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Justiça climática, vulnerabilidades e o Poder Judiciário

7 de novembro de 2023

Diego Pereira

  Diego Pereira  

Assessor na Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, Procurador Federal/AGU, Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília – UnB com período de visitação na Universidade de Salamanca/Espanha, Mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, autor de “Vidas interrompidas pelo mar de lama” (Lumen Juris, 3. ed., 2023), pesquisa e escreve sobre clima, justiça climática, racismo ambiental, desastres, barragens e políticas públicas.

imagem de fundo

Este texto corresponde à palestra proferida por Diego Pereira, com o título Justiça climática, vulnerabilidades e o Poder Judiciário, em 29 de setembro de 2023, na sede do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, no curso cujo tema foi “Direito das Mudanças Climáticas”, organizado pela EMAGIS do TRF4.

Inicialmente, é necessário trazer aqui duas premissas: a primeira se dá com o fato de que estamos falando de justiça climática para um público predominantemente jurídico, o que de cara já revela a importância desse debate no campo jurídico. Ou seja, surge a ideia de colocar o direito à disposição da justiça, já que o direito nem sempre significa o justo, mas é um meio de se alcançar a justiça.

A segunda premissa se dá com a ideia de desconhecimento sobre a temática da justiça climática, não apenas dos operadores do direito. Recentemente foi divulgada uma pesquisa pelo Grupo Globo, e a revelação foi de que cerca de 65% da população brasileira desconhece o termo justiça climática.[1]

Somos diferentes em essências, diferentes em etnia, gênero, idade, lugar social, poder econômico, física e mentalmente. Amartya Sen,[2] com seu conceito de justiça, defende que temos diferenças naturais e outras criadas, e, portanto, o direito seria essa possibilidade de mudança desse quadro.

É no direito que podemos diminuir tais diferenças.

O direito é a oportunidade de diminuir diferenças.

É nesse sentido que falamos em vulnerabilidades. As mais variadas espécies de vulnerabilidades são reflexos dessas diferenças. Algumas vulnerabilidades são natas, e outras tantas, criadas, intensificadas pela conduta humana.

Assim, o conceito que apresento de justiça climática é como uma dimensão do conceito de justiça que busca a diminuição das vulnerabilidades que atingem determinados indivíduos.

Já as vulnerabilidades podem ser sociais, étnicas, econômicas, de gênero, lugar social etc. E aí já temos elementos para dizer o que se entende como justiça climática.

Na perspectiva ambiental, muitas vulnerabilidades são criadas e amplificadas a partir da exploração ambiental no período que chamamos de Antropoceno, a partir da Revolução Industrial e da sua exploração do capital (Ulrich Beck).[3] É nesse sentido que se fala em riscos criados.

Ao falar de vulnerabilidades, preferimos então as expressões pessoas vulnerabilizadas pelo clima, comunidades vulnerabilizadas, territórios vulnerabilizados, justamente porque se diz que tais vulnerabilidades também foram criadas, não são natas.

Esse conceito de vulnerabilização fica evidente quando lembramos das violências urbanas e rurais: disputa de terras; garimpo ilegal; poluição nas cidades; transporte de péssima qualidade; proibição do uso da água por pequenos agricultores; etc.

Falamos tanto em injustiças internas, dentro do Brasil, como naquelas externas, marcadas pelas expressões Norte e Sul Global. Por exemplo: a) segundo a ONU, 70% das vítimas de insegurança alimentar são mulheres; b) o caso Mariana/MG: cerca de 80% das vítimas eram pretas ou pardas, enquanto a população preta/parda de Minas chega perto de 60%; c) dados da FIOCRUZ revelaram que a chance de morrer de COVID era quase o dobro quando se era negro; d) o descaso com a população indígena na epidemia da COVID-19.

E como combatemos essas vulnerabilidades amplificadas pela exploração ambiental? Combatemos com o diálogo permanente com os direitos humanos; combatemos com a convocação da justiça ao debate ambiental.

E, nesse contexto, o Judiciário assume papel fundamental, já que as políticas públicas para diminuição de vulnerabilidades também passam pela conformidade do Poder Judiciário.

Falar de meio ambiente agora passa a ser uma oportunidade de falar de pessoas impactadas pelo clima que clamam por justiça na possibilidade de redução de vulnerabilidades.

Justiça climática é uma possibilidade de debate a partir do atravessamento dos direitos humanos nas políticas públicas ambientais.

Justiça climática possibilita desde já um debate que busca a erradicação das desigualdades no campo da exploração ambiental; uma possibilidade de democratizar os prejuízos ambientais a partir das atividades que transformam bens naturais em recursos naturais. A justiça climática pressupõe uma sociedade democrática.

Só discutimos justiça climática em ambientes democráticos porque colocamos sob referendum o questionamento da desigualdade, o que se mostra inviável em regimes ditatoriais.

Etnia, gênero, lugar social servem agora como catalisadores de justiças, na busca da diminuição das desigualdades, já que não é dado, em teoria, que algumas pessoas sejam subjugadas a condições de desprestígio e desvalor em relação às outras.

Surgem nessa seara alguns conceitos/categorias necessárias para nosso debate sobre justiça climática: meio ambiente – pessoas – direitos humanos – desigualdades – vulnerabilidades – justiça.

É necessário compreender que o clima exclui, desiguala e mata pessoas com certas características.

O justo soa aqui, no sentido aristotélico da palavra, como uma busca permanente, a partir da ideia de direitos humanos e da busca pela redução de vulnerabilidades e desigualdades, como um dever do direito, disponível pela ciência, mas também pela política e especialmente pelo mercado, que, ao explorar o meio ambiente, desumaniza pessoas, relegando a elas uma condição de subvidas.

Ao falar em justiça climática, estamos nos dirigindo a pessoas, destinatárias dessas políticas. Não são quaisquer pessoas, mas pessoas vulnerabilizadas pelo clima.

 

[2] SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

[3] BECK, Ulrich. Sociedade de risco. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 49-53.

 


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