TRF4 | Direito Penal

TRF4 profere primeiras decisões no âmbito da sua jurisdição sobre a possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal em ações criminais

19/05/2020 - 15h09
Atualizada em 19/05/2020 - 15h09
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O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) proferiu, na última semana, as primeiras decisões judiciais no âmbito da corte que envolvem a proposição de Acordos de Não Persecução Penal (ANPP) entre o Ministério Público Federal (MPF) e a defesa de réus em processos criminais. As decisões foram da 8ª Turma do tribunal em dois recursos analisados na sessão de julgamento virtual do colegiado encerrada no dia 13/5.

Seguindo a perspectiva de ampliação do espaço de consenso ou de justiça negociada no processo penal, o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é um instituto jurídico recente que foi inserido no artigo 28-A do Código de Processo Penal (CPP) pela Lei Federal N° 13.964/2019.

A nova legislação prevê que não sendo caso de arquivamento de investigação criminal e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, o Ministério Público poderá propor o ANPP, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

ANPP em ação penal já iniciada

No primeiro caso, o MPF ofereceu denúncia, em agosto de 2017, contra um homem de 37 anos, residente de Viamão (RS), pela prática do crime de adquirir, guardar e introduzir em circulação moeda falsa, previsto no artigo 289, parágrafo 1º, do Código Penal.

De acordo com o MPF, em novembro de 2015, o acusado utilizou oito cédulas falsas, sendo sete delas de R$ 50,00 e uma de R$ 100,00, para comprar um aparelho celular. Segundo a acusação, logo após a transação, a vítima percebeu que as notas recebidas não eram verdadeiras e as entregou à Polícia.

A denúncia foi aceita pelo juízo da 11ª Vara Federal de Porto Alegre, tornando o acusado réu em ação penal. Após ter ocorrido o seu trâmite, o processo ficou concluso para a sentença em novembro de 2019.

No entanto, em fevereiro deste ano, o juízo de primeira instância determinou a suspensão do curso do processo para que o MPF e a defesa do réu negociassem a possibilidade de fechar um ANPP.

O órgão ministerial recorreu dessa decisão ajuizando um recurso de correição parcial ao TRF4.

O MPF alegou que o ANPP tem aplicabilidade apenas nas situações em que não houve propositura da ação penal. Ainda defendeu que o instituto foi concebido para a fase pré-processual, sendo que nesse caso, a instrução processual já foi encerrada no ano passado.

Para o Ministério Público, ao aplicar o ANPP em uma ação penal já iniciada, o magistrado de primeiro grau estabeleceu um procedimento não previsto em lei e causou tumulto processual.

A 8ª Turma, por unanimidade, negou provimento à correição parcial e manteve a decisão da Justiça Federal gaúcha.

Sobre o acordo, o relator do caso na corte, desembargador federal João Pedro Gebran Neto, considerou que “não é nova a busca pela efetivação do princípio do direito penal mínimo, reservando o processo penal tradicional para os casos graves. Assim como o fez o Código de Processo Civil em vigor, parece que está chegando o tempo em que o processo penal longo e infrutífero, para questões mais singelas, está também cedendo espaço à composição”.

O magistrado ressaltou que “apesar de a natureza processual ser a mais notada, não se desapega da norma o seu conteúdo material. A não persecução, por certo, é mais benéfica que uma possível condenação criminal, mesmo quando as penas são substituídas. Dessa maneira, deve ter sua aplicação ampliada sob o prisma do artigo 5º, XL, da Constituição Federal, e deve incidir igualmente aos processos em curso, cabendo ao Estado propiciar ao réu a oportunidade de ter sua punibilidade extinta pelo cumprimento dos termos convencionados”.

Ao concluir sua manifestação, Gebran Neto destacou que “não há inversão tumultuária na decisão do magistrado que, no curso do processo, intima o órgão ministerial para que se manifeste expressamente a respeito da possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal. Nessa perspectiva, deve ser improvido o recurso para manter a decisão do juízo de primeiro grau que determinou a abertura de fase para verificar a possibilidade de acordo”.

ANPP em fase recursal do processo penal

Já no segundo caso, o MPF denunciou, em fevereiro de 2018, um homem de 33 anos de Foz do Iguaçu (PR) pela prática de contrabando de cigarros e por utilizar equipamento de telecomunicações instalado de forma ilegal em automóvel.

De acordo com a denúncia, em uma fiscalização de rotina em dezembro de 2017 realizada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) na cidade de São Luiz do Purunã (PR), os agentes encontraram diversas caixas de cigarros estrangeiros contrabandeados no banco traseiro e no porta-malas do veículo conduzido pelo acusado.

O carro foi apreendido e vistoriado, sendo encontrado também um transceptor instalado no automóvel de forma dissimulada, sem certificação da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).

O juízo da 14ª Vara Federal de Curitiba recebeu a denúncia e, em outubro do ano passado, o réu foi condenado a uma pena privativa de liberdade de três anos e seis meses de reclusão, em regime inicial aberto, que foi substituída por duas penas restritivas de direitos, nas modalidades de prestação pecuniária e de prestação de serviços à comunidade.

A defesa dele recorreu da sentença, interpondo apelação junto ao TRF4.

No recurso, o advogado requereu a anulação da sentença porque não teria ocorrido no processo o oferecimento ao réu, por parte do MPF, do ANPP, conforme determina a Resolução nº 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público.

A 8ª Turma, por maioria, negou a anulação, mas decidiu suspender o processo e a prescrição da pretensão punitiva, ordenando que a ação seja remetida ao juízo de origem para verificação de eventual possibilidade de oferecimento do ANPP.

Para o relator do caso, desembargador Gebran Neto, “por não se tratar de norma penal em sentido estrito, a Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público não fixa normas penais, mas, apenas, procedimentos internos, pelo que não se há de falar em nulidade da ação penal em face da sua não observância previamente à propositura da ação penal”.

Ao analisar a possibilidade de acordo nesse processo, o magistrado apontou que “o acordo de não persecução penal consiste em norma penal que tem, também, natureza material ou híbrida mais benéfica, na medida em que ameniza as consequências do delito, sendo aplicável às ações penais em andamento”. Ele também apontou que, por jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível a retroação da lei mais benigna, ainda que o processo se encontre em fase recursal.

Gebran ressaltou que é permitido ao tribunal “examinar a existência dos requisitos objetivos para eventual permissivo à formalização de acordo de não persecução penal, determinando, se for o caso, a suspensão da ação penal e da prescrição e a baixa em diligência ao primeiro grau para verificação da possibilidade do benefício legal”.

Em seu voto, o desembargador afirmou que: “presentes os requisitos objetivos para o ANPP, não vejo óbice à abertura de fase para verificação de proposta de acordo de não persecução penal mesmo após o processo iniciado, ainda que em grau de recurso. Tem-se como solução adequada a suspensão do feito com baixa em diligência ao primeiro grau para as providências cabíveis, com o exame do cabimento e eventual acordo entre as partes”.

N° 5009312-62.2020.4.04.0000/TRF
N° 5005673-56.2018.4.04.7000/TRF

8ª Turma do TRF4 em uma sessão de julgamento realizada em novembro de 2019