Adir José da Silva JúniorAnalista Judiciário Federal, Mestre em Direito, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Professor de cursos de graduação e pós-graduação |
Oscar Valente CardosoJuiz Federal, Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF4, Diretor-Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Professor de cursos de pós-graduação
23 de março de 2023 |
Resumo
O artigo analisa a utilização do eproc na Justiça Federal da Quarta Região para facilitar a adoção em uma unidade judiciária da gestão por fluxos, que é uma abordagem amplamente utilizada em organizações de todo o mundo. Essa abordagem visa melhorar a eficiência, a produtividade e a qualidade dos processos, ao mesmo tempo em que reduz o tempo de espera e os custos envolvidos. A gestão por fluxos envolve a análise cuidadosa dos processos, com a identificação das etapas envolvidas e o fluxo de informações e documentos existentes entre elas. Em seguida, são estabelecidos padrões para cada etapa, com a delimitação do tempo que cada fase deve levar, os recursos necessários e as habilidades necessárias para realizá-la. Na sequência, os processos são redesenhados de forma a eliminar atrasos, gargalos e ineficiências. As varas federais recebem um grande volume de processos e precisam lidar com uma grande quantidade de informações, documentos e prazos. A gestão por fluxos pode ser uma abordagem eficaz para lidar com esses desafios, e a utilização de ferramentas existentes no eproc propicia a implementação dessa solução, com a padronização dos procedimentos, a definição de metas e indicadores de desempenho, a automação de processos, a otimização da utilização de recursos e a capacitação dos funcionários. Essas medidas ajudam a garantir que os processos sejam executados de forma consistente, com qualidade e dentro dos prazos estabelecidos.
Palavras-Chave: Direito Processual Civil. Processo eletrônico. Administração Judicial. Administração Judiciária. Eproc.
Abstract
The article analyzes the use of eproc in the Federal Justice of the Fourth Region to facilitate the adoption of flow management in a judicial unit, which is an approach widely used in organizations around the world. This approach aims to improve efficiency, productivity, and process quality, while reducing wait times and costs. Workflow involves a careful analysis of processes, with the identification of the stages involved and the flow of information and documents between them. Then, standards are established for each stage, delimiting the time each phase should take, the necessary resources, and the skills needed to carry it out. Processes are then redesigned to eliminate delays, bottlenecks, and inefficiencies. Federal Courts in Brazil receive a large volume of cases and need to deal with a significant amount of information, documents, and deadlines. Workflow can be an effective approach to deal with these challenges, and the use of existing tools in eproc allows for the implementation of this solution, with standardization of procedures, definition of goals and performance indicators, process automation, optimization of resource utilization, and employee training. These measures help ensure that processes are executed consistently, with quality and within established deadlines.
Keywords: Civil Procedure Law. Electronic process. Judicial Administration. Court Management. Eproc.
Sumário: Introdução. 1 Administração Judicial. 2 Informatização do Judiciário. 3 Processo eletrônico e a gestão judicial. 3.1 Os fluxos de trabalho (workflows). 3.2 O processo eletrônico do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (eproc). 3.2.1 O eproc e os fluxos de trabalho. 3.2.1.1 Fluxo de produção documental. 3.2.1.2 Fluxo de modelos e textos padrões. 3.2.1.3 Fluxo de tramitação processual. 3.3 Perspectivas. Considerações finais. Referências.
Introdução
As crescentes taxas de congestionamento observadas no Judiciário brasileiro entre as décadas de 1970 e 80 deram abertura ao surgimento, no âmbito do que até ali já se tinha constituído como as estruturas da Sociologia Jurídica, à formação de um arcabouço teórico em torno da Administração Judicial.
Por meio dessa nova disciplina, procurou-se buscar soluções e alternativas às dificuldades enfrentadas no acesso ao Judiciário, com o congestionamento da máquina estatal, a crescente burocratização e o hermetismo dos procedimentos judiciais.
Vivenciou-se, a partir da busca por essas soluções, o que se convencionou denominar de “ondas renovatórias do acesso à justiça”, consubstanciadas, primeiramente, na assistência judiciária gratuita aos hipossuficientes, depois a adaptação do sistema processual para tratar de forma mais adequada as demandas de massa, com a tutela de direitos difusos e coletivos e, como terceira onda, a melhor organização da máquina judiciária, com a instituição de práticas processuais mais eficazes, melhor preparação dos profissionais jurídicos e – o enfoque deste artigo – reestruturação da organização do Judiciário.
É intuitivo imaginar que uma reordenação da estrutura de trabalho do Judiciário passaria por questões muito próprias do serviço público, mas, de outro lado, necessita da incorporação de fluxos e ferramentas próprias da iniciativa privada que, por, em regra, se ver menos balizado por limites impostos por questões exteriores à busca pela eficiência, acaba por apresentar em maior quantidade e velocidade soluções para “congestionamentos” indesejados.
Nesse sentido, é evidente que a informatização ocuparia espaço central nas medidas de reordenação do cenário judicial e na sua administração, não apenas porque ocupa esse espaço em todas as áreas do conhecimento e da dinâmica social que se propõem a se reler, mas também porque, tanto no aspecto procedimental – com o encadeamento de atos que sucedem em forma sistematizada – quanto no aspecto institucional – com órgãos e instâncias que se sobrepõem de forma ordenada –, a estrutura judiciária é um campo fértil para a utilização das ferramentas advindas dos sistemas computacionais.
No Brasil, o processo eletrônico já conta com iniciativas que remontam a, pelo menos, três décadas de implementações bem-sucedidas que vão de sistemas mais simples de registros processuais até os atuais e muito bem elaborados sistemas completos de gestão judiciária.
Entre os referidos sistemas, ganha destaque o sistema de processamento eletrônico do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF4), conhecido pela designação que agrega o caractere “e” (comumente adotado para designar ferramental eletrônico) e o termo “proc” (redução de “processo”), resultando na alcunha eproc, que foi iniciado em 2004 e atualmente é um sistema complexo e completo, com inúmeras ferramentas associadas para permitir o gerenciamento de fluxos diversos.
Há algum tempo o eproc se constitui em muito mais que um simples gestor de tramitação processual, para oferecer a partes (e seus representantes), a servidores, a magistrados e, em geral, aos administradores das unidades judiciárias, ferramentas para administrar praticamente todos os aspectos da atividade judicial, desde a cartorária até a institucional, inclusive a gestão documental.
Dentro desse arcabouço gerencial, e à vista da ordenação do uso das ferramentas disponibilizadas e a busca por sua otimização, houve o aumento da utilização da organização em fluxos de trabalho (workflows) que, em regra, tem direcionado a evolução desses sistemas para que seja realizada dentro da lógica estabelecida por esse formato.
Em consequência, esse modelo será examinado neste artigo, para que se preste contribuição no sentido de indicar caminhos que demonstrem as vantagens do uso desse método de organização e, mesmo, que o sistema processual eletrônico do TRF4 já se organiza a partir dessa concepção.
Para tanto, procurar-se-á indicar algumas categorias próprias do método, a sua aplicação nos sistemas processuais e, mais especificamente, nos sistemas eletrônicos de tramitação e gestão processual, para, ao fim, indicar a sua melhor utilização a partir do ambiente do eproc, e demonstrar que a atual estrutura do sistema já funciona sob a lógica dos workflows.
Apresentar-se-ão, também, boas práticas já utilizadas em unidades jurisdicionais componentes do TRF4, com o fito de ilustração dessas vantagens e, como encerramento, traçar-se-ão alguns cenários de utilização da abordagem em workflows para a gestão judiciária para as unidades que utilizem o sistema, tanto a partir do ferramental já disponível, como dos que se desenham para futura utilização.
1 Administração Judicial
A Administração da Justiça, ramo da Sociologia do Direito, área do conhecimento que adquiriu os contornos próprios de ciência de forma relativamente tardia (se comparada às áreas pares vinculadas à compreensão do fenômeno jurídico), constituiu-se como importante campo de discussões e implementações de medidas para resolver ou, ao menos, contornar a necessidade que se apresentou, dramaticamente, de uma resposta estatal à crescente taxa de congestionamento da estrutura judiciária e da dificuldade de acesso pelos jurisdicionados.
