Justiça ecológica
Atualizada em 29/03/2022 - 13h10
A preocupação com o meio ambiente é um tema que merece toda a atenção. Tratado como direito fundamental na Constituição, crimes contra a natureza ganham cada vez mais destaque e tramitam em varas especializadas, possibilitando, com isso, um ambiente jurídico mais seguro e decisões mais objetivas. Conversamos com a juíza federal, Silvia Salau Brollo, que está à frente da Vara Federal especializada em temas ambientais aqui no Paraná. A magistrada conta sobre formas alternativas de punição, faz um alerta sobre as questões do meio ambiente e ações do Poder Judiciário sobre o assunto.
Resumidamente, gostaria que contasse um pouco sobre sua trajetória no Direito Ambiental.
Eu me graduei em Direito no século passado (risos) e naquela época poucas faculdades tinham o Direito Ambiental no currículo. Então, meu primeiro contato com o Direito Ambiental foi na prova de sentença penal do Concurso para Ingresso na Magistratura da 4ª Região. Contudo, o contato com as causas ambientais passou a ser mais frequente quando eu trabalhei em Foz do Iguaçu, local de privilegiada natureza. Os processos ambientais em Foz do Iguaçu eram muito complexos e exigiam o conhecimento de assuntos que fogem ao Direito (por exemplo: você sabe o que é o deplecionamento de um reservatório? Ou a diferença entre ictiofauna e herpetofauna?). Foi quando eu resolvi estudar Direito Ambiental a sério e me inscrevi no Mestrado da PUC/PR. Depois de atuar em Foz do Iguaçu, eu trabalhei em Ponta Grossa. Os municípios que compõem a subseção são ricos em araucária (ou floresta ombrófila mista) e estão inseridos no segundo planalto do Paraná, de indiscutível riqueza geológica. É só pensarmos na Escarpa Devoniana, em Vila Velha, em Furnas. Tanto a floresta de araucária quanto o patrimônio geológico merecem o cuidado do Poder Judiciário. Finalmente, em 2013, eu comecei a trabalhar na 11ª Vara Federal de Curitiba, que julga os processos ambientais de Curitiba e de Paranaguá.
Atualmente qual é a competência da 11ª Vara Federal?
A Vara Ambiental foi criada em 2005 com a competência para processar e julgar ações penais de crimes ambientais; execuções fiscais para cobrança dos impostos ambientais, das multas ambientais, do foro, do laudêmio e da taxa de ocupação dos terrenos de marinha, além de todas as ações cíveis que versam sobre algum assunto ambiental. Em 2015, a 23ª Vara de Curitiba foi transformada em Vara Criminal e passou a julgar, de forma exclusiva, os crimes ambientais. Naquele momento, a 11ª Vara Federal deixou de receber novas ações penais de crimes ambientais. Em 2019, houve mais uma mudança na competência da 11ª Vara Federal. A Resolução 43/2019 propôs uma nova especialização e regionalização de competências no Paraná. A partir de então, a Vara Ambiental passou a compor o grupo de equalização cível (os demais grupos são: previdenciário, criminal e execução fiscal).
Entre as demandas que tramitam na Vara Federal, quais assuntos se destacam?
O Direito Ambiental brasileiro é peculiar porque protege o meio ambiente natural (rios, praias, floresta, fauna), os povos tradicionais (indígenas, quilombolas, caiçaras, pescadores artesanais), as cidades e o patrimônio histórico, artístico e cultural. Também se fala em meio ambiente do trabalho e em meio ambiente digital. Então, a Vara Ambiental recebe processos que discutem a poluição, que se preocupam com a biodiversidade, que visam a assegurar um espaço territorial e vida digna para os povos tradicionais, que se preocupam com a integridade do patrimônio histórico e com os recursos minerais. Existem processos ajuizados pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, por organizações não governamentais, até mesmo pelo IBAMA e pelo ICMBio. Há, também, processos ajuizados por pessoas físicas e jurídicas que discutem a legalidade e a razoabilidade das sanções administrativas - por exemplo, multas, apreensões - aplicadas pelos órgãos ambientais.
Acredito que há uma maior conscientização das pessoas sobre seus direitos e seus deveres para um meio ambiente sadio.
