JFRS | Direito à saúde

União, Estado do RS e Município são condenados a estruturar e implementar política pública efetiva em Sapiranga

20/10/2025 - 16h21
Atualizada em 20/10/2025 - 16h21
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A 1ª Vara Federal de Novo Hamburgo (RS) condenou a União, o Estado do RS e o Município de Sapiranga (RS) a estruturar e implementar uma política pública efetiva na área da saúde por meio de um plano de ação, que deve ser apresentado em 60 dias. A medida visa regular os pacientes que estão na fila de espera para cirurgias. A sentença, publicada no dia 16/10, é do juiz Nórton Luís Benites.

Autor da ação, o Ministério Público Federal (MPF) narrou que, em agosto de 2023, a fila de espera para procedimentos cirúrgicos no Hospital de Sapiranga atingiu um total de 910 pacientes, abrangendo especialidades como Cirurgia Geral, Cirurgia Vascular, Ginecologia, Traumatologia e Urologia. O custo estimado para zerar essa fila seria da ordem de R$ 3.253.600,00.

A União defendeu sua ilegitimidade passiva, pois a gestão e a execução dos serviços de saúde são de responsabilidade primária dos Estados e Municípios, cabendo a ela o papel de financiadora e coordenadora geral do Sistema Único de Saúde (SUS). O ente municipal não apresentou contestação.

Já o Estado do RS sustentou a regularidade dos repasses financeiros de sua competência para o Fundo Municipal de Saúde de Sapiranga, afirmando cumprir com suas obrigações no cofinanciamento do SUS. Destacou que a gestão da lista de espera local é de atribuição da Secretaria Municipal de Saúde.

O processo foi encaminhado para o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Justiça Federal em Novo Hamburgo, que realizou seis sessões de conciliação. Entretanto, não se teve êxito na construção de uma solução consensual do conflito.

Julgamento

O juiz Nórton Luís Benites pontuou que a “competência comum, prevista na Constituição, para cuidar da saúde atribuída à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios gera responsabilidade solidária para a implementação de políticas públicas gerais; e gera responsabilidade subsidiária para que cada ente cumpra o seu dever administrativo de assistência previsto na normatização do SUS”. Ele destacou que a controvérsia central do processo reside em definir se a demora excessiva na realização de procedimentos cirúrgicos configura omissão ilegal do Poder Público.

Segundo o magistrado, o autor apresentou documentos demonstrando a existência de uma longa fila de espera para a realização de cirurgias no Município de Sapiranga. “Em outubro/2023, 1.112 pacientes aguardavam por procedimentos cirúrgicos via SUS. Em setembro/2024, mais de 900 pacientes. Em abril/2025, 1.004 pacientes, dos quais grande parte já contava com mais de três anos na fila de espera”.

Para Benites, estes dados apontam que as medidas administrativas adotadas até agora foram insuficientes para resolver o problema. “A intervenção do Poder Judiciário, no caso concreto, não representaria uma violação ao princípio da separação dos poderes, mas sim uma medida necessária para garantir a efetividade de um direito fundamental de segunda geração ou dimensão expressamente previsto na Constituição”.

O juiz entendeu que o caso “transcende a simples constatação da existência de uma longa fila de espera e da violação do direito à saúde em razão de uma suposta ausência de recursos financeiros. As manifestações processuais e as deliberações entabuladas entre partes nas audiências de conciliação demonstram que, durante o curso processual, foram empreendidos esforços financeiros pelos réus para reduzir o tempo de espera da população na fila das cirurgias por meio de programas especiais. Todavia, o valor ofertado pelo Poder Público, embora existente, não se mostrou viável para o prestador do serviço essencial, o HOSPITAL DE SAPIRANGA, o qual afirmou que o aporte proposto não cobriria os custos com os procedimentos cirúrgicos”.

Assim, para o magistrado, há uma falha estrutural de política pública que reclama o agir eficiente da Administração. “Quando se verifica que há a necessidade premente dos cidadãos, que há recursos disponíveis, mas que falta a engrenagem correta que conecte esses dois pontos, a atuação do Poder Judiciário é imperativa para corrigir essa disfunção e assegurar a força normativa da Constituição”.

 

Ele concluiu que a condenação dos entes públicos ao pagamento de uma quantia certa não resolveria o problema, por isso ele determinou que os réus estruturem e implementem uma política pública efetiva, desenhada para a realidade da população e dos prestadores de serviços de saúde do Município de Sapiranga e região, por meio de um plano de ação a ser apresentado no processo no prazo de 60 dias.

Este plano deve incluir, no mínimo, os seguintes parâmetros:

a) Análise de dados: levantamento completo e atualizado do número de pacientes na fila de espera, com a especificação das especialidades cirúrgicas, a data de inclusão e o critério de prioridade de cada paciente;

b) Elemento temporal da obrigação de fazer: devem ser considerados e incluídos os pedidos/indicações de cirurgia registrados até setembro de 2025, mês anterior ao da prolação desta sentença;

c) Plano de ação: deve ser elaborado plano de ação detalhado e factível que contenha metas mensais de cirurgias, cronogramas, e previsão dos recursos orçamentários com as respectivas fontes de custeio;

d) Fixação de prazos na fila de espera: estabelecer, com base em protocolos clínicos e pareceres médicos, o tempo de espera para a realização de cada tipo de cirurgia, considerando os níveis de prioridade (eletiva, prioritária e urgência), observado o prazo máximo de 360 dias entre o cadastro do paciente no sistema de gerenciamento de procedimentos cirúrgicos e a realização do procedimento operatório.

O prazo máximo foi definido pelo magistrado a partir do consolidado na IV Jornada de Direito da Saúde, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça, em que se definiu como excessiva a espera do paciente por tempo superior a 180 dias para cirurgias de usuários do SUS. “O princípio da proporcionalidade recomenda, no caso concreto, que se dobre esse prazo para que seja viável o cumprimento da obrigação pela Administração”.

Benites ainda determinou que, quando se esgotar o prazo máximo de 360 dias sem a realização dos procedimentos pelo SUS, os réus terão que custeá-las na rede privada. Em caso de descumprimento, ficou fixado, por dia de atraso, o pagamento de R$ 1 mil para a União, R$ 500 para o Estado e R$ 250 para o Município. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Nucom/JFRS (secos@jfrs.jus.br)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5021227-22.2023.4.04.7108/RS

Foto colorida da fachada do Hospita
Foto colorida de uma fachada de um hospital, com a entrada principal em destaque. O nome do hospital, "HOSPITAL SAPIRANGA," está escrito em letras brancas grandes em um painel verde escuro à esquerda da entrada. O logotipo é uma forma estilizada em verde claro, que parece representar ondas ou folhas, à esquerda do nome.