Com abrangência polissêmica, tal ramo surgiu, inicialmente, como uma crítica à visão essencialmente substantivista do Direito, em detrimento de uma necessária abordagem processual, como bem apontado por Boaventura de Sousa Santos (1986, p. 12) – autor português que se ocupou, com grande destaque, do estudo do fenômeno –, aqui ainda do ponto de vista estrito do processo judicial em si, como sede de procedimentos jurisdicionais.
Tal compreensão, em um passo adiante, desbordaria os limites da ontologia do processo judicial, para os processos externos a ele, relacionados à necessária gestão das atividades cartorárias e administrativo-burocráticas do Judiciário como estruturas próprias do sistema político nacional.
Santos (1986, p. 13), associando tal tendência à obra de Max Weber, que se notabilizou pela acurada análise da burocracia estatal, na acepção não pejorativa do termo, esclarece:
Atente-se, no entanto, que este segundo tema, em geral a orientação teórica da escola do direito livre ou da jurisprudência sociológica (Pound, 1911 e 1912), ao deslocar a questão da normatividade do direito dos enunciados abstractos da lei para as decisões particulares do juiz, criou as pré-condições teóricas da transição para uma nova visão sociológica centrada nas dimensões processuais, institucionais e organizacionais do direito.
O autor apresenta as condições de ordem teórica e sociais para o surgimento – e estabelecimento – da Sociologia do Direito como ciência autônoma voltada à apreensão e à compreensão dos fatos dos quais se originava a crise do Judiciário e da prestação jurisdicional.
As condições teóricas derivam da Sociologia das Organizações, a compreensão se apoia na Ciência Política (com os tribunais como o centro de decisão no sistema político), e a sua solidificação está na Antropologia do Direito, com o deslocamento da atenção analítica das normas para o processo de suas formações.
De outro lado, as condições sociais exsurgem da alteração na conjuntura social e econômica do pós-guerra e do aparecimento dos movimentos sociais e de demandas coletivas, com a sua crescente importância no processo de decisão de litígios (SANTOS, 1986, p. 14-16).
De todos esses pontos, cumpre ressaltar, está o reconhecimento dos tribunais como elemento essencial na conformação do sistema político global, respondendo com outputs (decisões judiciais) às pressões recepcionadas pelos inputs (políticos, sociais, econômicos etc.) (SANTOS, 1986, p. 23).
Essa compreensão sistêmica de inputs e outputs pode ser transportada, para melhor análise, para a Teoria dos Sistemas Autopoiéticos de Niklas Luhmann e, nesse contexto, a ilustração de Santos pode ser traduzida no Judiciário como um subsistema operacionalmente fechado e cognitivamente aberto, acoplado estruturalmente aos demais subsistemas políticos, que responde às perturbações que lhe são externas com um código diferencial formado pelos elementos que lhes são próprios.
Sobre o assunto, Pegoraro Júnior (2019) utiliza essa leitura luhmanniana, ao abordar o próprio processo eletrônico inserido neste contexto da Administração da Justiça para além dos processos judiciais:
(...) o processo eletrônico não é (ou não deve ser) apenas uma reprodução digitalizada do processo físico; ele aponta para uma nova forma de atuação do processo, em relação a seus atores e em relação ao ambiente (do mundo dos fatos, o que inclui a cibernética, e do Direito Processual). Isso se traduz em perturbações sistêmicas que afetam alguns dos elementos do Direito Processual, mas que catalisam uma evolução, seja paradigmática, seja num contexto disruptivo, mas que oferecem uma nova forma de prestação jurisdicional (p. 55).
O processo eletrônico já é consolidado o suficiente para se inserir como instrumento e objeto de cada uma dessas faces apresentadas pela Administração da Justiça e, como querem alguns,[1] diferencia-se da Administração Judiciária.
Santos (1986) relaciona os aspectos sobre os quais se destina a Sociologia Jurídica, ao voltar seu foco à Administração da Justiça, quais sejam:
(...) a organização dos tribunais, sobre a formação e o recrutamento dos magistrados, sobre as motivações das sentenças, sobre as ideologias políticas e profissionais dos vários sectores da administração da justiça, sob os bloqueamentos dos processos e sobre o ritmo do seu andamento em suas várias fases (p. 17).
Não obstante, embora a abordagem da Administração Judiciária compreenda todos estes aspectos, e reconheça-se a questão relacionada às motivações das decisões e as suas influências, é sobre a estrutura burocrática do Judiciário (e a necessária modernização e ordenação dessa estrutura como um dos meios para enfrentar os obstáculos à prestação jurisdicional adequada) que se destina esta pesquisa.
Delimitadas essas balizas, há um elemento de extrema importância na compreensão da utilização dos instrumentos disponíveis à gestão mais moderna e eficiente na análise da estrutura administrativo-burocrática do Judiciário: a formação dos gestores.
A sistemática consagrada na administração judiciária brasileira atribui ao próprio quadro de magistrados e servidores a gestão de todas as unidades judiciárias, assim como do corpo administrativo.
Não há, como se observa em ordenamentos pelo mundo, estrutura paralela administrativa, com agentes com formação específica na área das Ciências da Administração com a atribuição de gerir o Judiciário, o que, em tese, é o mais indicado.
A dinâmica demanda desses, além da formação jurídica (condição prévia necessária para a assunção dos cargos), a busca por formação adicional para lidar com uma enorme miríade de matérias e habilidades que não são próprias da essência de suas capacitações originárias.
Apresentada essa lógica de funcionamento – questionável, mas consolidada –, não há outro caminho a trilhar que não o do aperfeiçoamento e da abertura de horizontes.
Nesse ponto, são certeiras as palavras de Spegiorin (2014):
Deveras, utilidade alguma terão as reformas processuais, por mais brilhantes tecnicamente que sejam, por mais astutos, preparados e dignos que sejam seus idealizadores e coordenadores, se a postura dos juízes e dos servidores do Poder Judiciário continuar a mesma.
O juiz pode, a despeito de suas limitações pessoais, dos defeitos da estrutura, da má produção da lei processual, tornar a justiça mais eficiente, desde que, entretanto, ele se livre da roupagem arcaica acaso existente e tenha em si a vontade de mudar o presente, trabalhando dentro de suas limitações, no espaço que o sistema lhe reservou para atuar (p. 7).
E prossegue o autor:
O juiz contemporâneo não pode mais se comportar como o juiz do passado, tendo em conta a nova realidade social que se apresenta em constante mutação, com demandas inovadoras e urgentes. O novo juiz é aquele que está em sintonia com a nova realidade do mundo globalizado e preparado para responder, com atitude e eficiência, às expectativas da sociedade atual, tendo em consideração as promessas do direito existente e as exigências das pessoas que, cada vez mais, clamam para serem ouvidas e respondidas pelo Poder Judiciário (SPEGIORIN, 2014, p. 7).
Assim, o ambiente em que a informatização do Judiciário se desenvolve, para muito mais do que tão somente a informatização dos processos judiciários, é o da busca por soluções estatais mais modernas e efetivas para os problemas que surgem.
Fala-se aqui não só de racionalização do processo judicial e dos processos judiciários, mas de democratização do acesso à entrada e à resposta ao jurisdicionado e, nesse ponto, Santos (1986, p. 32) afirma que “(...) a democratização deve correr em paralelo com a racionalização da divisão de trabalho e com uma nova gestão dos recursos de tempo e de capacidade técnica”.
Nesse cenário, passa-se ao exame da informatização do Judiciário para, em seguida, analisar o melhor uso das ferramentas que esse fenômeno proporcionou.
2 Informatização do Judiciário
A partir das medidas direcionadas a ampliar o acesso à justiça e incrementar os meios de administração do processo e da estrutura do Judiciário, o advento das ferramentas computacionais e o advento da rede mundial de computadores, por se configurar mudança de paradigma das constituições sociais com reflexos inafastáveis em todas as áreas da dinâmica social, inevitavelmente atingiria os meandros da Administração Judiciária.
Sob as vertentes próprias da Sociologia Jurídica, especialmente na apuração das causas com o fim de oferecer soluções (o que se fez representar pelas “ondas reformistas” elencadas pelo processualista italiano Mauro Capeletti), quais sejam, o acesso à justiça, a administração da justiça e o estabelecimento de mecanismos hábeis à redução da litigiosidade social, é possível afirmar que a informatização dos processos gerenciais e jurisdicionais se apresenta como a face moderna e necessária da resposta prestada pelo Estado.