A senhora busca formas alternativas de punição e conciliação entre os envolvidos? Poderia falar um pouco sobre isso?
O art. 98 da Constituição e art. 3º do Código de Processo Civil estimulam a solução consensual de conflitos. Entre as técnicas adotadas para a solução consensual encontram-se a conciliação, a mediação e a justiça restaurativa. Eu considero muito importante a solução consensual dos conflitos, pois estimula os envolvidos a conversarem e a encontrarem soluções que podem ser efetivamente cumpridas. A condução adequada da conciliação, da mediação, dos círculos restaurativos resolve a situação em vez de apenas pôr fim a um processo.
Qual a sua avaliação sobre as questões ambientais ao longo do tempo?
Acredito que há uma maior conscientização das pessoas sobre seus direitos e seus deveres para um meio ambiente sadio. As pessoas discutem o consumo excessivo, a poluição das praias e dos rios, a crise climática, o desmatamento, a crueldade contra os animais, a perda da biodiversidade, os efeitos dos agrotóxicos. Todos sabemos que os excessos beneficiam poucos e prejudicam a todos.
O que acha importante ressaltar para a população sobre as questões ambientais?
Eu gosto muito de uma frase da Greta Thunberg: "ninguém é pequeno demais para fazer a diferença". Essa frase remete à responsabilidade individual: cada e toda ação importa. Outro significado que eu vejo nessa frase é um chamado à responsabilidade intergeracional. Se entendermos o "pequeno" como sinônimo de criança ou adolescente, vamos levá-los em consideração nos nossos processos políticos e decisórios. A Agenda 2030 da ONU é regida pelo princípio "não deixar ninguém para trás". Ou seja, todas as pessoas de todos os grupos sociais importam. E é imprescindível fazermos isso porque, afinal, as crianças e os adolescentes viverão mais tempo do que as pessoas da minha idade as consequências nefastas dos desastres ambientais.
Existe algum projeto/ação realizada pela Justiça Federal (Poder Judiciário?) sobre o tema? Poderia resumir o que vem sendo realizado?
O Conselho Nacional de Justiça é um órgão do Poder Judiciário que tem, entre outras atribuições, o desenvolvimento e a execução de políticas judiciárias, de programas e projetos para a eficiência da Justiça brasileira. Eu gostaria de destacar três ações socioambientais. Primeiro é a Resolução 201/2015, que determinou a criação de núcleos socioambientais e a implantação do Plano de Logística Sustentável. Essa resolução foi substituída, em junho de 2021, pela Resolução 400, que trata da política de sustentabilidade do Poder Judiciário. Essas resoluções trouxeram a preocupação socioambiental para a atividade meio do Poder Judiciário. Todas as compras, contratações, destinações de resíduos têm de ser ambientalmente adequadas e socialmente justas. A segunda ação é sobre a institucionalização da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O CNJ relacionou os 80 milhões de processos judiciais que estão na sua base de dados a cada um dos 17 ODS, facilitando a consulta das pessoas ao cumprimento das metas pelo Poder Judiciário. O terceiro ponto que destaco é a criação do SireneJud, que é um painel interativo construído em cima do mapa do Brasil. Foi organizado a partir de dados abertos de órgãos governamentais, tais como o Cadastro Nacional de Florestas Públicas, o Cadastro Ambiental Rural e as Terras Indígenas. O painel - que está em constante desenvolvimento permite a visualização geográfica e/ou por satélite dos processos judiciais em matéria ambiental, dos alertas de desmatamento na Amazônia, das Unidades de Conservação, dos Projetos de Assentamento Rural, de Usinas Hidrelétricas, entre outros dados.
Sobre a 11ª Vara Federal
Atualmente tramitam na 11ª Vara Federal:
- 175 ações civis públicas em matéria ambiental;
- 153 cumprimentos de sentença em ações coletivas ambientais;
- 45 ações de desapropriações (25 são desapropriação de imóvel rural por interesse social).
A 11ª Vara Federal também julga processos cíveis comuns. Tramitam na vara, por exemplo, 24 ações por improbidade administrativa e 1.332 processos do juizado especial federal cível, além de outros assuntos.
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