União é condenada a indenizar comunidade indígena por demora no processo de demarcação
Atualizada em 05/09/2025 - 19h41
A demora na condução de processo de demarcação, que já dura 15 anos, levou a 9ª Vara Federal de Porto Alegre a condenar a União em danos morais coletivos. Ela deverá pagar R$ 100 mil, que serão utilizados em benefício da comunidade indígena Mbyá-Guarani da Aldeia Passo Grande/Flor do Campo, localizada no município gaúcho de Barra do Ribeiro. A sentença, publicada na quarta-feira (3/9), é do juiz Bruno Brum Ribas.
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação contra a União e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) relatando que a comunidade é composta por aproximadamente 10 famílias (cerca de 40 pessoas), que vivem em delicada situação de sobrevivência em área de cerca de um hectare cedida por particular. Pontuou que o procedimento demarcatório inciou em 2009, mas se encontra paralisado há anos.
O autor solicitou determinar o andamento do processo administrativo com a fixação de prazos. Em caso de não reconhecimento da tradicionalidade, pediu para que a Funai providenciasse a destinação de um imóvel para constituição da Reserva Indígena. Além disso, requereu pagamento de dano moral.
A União defendeu a inexistência de mora abusiva, a impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário no mérito administrativo por ofensa ao princípio da separação dos poderes e a aplicação da cláusula da reserva do possível, dadas as limitações orçamentárias e de pessoal.
Já a Funai ressaltou a complexidade dos procedimentos demarcatórios e as severas dificuldades estruturais que enfrenta, como a carência de servidores. Argumentou que a judicialização de procedimentos demarcatórios impacta seu planejamento, criando "fura-fila" e privilegiando comunidades em detrimento de outras.
Ao analisar o caso, o magistrado pontuou que o “controle jurisdicional de políticas públicas não implica violação à separação dos poderes quando constatada a mora/ineficiência dos gestores administrativos para o cumprimento de obrigações impostas ao Poder Público pela própria Constituição, uma vez que não há discricionariedade para tanto”.
Em relação à demarcação de terras indígenas, ele destacou que é uma importante obrigação constitucional do Estado brasileiro, mas, em função de sua complexidade e exigência de recursos financeiros e humanos, não pode ser cumprida em curto espaço de tempo.
No caso dos autos, o processo administrativa já dura mais de 15 anos, mas, segundo o juiz, as informações prestadas pela Funai revelam um cenário mais complexo, de severas dificuldades estruturais. “Incluem o reduzido efetivo de servidores, o crescente número de reivindicações, a natureza voluntária do vínculo de muitos profissionais dos Grupos Técnicos (o que impede a exigência de dedicação exclusiva ou prioritária), e o forte impacto de um grande número de decisões judiciais que determinam a conclusão de procedimentos já em curso ou a abertura de novos”.
Ribas ainda apontou que a judicialização “impacta diretamente o planejamento da autarquia, podendo gerar inversões na ordem de prioridades e o alargamento do tempo médio de cada procedimento. Além disso, fatores externos, como a cooperação de cartórios nos estudos fundiários e o apoio de forças de segurança pública em situações de ameaça, também influenciam o andamento”. Por isso, ele entendeu que há justificativa plausível, por parte da Funai, pela demora e que não caberia fixação de prazos para finalização do procedimento administrativo em detrimento de outras comunidades eleitas como prioritárias, pois a comunidade Mbyá-Guarani da Aldeia Passo Grande/Flor do Campo ocupa uma área restrita, de cerca de um hectare, e é composta por dez famílias.
Quanto ao pedido de deslocamento da comunidade para outras áreas, para o magistrado, ele depende de decisão dos próprios indígenas em função de seu direito à autodeterminação, não sendo cabível impor que a União e Funai façam essa transferência de forma compulsória através de uma ordem judicial.
Entretanto, o entendimento do juiz foi diferente quanto ao pedido de indenização. “A omissão do Poder Público, ao atuar de modo negligente e permitir que um processo de demarcação se arraste por tanto tempo sem avanços ou perspectiva de conclusão, e sobretudo a manutenção da comunidade em condições precárias, configura um dano moral que atinge os direitos de personalidade da comunidade indígena e a própria preservação de sua cultura, costumes e crenças”.
O magistrado julgou parcialmente procedente a ação condenando somente a União, em função da carência de recuso orçamentário por parte da Funai, a pagar R$ 100 mil, que serão aplicados em benefício da comunidade indígena Mbyá-Guarani da Aldeia Passo Grande/Flor do Campo, em Barra do Ribeiro/RS, com acompanhamento da Fundação e do MPF.
Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Nucom/JFRS (secos@jfrs.jus.br)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5075255-61.2023.4.04.7100/RSnotícias relacionadas
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