Seja na redução dos custos, seja na apresentação de resultados uniformes, coerentes, rápidos e satisfatórios, a informatização crescente é um fortíssimo aliado da gestão judicial.
O acesso à justiça também se instrumentaliza a partir da resposta mais rápida e efetiva dada pela informatização do processo, com a redução drástica do que se costuma chamar de “tempo morto” do processo, na maior parte das vezes o grande responsável pelo congestionamento e pela morosidade judiciais.
Para esse fim, não é adequada a abertura das portas do Judiciário ao ajuizamento de demandas, mas é necessário que se ofereça uma resposta célere e, mais importante (por não se confundirem os conceitos), tempestiva.
É possível vaticinar uma alteração do paradigma do próprio processo civil a partir do oferecimento de instrumentos que tornarão desnecessários outros hoje inseridos dentro do paradigma formado pela tecnologia até então disponível. Nesse sentido, Pegoraro Júnior (2019) afirma que:
(...) cabe caracterizar a ordem científica hegemônica do Processo Civil, distinguindo condições teóricas e práticas que permitam lograr identificar um paradigma presente ou a ser superado. Se há algum paradigma envolvido no Processo Civil anterior ao processo eletrônico, então é possível especular sobre a superação do paradigma a partir da – e por meio da – nova tecnologia. (p. 24)
A aproximação do Direito da tecnologia é irrefreável e irreversível. Seja como objeto (Direito da Informática ou Direito Digital), seja como instrumento ou meio auxiliar à gestão e à tramitação processuais (Informática Jurídica).
Essa última, que se iniciou com a busca por a apuração quantitativa da produção jurisprudencial, alcançou, nos dias de hoje, aplicação bastante ampla e não se restringe à indexação e ao armazenamento documental.
Dos softwares incipientes de gestão de órgãos jurisdicionais, ou mesmo de escritórios de advocacia, chegou-se a sistemas bastante complexos e versáteis.
Assim, não obstante o misoneísmo próprio das iniciativas inovadoras, da máquina de escrever (cujos documentos decisionais produzidos a partir dela tiveram sua validade discutida nos tribunais pátrios) até os sistemas de processamento de feitos, é inconcebível o funcionamento do Poder Judiciário e de tudo o que o cerca sem a utilização da tecnologia como instrumento nuclear.
Sobre o assunto, nunca é demais lembrar os fortes rechaços da própria jurisprudência quanto à Lei 9.800/99 (Lei do Fax) e as possibilidades de comunicação inerentes às ferramentas, com o esvaziamento de seu conteúdo.
Entretanto, a situação presente é totalmente diversa.
De fato, a produção legislativa tratou de consolidar a tendência à informatização do Judiciário, como se pode extrair dos arts. 7, § 2º, e 14, § 2º, da Lei 10.259/2001, que autorizaram a utilização de meios eletrônicos para a comunicação processual e para a reunião dos magistrados a compor a sua segunda instância.
Não obstante a existência de inúmeras iniciativas anteriores nos órgãos judiciários, que se valiam da informática e da rede de computadores para o controle da tramitação de feitos, cooperação jurisdicional, edição de textos e algumas atividades administrativas, é certo que os referidos dispositivos, da lei que regula o procedimento e a criação dos Juizados Especiais Federais, ofereceram aos gestores a possibilidade de ousar na criação de sistemas mais amplos e complexos.
Antes desse marco, havia sistemas bastante populares e usados em larga escala, como o Sistema de Automação da Justiça (SAJ), adotado por alguns tribunais brasileiros, com módulos para a gestão de processos em primeiro grau e em segundo grau gerenciando um rol de atividades bastante extenso, de cunho administrativo e procedimental.
É certo, entretanto, que a criação dos sistemas eproc (TRF4) e Creta (TRF5) no Judiciário Federal, com base nas autorizações de cunho normativo e procedimental apresentadas pelos Juizados Especiais Federais, representou importante incremento na implementação de sistemas dessa natureza.
A partir dessas iniciativas é que, por meio do Projeto de Lei 5.828/2001, advindo da Associação dos Juízes Federais (AJUFE), valendo-se de regulamentações que já haviam sido formuladas no âmbito administrativo dos tribunais envolvidos, originou-se a Lei 11.419/2006 que, nos dias de hoje, regula os aspectos procedimentais do processo eletrônico, ao lado dos dispositivos inseridos nas normas processuais.
Surgiram, então, inúmeros sistemas de tramitação eletrônica de feitos e de gerenciamento de fluxos de processos judiciais e administrativos no Judiciário.
Nesse cenário, o que interessa mais a este artigo é a evolução dessas ferramentas, que, da mera informatização de processos, tornaram-se sistemas complexos de gestão judicial e judiciária.
3 Processo eletrônico e a gestão judicial
A evolução dos sistemas eletrônicos de processamento de feitos deixava entrever a necessidade de combinação com inúmeros sistemas paralelos de gestão, registro, comunicação e cumprimentos de diligências administrativas e judiciais. Logo, o passo seguinte desse caminhar inevitavelmente desaguaria em sistemas condensados, que combinassem todas as funcionalidades e passassem a ser sistemas centrais de gestão cartorária e judicial.
A concepção sistêmica luhmanniana ajuda a compreender esse processo a partir, principalmente, das concepções de perturbação sistêmica e de acoplamentos estruturais.
Pegoraro Júnior (2019) trata com didatismo a função disruptiva apresentada pelo processo eletrônico e pelas funções que se sobrepõem ao simples registro cartorário em que os processos físicos encontraram o seu limite:
(...) o processo eletrônico não é (ou não deve ser) apenas uma reprodução digitalizada do processo físico; ele aponta para uma nova forma de atuação do processo, em relação a seus atores em relação ao ambiente (do mundo dos fatos, o que inclui a cibernética, e do Direito Processual). Isso se traduz em perturbações sistêmicas que afetam alguns dos elementos do Direito Processual, mas que catalisam uma evolução, seja paradigmática, seja num contexto disruptivo, mas que oferecem uma nova forma de prestação jurisdicional. (p. 55)
Krammers (2010, p. 14), por sua vez, adota o conceito luhmanniano de acoplamento estrutural para identificar nos sistemas modernos de processamento eletrônico (já com essa característica gerencial) um centro de integração de diversos agentes.
Não é mais possível atribuir às poucas opções oferecidas pelos sistemas judiciais eletrônicos eventual subutilização da tecnologia para a gestão processual e mesmo administrativa dos negócios judiciais e jurisdicionais.
A automatização de fluxos de trabalho e os seus efeitos benéficos à estrutura do processo judicial também são apontadas por Spegiorin (2014):
A simples padronização de despachos de mero expediente, sobretudo se utilizados os recursos da informática, e a reorganização dos trabalhos cartorários por meio de rotinas preestabelecidas e especializadas pelos temas abordados nos processos podem resultar em efeitos imediatos em prol da celeridade e da eficiência da prestação jurisdicional. (p. 8)
Essa realidade vai tornando os processos eletrônicos mais aptos a receberem os afluxos das ferramentas modernas e tornando os processos físicos obsoletos, a ponto de se apresentarem inservíveis aos novos paradigmas da prestação jurisdicional, como bem aponta Pegoraro Júnior (2019):
[...] não há propriamente uma competição científica, num sentido dialético, entre o processo físico e o processo eletrônico, pois este se impõe como algo inexorável, pela compulsoriedade de sua utilização. Não há espaço para se desenhar, realisticamente, uma possibilidade de proeminência de um ferramental ou outro: o processo eletrônico já o é, enquanto o processo físico já deixou de sê-lo. Há sim, como elemento novo, uma agregação à realidade do processo eletrônico ao Processo Civil, o que não exige necessariamente uma nova explicação científica da realidade. (p. 25)
Não é por acaso que a Resolução 420/2021 do Conselho Nacional de Justiça proibiu a existência de novos processos em meio físico a partir de 1º de março de 2022 em todos os tribunais brasileiros (com exceção do STF) e definiu um calendário de digitalização dos processos físicos em tramitação até 31 de dezembro de 2025.
Assim, é certo que o universo sobre o qual incidem os sistemas de controle processual e, cada vez mais, cartorário e gerencial vem se tornando muito mais amplo.
