças (1993, p. 278-279). Esse paradigma representa o próprio núcleo ideológico que orienta as escolhas e as preferências dos agentes. Apenas por meio de uma mudança de paradigma de crenças é possível verificar uma mudança substancial na forma de aplicação da Lei de Anistia e avanços na perspectiva da justiça criminal nessa área.

Conclusão

O presente trabalho buscou trazer à reflexão por uma via institucionalista as razões pelas quais o Brasil é uma exceção no cenário da América Latina em relação à implementação de uma justiça de transição mais ampla. Isso porque o eixo da justiça, como responsabilização criminal individual e retribuição por condutas, ainda não foi plenamente alcançado. Enquanto os demais países vizinhos do Cone Sul avançaram para restringir o bojo de suas leis de anistia ou mesmo extirpá-las inteiramente de seu sistema jurídico, o Brasil segue reticente nesse aspecto.

Em sendo a justiça um problema normalmente do Judiciário, buscamos relacionar como essa instituição se relacionou e se relaciona com o passado autoritário do país. Como sugerido por Skaar, são relevantes as reformas institucionais para a melhora da qualidade da apreciação de casos de Direitos Humanos. No entanto, aqui pretendemos demonstrar que essas reformas não podem atingir apenas aspectos formais da carreira e da organização judiciária, como também o próprio aspecto ideacional dos membros, modificando seu paradigma de crenças e sua lógica de adequação.

Por fim, se as modificações no Brasil ocorrem de forma lenta e gradual, resta-nos esperar que estas estejam em seu devido caminho.
 


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[1] SKAAR refere que a justiça de transição encontra-se na encruzilhada entre o Direito e a Política (2011, p. 7).

[2] Nesse sentido é a pesquisa elaborada por SIKKINK e WALLING, em que se concluiu que, sem prejuízo aos demais pilares de transição democrática, o apoio popular e a demanda por processamento e responsabilização individual de perpetradores de violações aos direitos humanos não se reduziram com o decurso do tempo e que, mesmo em países em que houve demora no início da adjudicação de casos criminais pelo Judiciário, continuou a se verificar a indignação popular com os abusos (2010, p. 106-108).

[3] SKAAR menciona, porém, estudo de Prillaman, o qual viu essas reformas com ceticismo, indicando que, em verdade, estas contribuiriam para um processo de decadência democrática.

[4] Acerca do tema, em análise de precedentes do Judiciário argentino em data próxima da derrocada do regime militar, Helmke afirma que juízes poderão adotar ações estratégicas de dissociação em relação ao Poder Executivo, ao perceber o enfraquecimento do poder político autoritário, para, dessa forma, assegurar sua legitimidade na transição democrática (2002).

[5] Não obstante, convém lembrar que, em casos anteriores de inconvencionalidade X constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal adotou o regime de maior proteção de Direitos Humanos. No caso sobre a prisão do depositário infiel, hipótese de prisão civil admitida pela Constituição da República de 1988, mas não excepcionada pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a corte entendeu que a interpretação mais abrangente do direito individual do cidadão contra o Estado é que deveria prevalecer (RE nº 466.343/SP, relator Ministro Cezar Peluso, julgado pelo Pleno do STF em 03.12.2008).

[7] Conforme decidido pelo Plenário do próprio Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 3.367, de 13 de abril de 2005.

[8] A garantia do direito ao esquecimento é especialmente irônica por contrariar os próprios eixos de verdade e memória que deveriam orientar a justiça de transição.

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