Krammes (2010) já propugnava por uma utilização mais ampla dos sistemas processuais:
Mesmo a utilização da informática até hoje não proporcionou a aplicação de técnicas administrativas modernas aos cartórios judiciais, que forneçam apoio logístico adequado para a realização da atividade final, e os computadores continuam sendo utilizados como sofisticadas máquinas de escrever. (p. 80)
Com efeito, a tramitação processual, e mesmo a produção documental, são hoje a base de uma pirâmide que vem, ao mesmo tempo, alargando-se ao incorporar novas funcionalidades tendentes a qualificar e a ampliar as possibilidades desse gerenciamento judicial, e estratificando-se cada vez mais no sentido de incorporar outras funcionalidades que amplifiquem as suas funções para auxiliar a atividade fim, mas, igualmente, todas as atividades meio do Poder Judiciário e dos entes correlacionados.
A partir dessas conclusões, destaca-se a análise de Pegoraro Júnior (2019):
Certamente há uma influência sistêmica na utilização do processo eletrônico, mas há bem mais do que isso: um método de gestão judicial em curso que emula e inspira sua larga adoção em tantos países, também no Brasil. Tal como se dá com o advento de quaisquer novas tecnologias, em qualquer relação social, o Direito sofrerá as influências do processo eletrônico. Foi assim com o motor à combustão em relação ao meio de transporte, ou com as vacinas em relação à saúde pública e à expectativa de vida. Será assim – e já está sendo – em relação ao Direito. (p. 19)
A Administração Judiciária e Judicial no Brasil enfrenta uma série de obstáculos a serem sanados. Para alguns, é necessária uma verdadeira revolução na forma de ver os atores da gestão, tanto micro (nos fluxos processuais) quanto macro (a própria administração de tribunais e unidades judiciárias).
Alguns desses obstáculos são facilmente apontados, mas o que deve ganhar mais atenção é o fato evidente de que a gestão, no meio Judiciário, em regra, é dada a agentes que não estão tecnicamente aptos a tanto.
Uma solução ideal, mas de alcance mais difícil, seria a implementação das políticas de separação das atividades judiciais e das administrativas, atribuindo essas a corpos devidamente graduados nas ciências da Administração (como se dá em outros países, como Chile e Reino Unido).
Por outro lado, em uma perspectiva mais realista, é preciso prosseguir na ampliação em larga escala da formação corporativa dos gestores.
Nessa seara, a adoção de sistema de gerenciamento eletrônicos (como têm se mostrado os sistemas de processos eletrônicos) são essenciais, pois, como afirma Pegoraro Júnior (2019):
No fundo, trata-se de reconhecer a superação de uma fase artesanal de investigação jurídica, na qual o jurista consome seu tempo em uma lenta, paciente e trabalhosa busca de fontes, que, uma vez identificadas, deverão ser localizadas por meio de longa peregrinação intelectual, ignorando a realidade da sociedade de informação. Esse cenário é obsoleto, e é somente a partir da assimilação de mecanismos de informação e de metadados que se estará em condições de restabelecer um importante equilíbrio entre o incessante fluxo de dados jurídicos e sua capacidade para aproveitamento.
Por meio dos processos de documentação informatizada, poder-se-á abrir uma nova etapa nas técnicas operativas da investigação jurídica. (p. 179)
Dentro dessa perspectiva, indica-se a gestão por fluxos de trabalho, que, adotada em medida mais ampla, pode racionalizar e otimizar as diversas etapas de cada um dos prismas sobre os quais se olhe a gestão de rotinas gerenciais e cartorárias, com destaque, neste artigo, para estas.
Essa concepção é adotada de forma bastante presente no sistema de processamento eletrônico do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, o eproc, e são com os fluxos organizados pelas ferramentas desse sistema que se irá lidar nos itens seguintes.
3.1 Os fluxos de trabalho (workflows)
A construção histórica do eproc, o sistema de processamento eletrônico do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, caminhou por meio da automatização de inúmeros elementos, para a adoção de certa forma intuitiva da noção de fluxos de trabalho para o gerenciamento, tanto da tramitação processual em si, quanto da gestão documental e de outros processos de trabalho correlacionados.
A automatização dos fluxos de trabalho encontra base teórica bastante consolidada na concepção de workflows, em que se estabelece a sistematização para processos de negócio dos quais o processo judicial, ou mesmo os processos de trabalho de uma secretaria judicial, podem ser tomadas como espécies.
Segundo Krammes (2010), que formulou importante estudo a respeito do uso do conceito nos processos judiciais eletrônicos, os seguintes elementos devem ser levados em consideração:
Importante é saber que o conceito de processo de negócio está voltado para a análise de todos os recursos utilizados na materialização de determinado bem ou serviço. Tal análise inclui não apenas os insumos necessários, mas também os modos de operação que fazem com que tais insumos tornem-se produtos aptos a serem consumidos. (p. 43)
Dos processos de negócio, colhem-se os elementos próprios de sua delimitação, centrais para que se ajustem aqueles que forem sendo identificados em cada fluxo de trabalho, quais sejam, os subprocessos, as atividades, os procedimentos, as tarefas e o tempo de ciclo.
Tais elementos, organizados por meio de regras pré-estabelecidas de comunicação horizontal de um agente para o outro, passam a ser apresentados como papeis (atribuições e competências atribuídas aos agentes de acordo com suas características e habilidades), rotas (o caminho a seguir, de procedimentos ordenados dentro do fluxo de trabalho, até atingir o objetivo pré-concebido) e regras (formas pré-estabelecidas de realização de tarefas independentes das vontades pessoais e habilidades dos agentes) (KRAMMES, 2010, p. 46),
O autor citado ressalta que o princípio do devido princípio legal restará melhor atendido se os fluxos de trabalho forem adotados como métodos de trabalho:
(...) se cada tipo de processo tem regras definidas em lei, consequentemente o rito seguido em causas semelhantes deve, necessariamente, obedecer a tais determinações. Garantir que processos semelhantes sejam tratados da mesma maneira, em relação às suas determinações procedimentais, é tarefa passível de tratamento computacional. Basta identificar cada caso de acordo com seus dados e encaminhá-lo para filas de processamentos especialmente destinada ao seu tipo. (KRAMMES, 2010, p. 28)
A mesma lógica pode ser aplicada a outros princípios do processo judicial, como a duração razoável do processo, o impulso oficial e a primazia do julgamento de mérito.
A utilização de métodos e ferramentas com essa finalidade torna esses princípios menos infensos a ofensas subjetivas às suas concretizações, e a consecução dos fluxos na forma preestabelecida assegura não apenas o cumprimento desses princípios, mas também garante a segurança jurídica e a isonomia de forma objetiva.
Como bem ressaltado por Krammes (2010, p. 49), “predeterminar caminhos é mais que cumprir requisitos formais na produção de bens e serviços, é também possibilitar a definição de melhoras práticas em todas as etapas do processo”.
A gestão a partir de fluxos demanda algumas etapas essenciais a serem observadas numa estruturação que se utilize dessa sistemática, ainda mais em sistemas como o eproc, que tem na flexibilidade de utilização das suas ferramentas a sua grande vantagem.
Diferentemente de outros sistemas de gestão judicial e judiciária, o eproc oferece ferramentas desenhadas a partir de concepções preestabelecidas de fluxos, como os que irão se apresentar à frente. Porém, essa funcionalidade não “engessa” a sua utilização em fluxos pré-ordenados obrigatórios, o que tolheria em grande medida a possibilidade da utilização otimizada dessas ferramentas e, mais importante, impediria também uma individualização e adaptabilidade maior às necessidades específicas de cada uma das unidades jurisdicionais, dotadas de especificidades regionais e de perfil de grupo que podem atender de formas diversas a fluxos endurecidos e preestabelecidos.
Assim, inicialmente, para a definição de cada um dos fluxos, é importante adotar uma fase de levantamento de necessidades e ferramentas disponíveis. Em seguida, desenham-se os fluxos previamente de forma externa ao sistema, para que seja possível identificar em que pontos as ferramentas terão a sua utilização mais adequada.
Essa fase faz parte do que pode se convencionar chamar de documentação dos fluxos, que é a adoção de ferramentas de registro – preferencialmente em sistemas da própria instituição, como o SEI, sistema eletrônico de processos administrativos criado pelo Núcleo de Tecnologia da Informação do TRF4 e que, assim como acontece com o eproc, foi adotado por grande parcela do serviço público brasileiro –, para que não só o resultado da montagem dos fluxos, mas todo o processo realizado para chegar até aí seja documentado de modo a servir de repositório, tanto para a organização da unidade quanto para a educação de todos os colaboradores envolvidos. Esse conhecimento dos padrões e dos critérios adotados, além dos mecanismos de utilização, é essencial para o sucesso do funcionamento.
Krammes (2010, p. 60) ressalta a necessidade da conversão do conhecimento tácito (pessoal de cada um, sem formalização) em conhecimento explícito (formalmente institucionalizado) para o sucesso da adoção de sistemas baseados em fluxo, como aqui se propõe. Refere, ainda:
(...) para fins de mapeamento de um processo de negócio e, posteriormente, para a adoção de uma ferramenta de workflow, o requisito mais básico que deve ser cumprido é a documentação detalhada dos envolvidos e das atividades que compõem o processo de negócio a ser automatizado. É esse trabalho inicial que possibilitará definir efetivamente quais os conhecimentos utilizados no processo. (KRAMMES, 2010, p. 61)
O processo de documentação e a educação institucional de cada envolvido na sua utilização advém da necessidade de organização em grupo dos processos de trabalho, de modo que os colaboradores passem a compreender coletivamente as formas de trabalho que, até ali, se davam de forma individual e não compartilhada (o que é a regra do que se observa na prática nas unidades judiciárias).
Nos termos do indicado por Krammes (2010):
Foi a partir da adoção dessas ferramentas que muitas das tarefas antes realizadas de maneira individual foram socializadas. De alguma forma, esse fator permitiu que cada membro pudesse adquirir informações mais detalhadas sobre o que estava sendo produzido em outras etapas do processo de negócio. (2010, p. 60).
A ligação direta entre essas duas características é facilmente evidenciada:
Assim, a externalização procura ser alcançada com a documentação completa do processo de negócio, ou seja, tornando o conhecimento pessoal em conhecimento geral. Por esse motivo, não basta conhecer empiricamente a realidade da organização; é necessário formalizar as atividades realizadas e definir os encadeamentos entre elas (KRAMMES, 2010, p. 61).
Não obstante o desenho dos procedimentos apresentado pelas leis processuais, é ilusório imaginar que são suficientes para a montagem dos workflows. Há uma série de ruídos externos aos fluxos criados pela unidade que nunca devem ser desconsiderados e, ainda mais importante, na maior parte das vezes, precisa ser tomado como perturbação necessária para o funcionamento e a evolução do sistema.
Como ressalta Krammes (2010):
Como as leis, processuais ou materiais, são formuladas em termos gerais e abstratos, sua aplicação para um caso concreto depende necessariamente da atuação de quem aplica o direito: juízes, escrivães, advogados, partes, entre outros agentes. (p. 86)
A flexibilidade, portanto, que já é premissa adotada na própria concepção do sistema, deve ser replicada como premissa da sua utilização, na criação dos fluxos que devem contemplar todas as possibilidades previstas e abrir nós de desvio que possibilitem que ocorrências inesperadas ou raras sejam incorporadas ao fluxo, ou que, ao menos, possam se desenvolver de forma paralela até que voltem normalmente ao fluxo.
Um exemplo em que isso pode ocorrer é com a nova regra trazida pelo Código de Processo Civil de 2015 denominada “calendarização processual”, que é a possibilidade, com base no princípio da cooperação processual, de que as partes e o juiz possam alterar prazos estabelecidos de forma geral para adaptar às suas realidades (art. 191 do CPC).
A apresentação de calendário nesses termos não pode significar o corrompimento da estruturação de fluxos estabelecida pela unidade, mas servir de perturbação que, como antes afirmado, possibilite a sua evolução.
Feitas essas considerações, que servem de centro para que se agreguem inúmeros outros fluxos de trabalho (controle de audiências, perícias, coordenação de temas repetitivos, entre outros), ater-se-á, neste estudo, aos três principais fluxos gerenciáveis pelo eproc, quais sejam os de produção documental, de construção de modelos e textos-padrão e o fluxo de tramitação processual.
3.2 O processo eletrônico do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (eproc)
O sistema de processamento eletrônico de feitos do Tribunal Regional Federal da 4a Região é, juntamente com o Sistema Eletrônico de Informações (SEI), um dos produtos mais bem acabados do órgão, motivo de intenso orgulho de todos os integrantes.
Criado no ano de 2003 como consequência do sucesso do sistema de intimações eletrônicas – iniciativa adotada na Seção Judiciária de Santa Catarina em razão da autorização legislativa advinda da Lei 10.259/2001 dos Juizados Especiais Federais –, o eproc é resultado exclusivo da competência e da dedicação de servidores e magistrados do órgão, não se utilizando de qualquer contratação externa ou softwares que não sejam de uso livre e gratuito.
Inicialmente pensado como sistema exclusivamente destinado ao registro e à tramitação de feitos em ambiente inteiramente virtual, o eproc foi incorporando a si inúmeras ferramentas, além de possibilitar a interação direta com outras tantas, externas, de modo a centralizar a gestão judiciária de feitos.
Atualmente, agrega em si ferramentas que ultrapassam essas finalidades, sendo dotado de gerador e gerenciador de documentos e modelos de documentos, incorporando uma série de funcionalidades não observadas em geral em aplicativos de edição de texto, além de ter, gradativamente, incorporado ferramentas de automação (gerenciáveis pelos próprios usuários) e inteligência artificial.
As atualizações do sistema são absolutamente colaborativas, obtidas a partir da interação entre os usuários e os desenvolvedores, por meio de fóruns criados com tal fim, com decisões homologadas por um conjunto de aceitabilidade entre os envolvidos e viabilidade de implementação.
Inegavelmente, é possível visualizar na arquitetura do sistema uma tendência de incorporar ferramentas novas que se adaptem ao conceito de fluxos de trabalho, objeto deste artigo, e os próximos tópicos tratarão dos fluxos observáveis e das ferramentas associadas.
3.2.1 O eproc e os fluxos de trabalho
A flexibilidade inerente ao uso das ferramentas do eproc possibilita que cada unidade jurisdicional faça uso das ferramentas disponibilizadas de acordo com o seu interesse e com a adequação ao seu método de gestão de processos.
Contudo, de modo a ajustar à sua realidade, por vezes, por desconhecimento e falta de treinamento, as ferramentas são utilizadas de forma superficial ou equivocada.
Não obstante, o primeiro conhecimento necessário ao gestor das unidades é o de que o eproc direciona a criação e utilização de suas ferramentas à composição de três principais fluxos de trabalho, de modo que as suas utilizações servem como pressuposto para que a evolução das ferramentas existentes e que a criação de novas aplicações tenha a sua utilização muito mais otimizada.
Passa-se, então a delinear as principais características dos fluxos, as ferramentas associadas e a se apresentar sugestões de organização dos fluxos sem a pretensão de firmá-las como as únicas possíveis, mas, ao menos, como já efetivadas e com resultados verificados na prática.[2]
3.2.1.1 Fluxo de produção documental
Os fluxos de produção documental e de modelos e textos padrões são paralelos ao fluxo de tramitação, que atuam sobre elemento próprio dos fluxos, ao lado dos já relacionados (papeis, rotas e regras), principalmente os documentos.
Não é incomum que se use de ferramentas próprias de outros fluxos para o controle da produção documental. Antes do processo eletrônico, essa parecia ser a única forma de mantê-los dentro de um fluxo que, com os instrumentos disponíveis, tinha muito menos possibilidades e, invariavelmente, era unificado, sem a possibilidade de seguimento paralelo e concomitante, como agora permite o processo eletrônico.
Tal autonomia entre os fluxos é de suma importância para a eliminação de “tempo morto” no processo, como Krammes (2010) ensina:
É bom voltar a lembrar que nos casos dos documentos de competência do juiz é muito comum a sua produção pelo escrivão e seus auxiliares. Por esse motivo, a automatização de atos deve levar em conta também atividades que controlem o estado do documento dentro do fluxo. (p. 89)
No eproc, a elaboração de minutas de documentos ocorre em um editor de texto que também é um relevante meio de gestão documental, com ferramentas como a possibilidade de utilização de "tags", marcações e lembretes.
Essa aplicação se vale da interface de aplicativos editores de texto e adiciona funções próprias dos documentos jurídicos, com as adaptações a atualizações rotineiras advindas das discussões travadas nos fóruns de usuários da Justiça Federal da 4ª Região.
As "tags", que são referências predeterminadas referentes a dados próprios da autuação ou da tramitação do feito, ou mesmo a trechos de documentos pré-elaborados (os "textos padrões", sobre os quais se discorrerá na descrição do próximo fluxo), são utilizados na produção dos textos, enquanto as marcações e os lembretes funcionam como instrumentos de comunicação entre os agentes que elaboram as minutas e os seus respectivos signatários.
Para além disso, a ferramenta mais importante deste fluxo é o painel de pesquisa e gestão de minutas denominado “Área de Trabalho”.
Este painel apresenta uma grande quantidade de filtros (e os que não estão inseridos podem ser substituídos por classificações criadas pela própria unidade), que possibilitam encontrar minutas no universo daquelas já produzidas.
Além disso – e aí reside a grande ferramenta do fluxo –, possibilita a definição de preferências de consultas de minutas que podem passar a constar da tela inicial dos usuários – com denominação livre, que, sugere-se, seja padronizada na unidade –, que passam a ser incorporadas ao que se pode chamar informalmente de “mesa de trabalho” de cada servidor e magistrado.
Essa definição consiste na reunião de rotinas pré-configuradas de todos os fluxos na página inicial do usuário, de modo a permitir uma visualização melhor, mais condensada e racionalizada de todo o trabalho atribuído a cada um, assim como, dentro do fluxo que ora se analisa, a identificação daquelas minutas em fase de produção que merecem maior atenção.
Os relatórios de minuta disponibilizado na página inicial dos servidores e magistrados já contêm, por padrão, as preferências de minutas a assinar, bloqueadas e devolvidas, o que já é muito importante no fluxo de produção documental.
Entretanto, para além desses filtros, a unidade pode – e deve – produzir tantos outros filtros quanto necessários para a imediata verificação de minutas em situação para a qual se demanda alguma atuação.
Como exemplo, o diretor de secretaria pode ter em sua tela inicial: filtros que demonstram documentos assinados, mas não anexados ao processo; minutas pendentes de assinatura; minutas pendentes de conferência; entre outros que permitem o controle de todas as minutas em produção na unidade e todas aquelas que demandam atenção especial.
Com a utilização dessas alternativas, é possível que tanto os usuários, individualmente considerados, acompanhem em tempo real a movimentação nas minutas de sua responsabilidade quanto os magistrados possam identificar aquelas minutas mais urgentes ou destacadas e o gestor possa, também, ter um painel de acompanhamento de toda a unidade para estabelecer pontos residuais de controle para além daqueles que estejam regularmente no fluxo preestabelecido.
3.2.1.2 Fluxo de modelos e textos padrões
Entre os fluxos descritos, o fluxo de montagem de modelos e textos-padrão é o mais complexo e, por isso, trabalhoso de ser elaborado. De outro lado, é o que apresenta os resultados mais efetivos na gestão, na padronização e na segurança dos textos produzidos pela unidade.
Toda complexidade e dificuldade são diretamente proporcionais com a importância e os benefícios decorrentes do estabelecimento do fluxo que, quanto mais robusto e suficiente para abranger a maior parte das situações vivenciadas na unidade, mais substancialmente implica ganhos em escalas exponenciais.
Krammes (2010) sintetiza o processo de formulação de modelos:
Para cada categoria de documento originado dentro da instituição é possível a criação de modelos básicos. São eles que servem de base para os documentos gerados para os processos. A utilização de modelos pode parecer uma espécie de engessamento das atividades jurisdicionais para alguns, mas é inegável sua importância para superação do trabalho diário dos operadores do direito. Magistrados e demais auxiliares da justiça utilizam os modelos como uma forma facilitada de enquadramento do caso concreto em situações genéricas, habitualmente reproduzidas na rotina de órgão jurisdicional. (p. 90-91)
Os objetivos buscados com este fluxo são variados.
Inicialmente procura-se alcançar a segurança na produção de documentos, dado que a centralização da elaboração em modelos pré-configurados e desvinculados de qualquer feito em tramitação possibilita que atualizações de entendimento, linguísticas ou de qualquer outra ordem encontrem sempre nos modelos (unificados para cada hipótese) o repositório ideal para a sua localização, em que todos os colaboradores encontrarão a resposta, sem precisar lidar com pesquisas mais aprofundadas para tanto.
A padronização dos entendimentos, mas também da linguística e da estilística dos documentos, também é um objetivo a ser alcançado com a formulação em escala próxima ao ideal, como bem aponta Pegoraro Júnior (2019):
A superação dos problemas linguísticos, de ordem técnica, é que definitivamente tratará de inserir os sistemas inteligentes no protagonismo das decisões jurídicas, pois a elaboração de uma linguagem jurídica precisa, unívoca e coerente constitui pressuposto para a informatização jurídica, de modo que o estudo das estruturas e relações semânticas da linguagem se mostra um requisito obrigatório para a construção de uma base de dados operativa. (p. 182)
Os fluxos de modelos e textos padrões atuam diretamente sobre a denominada “gestão do conhecimento”, conceituada por Krammers (2010, p. 59) como “(...) um processo baseado na criação, na codificação, no compartilhamento e na aquisição de conhecimentos”, que tem como objetivo “(...) principalmente dar às organizações formas de controle e captação dos conhecimentos envolvidos na produção de um bem ou serviço”.
No eproc, os modelos e os textos-padrão são bases a partir das quais se inicia a elaboração de documentos, o que também pode ser realizado a partir de um documento base.
O documento base, diferentemente dos anteriores, é uma base advinda de um documento já produzido e vinculado a um processo judicial específico, o que o torna imutável na origem e pode fazer com que equívocos se repliquem.
Os modelos são relacionados especificamente a tipos de documento e, por essa razão, não há a necessidade de classificação de tipo de documento para eles. Contudo, é importante usar a descrição para incluir o máximo de informações, ainda que já expostas no item de classificação, para que aqueles modelos que não são associados a preferências sejam identificados na caixa de pesquisa dinâmica de seleção de modelos, quando da elaboração de minuta.
Os textos-padrão são trechos de documentos que, quando combinados aos modelos, tornam estes verdadeiros roteiros a serem utilizados para o caso concreto e, quando assim se faz, com agrupamentos de textos-padrão dando várias opções a serem consideradas na formatação do texto final, ganham a alcunha, já consagrada na prática da Justiça Federal, de modelos “Lego” ou “Matrix”.
Na montagem de modelos, que são documentos mais amplos, o fluxo de produção obedece, inicialmente, à identificação dos documentos de maior utilização, tendo a vantagem de serem usados mesmo durante a sua elaboração.
Depois de montados, o fluxo de novos entendimentos ou situações diversas obedece à seguinte sequência:
1) identificação, pelo usuário, de situação que merece readequação;
2) comunicação ao responsável pela manutenção dos textos-padrão e modelos para que proceda às alterações;
3) comunicação aos demais usuários de que o procedimento de manutenção está em curso;
4) conclusão do processo, com a disponibilização do documento para homologação dos magistrados;
5) retorno à linha de elaboração.
Utiliza-se das classificações do sistema para que seja possível identificar a existência ou não de modelos para determinada situação, assim como para a localização dos documentos para a sua manutenção.
De toda forma, o maior rigor deve se dar na classificação (tanto para modelos quanto para textos-padrão), o que facilitará a indexação e as pesquisas futuras, deixando a sinalização de itens mais específicos da minuta para a sua descrição.
Para os usuários, utiliza-se, além disso, das preferências de minuta – que são “macros” disponíveis em vários dos módulos do processo eletrônico, como relatório geral, área de trabalho, tela de movimentação processual (individual e em bloco) e tela de criação de minutas –, para que estejam sempre disponíveis aos usuários de forma intuitiva.
As preferências de minuta e de movimentação individual podem se converter em ações preferenciais, que são botões de ação presentes no campo próprio no processo. Elas podem ser individuais (que podem ser importados de um usuário para outro) ou de unidade (quando uma preferência criada fica disponível para todos os usuários da unidade).
Para a compreensão dos usuários das diversas referências feitas no texto dos modelos (já que a ideia é que eles reproduzam roteiro a ser seguido para cada ocasião, com a disponibilidade de inúmeras alternativas de texto), aconselha-se o uso de padrões, como o de cores para indicar que tipo de ação indica o trecho do texto.
Cita-se, como exemplo, o padrão utilizado pela 1ª Vara Federal de Capão da Canoa:
– texto em PRETO: texto fixo que somente poderá ser alterado pelo responsável pelo texto/modelo padrão. As modificações que forem realizadas no documento assinado devem ser incorporadas ao modelo pelo responsável;
– texto em VERMELHO: texto que deve obrigatoriamente ser analisado, confirmado ou alterado, conforme o caso concreto analisado;
– texto em VERDE: cor que indica trechos em que deverá haver uma opção entre as alternativas apresentadas;
– texto em AZUL: cor que indica a necessidade de verificação da aplicabilidade – ou não – do trecho ao caso concreto;
– textos com FUNDO COLORIDO: textos com fundo colorido indicam sigla de “tags” de textos-padrão, enquanto textos com fundo branco não indicam texto-padrão associado.
Há uma exceção, entretanto: textos com fundo amarelo indicam descrição ou orientação sem autotexto associado e sempre devem ser apagados ao final da elaboração do documento.
Para além desses padrões, podem ser criados tantos outros quantos forem necessários, com a imprescindível informação prévia de todos os usuários, de modo que compreendam a dinâmica de organização, o que deve ser sempre documentado, como se ressaltou acima.
3.2.1.3 Fluxo de tramitação processual
O fluxo de tramitação processual é o mais presente no dia a dia da unidade, dado que se propõe a representar a marcha processual, e não apenas os pontos em que há a necessidade de produção documental, como ocorre com os demais.
Há uma outra característica importante desse fluxo, que é a necessidade de considerar que uma das etapas para a sua elaboração (a definição do fluxo prévio à definição da utilização de ferramentas) já é delineada no texto legal dos procedimentos.
No âmbito do eproc, além dos “eventos”, que são as fases processuais registradas uma a uma na “linha do tempo” do processo, o outro conceito com o qual se trabalha muito efetivamente no controle dos fluxos é o de “localizadores”.
Os “localizadores” são identificadores de localização dos processos, que tiveram sua origem nos feitos físicos, em virtude da necessidade de organização e identificação dos locais de sua manutenção e tramitação.
Não obstante, em virtude de praticamente toda a organização de trabalho do Judiciário ter sido feita em torno desse instrumento, ele foi transportado para a lógica dos processos eletrônicos.
Não se desestimula essa prática em um período de transição, mas se entende que ela deve ser abolida gradativamente até o momento em que, num plano ideal, for possível tornar todas as rotinas de processamento e organização de trabalho de forma automatizada, já que a automação é um dos principais ganhos do sistema de processamento eletrônico.
Krammes (2010) dá o nome de “filas de trabalho” ao que pode ser identificado, em certa monta, no eproc, aos localizadores:
As chamadas filas de trabalho são o correspondente em meio digital desses armários. São, basicamente, pastas definidas no sistema, que possuem nomes específicos e que armazenam os processos de acordo com a fase em que se encontram. (p. 92)
Seguindo a tendência acima relatada, há um instrumento importantíssimo de gestão do fluxo de tramitação processual, consistente na automatização de localizadores, passo inicial para a total automatização de fluxos.
Na automatização de localizadores, que não é preestabelecida (mas sujeita à criação e à definição pelo gestor da unidade), trabalha-se com a ideia de “gatilhos” dentro do fluxo que, a partir de regras predefinidas, incidem sobre um universo específico e também predeterminado de processos. Com isso, a etapa subsequente do fluxo é determinada, o que atualmente se concretiza no eproc meramente por alteração de localizador, já que ainda não se disponibiliza a automação de eventos.
Assim, torna-se mais importante a padronização e a definição de critérios funcionais para os localizadores, para que a sua existência e anotação no processo seja de compreensão intuitiva.
Dessa forma, é intuitivo imaginar que os localizadores, por toda a importância central que ainda ocupam na organização dos fluxos no eproc, devem receber nomenclatura padronizada e funcional, de modo a que a simples verificação da capa do processo esteja a indicar o colaborador responsável por sua tramitação, a fase em que se encontra e (em havendo) qual a tarefa a ser executada.
Para isso, depois de desenhado o fluxo de tramitação (que deverá ser apenas um, dado não ser possível manter fluxos paralelos para diferentes ritos), deve-se representar cada ponto ou “nó de desvio” por um localizador específico que, de um lado, possibilite identificar todos os pontos acima indicados, e de outro lado viabilize a automatização em maior grau.
Para tanto, é importante verificar inicialmente os padrões (no eproc¸ por exemplo, os localizadores preexistentes, criados pelo próprio sistema e não editáveis pela unidade, são nominados em caracteres em “caixa alta”), para que a partir deles se verifique a possibilidade de criar outros necessários para os fins pretendidos.
Como exemplo, é possível identificar o padrão utilizado pela 1ª Vara Federal de Capão da Canoa, extraído, parcialmente, do que se utilizava na 1ª Vara Federal de Canoas-RS e já era replicado em outras unidades (como a 1ª Vara Federal de Gravataí-RS), que parte de pressupostos que se apresentam a título de ilustração de como se pode dotar as nomenclaturas de critérios funcionais.
Adotam-se símbolos precedendo palavras para indicar o objeto do localizador, que se resumem aos seguintes:
+ – localizadores de atribuição;
! – localizadores de controle;
@ – localizadores de espera;
CAIXA ALTA – localizadores de sistema, denominados de “localizadores de pendência”;
> – localizador de matéria;
# – localizadores de tarefa.
Os que são antecedidos do sinal “+” (ex.: +NPREV-XXX) são os localizadores de atribuição, que indicam qual colaborador é responsável por sua movimentação.
Os localizadores antecedidos por “!” (ex.: !+30dias) são localizadores de controle. Esses localizadores servem para indicar alguma situação especial que, geralmente, deve ser observada no processo, seja para dar preferência (parado há tantos dias, ou incluído em Meta, ou com baixa em diligências, por exemplo), seja para chamar a atenção de algo (como os que ainda aguardam prazo de recurso, mas já há um recurso interposto por uma das partes).
Os localizadores antecedidos por @ (ex.: @Assinatura) são os localizadores de espera. Servem para reunir o universo de processos sobre os quais a regra vai incidir e geralmente são esses que recebem a automação para que a triagem seja feita pelo próprio sistema e poupe esse serviço. A lógica daqui é simples: o @ significa “aguarda” e a nomenclatura é acompanhada do que se aguarda. Ex.: @Assinatura = Aguarda Assinatura.
Os localizadores em CAIXA ALTA (Ex.: PETIÇÃO) são localizadores de sistema, criados pela própria equipe do eproc para indicar que há alguma pendência no processo, residual, sobre a qual ainda não incide uma regra de automação. Esses são os primeiros tipos de localizador a partir dos quais se identifica se há algo a ser feito. A ideia é que se tenham regras de automação suficientes para que nenhum processo fique parado nesses localizadores. Mas, enquanto todas essas regras não são elaboradas, os processos que estão neles ainda precisam ser triados e movimentados.
Os localizadores antecedidos por > (ex.: >Inicial) são localizadores de matéria. A função é unicamente a de identificar a matéria a ser objeto de minuta. São processos conclusos para despacho ou sentença.
Os localizadores antecedidos por “#” (ex.: #CumprirDiligências) são os localizadores de tarefa. Neles se centram os maiores esforços. A ideia é que, no mais alto grau possível, todas as tarefas a serem realizadas estejam representadas neles. Boa parte deles já são destinatários de regras de automação e, depois que toda a rotina é executada, o processo vai automaticamente para eles. Os localizadores de tarefa (#) sempre serão compostos por um verbo no infinitivo (indicando a ação a ser executada) e, na maior parte das vezes, um objeto (o objeto da ação a ser executada).
Nos localizadores de tarefa, quando não houver tarefa específica para a qual deva ser agendado o evento, o localizador genérico que cumpre essa função é o #CumprirDiligências.
Essa é, portanto, uma forma esquemática já colocada em funcionamento, que cumpre muito bem os fundamentos da organização de um fluxo de tramitação. Porém, em razão de toda a flexibilidade de uso que o eproc oferece, não é a única possibilidade, sendo observáveis diversas outras iniciativas em unidades da Quarta Região que, seguindo as premissas aqui estabelecidas, cumprem os mesmos objetivos.
A adoção de um padrão com essas características possibilita a utilização de outra ferramenta disponibilizada que, já mencionada acima, permite a criação de relatórios que agregam de forma visivelmente mais adequada os processos em que pendem ações de cada um dos colaboradores.
Vale-se, assim, das preferências de relatórios, utilizando-se do conceito de mesa de trabalho, com a configuração de todos os perfis principais dos servidores para que passem a constar as combinações de situações e localizadores que reúnam todas as pendências e tarefas de cada um deles, a fim de gerar um efeito de finitude do trabalho, além de organizar prioridades e preferências de cada um.
Assim, com a reunião de todas as ferramentas adequadamente utilizadas para cada fluxo de trabalho a que correspondem, a otimização do trabalho individual e coletivo alcança graus eficientes e produzem um efeito cascata na facilitação, na racionalização e na agilização da produção.
É importante ressaltar que esse cenário diz respeito ao atual estado da arte do eproc, devendo ser incorporada a noção de que esse sistema é dinâmico, com atualizações em periodicidade bastante curta e a necessidade de verificar as funcionalidades que vão se incorporando, para ajustar a rota dos fluxos ou, se for o caso, incorporar mais fluxos à organização (o que se trata de uma tarefa contínua dos gestores).
Garante-se, entretanto, que, ao seguir a organização aqui apontada, há uma facilidade mais evidente em incorporar as futuras evoluções do sistema, dado que, ao menos até o momento, o sistema se desenvolveu a partir da lógica desses fluxos.
3.3 Perspectivas
Ao se indicar a automatização de localizadores como um primeiro passo em direção à total automação das rotinas processuais, está-se, de pronto, traçando as perspectivas que se entreveem do caminho percorrido pela evolução do sistema até aqui.
De fato, é na automação das rotinas que residem os próximos passos a serem utilizados no sistema, de modo a tornar possível abandonar a lógica dos localizadores (própria de processos físicos), para se passar a adotar posições processuais mais bem definidas, não sujeitas à atuação do usuário (e, com isso, menos sujeita a erros), possibilitando que eventos processuais sejam, dentro dos fluxos previamente desenhados, praticados de forma automática.
Nesse sentido, inaugurou-se recentemente o projeto “Tramitação Ágil” do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que passa a, inicialmente em unidades selecionadas como “piloto”, estabelecer a utilização de metadados com a finalidade de automatizar não apenas a troca de localizadores, mas de outras ações no processo, sem depender da intervenção do usuário.
Assim resume Alexandre Kenzi Antonini, assessor de Projetos e Inovação do TRF4:
O “Tramitação Ágil” representa um novo degrau na evolução do processo eletrônico. Nós tivemos uma mudança significativa quando saímos do papel e colocamos os textos dentro do computador. Agora nós vamos buscar os dados relevantes dos textos do processo, que chamamos de metadados, e trabalhar com o compartilhamento desses dados para automatizar tarefas e impulsionar o trâmite a fim de se chegar a uma resposta mais rápida às demandas judiciais.[3]
Essa evolução vai no sentido do que já se antevia ao início de todo o processo e da organização do processo eletrônico por fluxos, como indicava Krammes (2010):
Utilizando o conjunto de dados gerados para cada processo, o sistema identifica a fase processual de cada registro e sugere ao funcionário o próximo ato a ser realizado no andamento do feito. A proposta visa principalmente livrar o magistrado das decisões de mero impulso processual, imprimindo, assim, mais agilidade aos procedimentos judiciais. (p. 55)
O “Tramitação Ágil” é um projeto que indica grande alteração na potencialização do uso de automações no processo, mas não é a única medida que vem sendo testada e, em certa forma, até adotada no sistema eproc.
Além de tarefas criadas com a finalidade de especializar determinadas rotinas que, por se darem em regime de intensa repetição, são elegíveis para atuação de colaboradores treinados, é cada vez maior a utilização de medidas de utilização de inteligência artificial (IA).
Nesse sentido, por exemplo, destaca-se o projeto de reestruturação de competências (e a equalização da carga de trabalho) das unidades judiciárias de primeira instância da Justiça Federal na 4ª Região, com o uso da IA para distribuir os processos de forma equitativa entre as unidades com competência territorial sobre a matéria (CARDOSO, 2021, p. 131-143).
Considerações finais
As ferramentas disponibilizadas sempre serão subutilizadas quando tomadas fora de seu ambiente de funcionamento.
Com base nessa premissa, depois de apresentar um contexto histórico e sistêmico da utilização dos sistemas de processamento eletrônico como centros de apoio ao gerenciamento de unidades jurisdicionais, procurou-se descer do mais amplo ao mais específico, próprio da realidade vivenciada por todos aqueles que laboram com a Justiça Federal da 4ª Região (e também por aqueles que tiveram a oportunidade de lidar com o sistema, por convênio de seus órgãos com o Tribunal Regional Federal da 4ª Região), para analisar as aplicações disponibilizadas pelo sistema de processamento eletrônico de feitos da Justiça Federal da 4ª Região, denominado eproc.
Dentro desse contexto, propôs-se a utilização da concepção de fluxos de trabalho (workflows) para o uso adequado e correto de todo o ferramental disponível, porque assim parece desenhado o sistema e sobre essa premissa sobrevêm todas as suas evoluções.
Assim, apresentaram-se os fluxos de produção documental, de produção de modelos e textos-padrão, e de tramitação processual, com seus conceitos fundamentais, ferramentas que lhes são próprias e, na medida do possível, sugestão de estruturação que leva em conta a flexibilidade de que é dotado o sistema, de modo a permitir adaptações pontuais.
Indicaram-se também algumas perspectivas de evolução do sistema, a partir do que vem se vivenciando no dia a dia da atividade judiciária, com ênfase para a ampliação das automações e para o uso contínuo da inteligência artificial.
Com o objetivo de estabelecer conceitos muito próprios da atividade judiciária gerenciada por esse sistema de processamento, procurou-se também indicar aos usuários a necessidade de que, a partir de algumas premissas que se apresentam irrenunciáveis, se produza – e documente – uma organização que se valha das facilidades decorrentes do uso otimizado das funcionalidades para aprimorar a atividade cartorária e judiciária, sempre com a consciência de que a automação de ritos não vem com a finalidade de substituir a atividade humana, mas sim liberar a aptidão dos colaboradores de centrarem as suas atividades em tarefas mais complexas e com nuances que a informatização ainda não alcançou.
Referências
CARDOSO, Oscar Valente. A definição da competência processual por algoritmo. Revista da Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região, Porto Alegre, n. 18, p. 131-143, jul. 2021.
FREIRE, Alexandre Costa de Luna. Administração Judiciária. Revista da Escola da Magistratura Federal da 5ª Região, Recife, n. 8, p. 53-66, 2004.
KRAMMES, Alexandre Golin. Workflow em processos judiciais eletrônicos. São Paulo: LTr, 2010.
PEGORARO JUNIOR, Paulo Roberto. Processo eletrônico e a evolução disruptiva do Direito Processual Civil. Curitiba: Juruá, 2019.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à Sociologia da Administração da Justiça. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 21, 1986. p. 11-44.
SPEGIORIN, Daniel Luis. O acesso à justiça e a administração judiciária. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 59, abr. 2014. Disponível em: https://revistadoutrina.trf4.jus.br/. Acesso em: 22 fev. 2023.
Notas
[1] Assim afirma Alexandre Costa de Luna Freire (2004, p. 58): “Referi-me, no início, aos vocábulos judicial e judiciário para, em linhas singelas, e no propósito dessas averiguações postas para reflexão, diferenciando-os de forma limitada. Por ‘judicial’ considero apenas serviços inerentes à natureza intrínseca do processo, como ato de jurisdição decorrente da função e da natureza da atividade do órgão do Poder Judiciário inserido no processo. Enquanto que ‘judiciário’ intento situá-lo no plano da ‘gestão’ do processo, em qualquer nível da jurisdição, seja um, seja o conjunto de ‘ações’ que são apresentadas ao Poder Judiciário”.
[2] Os autores são gestores da 1ª Vara Federal de Capão da Canoa-RS e se valeram de toda a utilização de fluxos nos termos aqui descritos com resultados extremamente satisfatórios, com a redução significativa de prazos e de processos, a conferir nos relatórios estatísticos do eproc e do sistema G4.
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