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RS ganha a primeira vara federal do país especializada em crimes de 'lavagem' de dinheiro

09/06/2003 - 15h16
Atualizada em 09/06/2003 - 15h16
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A primeira vara federal do Brasil especializada em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (SFN) e de "lavagem" de dinheiro foi instalada hoje (9/6) em Porto Alegre para julgar os delitos desse tipo praticados em todo o Estado. A cerimônia, realizada no Auditório do Foro da Justiça Federal no RS, foi coordenada pelo presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, desembargador federal Nylson Paim de Abreu. Ele observou que a iniciativa deverá coibir a prática criminosa e que a decisão de implementar a medida considerou as dificuldades de processamento desses delitos, devido à peculiaridade e à complexidade da matéria. Em entrevista antes da solenidade, o presidente da corte recordou que a Justiça Federal do Sul tem sido pioneira em iniciativas importantes. "Um exemplo recente é a instalação dos juizados especiais federais (JEFs)", observou. Para Paim de Abreu, a existência da Justiça só se justifica se a sociedade tiver acesso a ela. "A nossa idéia é de que a Justiça sirva ao povo. Para isso, ela tem de ser atuante. É o que estamos fazendo também com a especialização dessas varas", apontou. O magistrado lembrou que a Organização das Nações Unidas (ONU) preconiza que os países se mobilizem e se unam para combater o crime organizado e salientou que é preciso relativizar alguns direitos individuais em favor da coletividade. Crime 'lava' US$ 10 bilhões por ano no Brasil O Conselho da Justiça Federal (CJF) aprovou, em 12 de maio, uma resolução determinando que os cinco TRFs do país implantassem varas desse tipo em 60 dias. O presidente do CJF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Nilson Naves, explicou que a Região Sul é a primeira porque o tribunal da 4ª Região foi o que tomou a iniciativa em primeiro lugar. A especialização ocorrerá também em Curitiba, nesta quinta-feira (12/6), e em Florianópolis, na próxima segunda (16/6). "Quero me congratular com o TRF e com a magistratura de primeiro grau pela iniciativa pioneira", afirmou Naves. Em seu discurso, ele ressaltou que, conforme dados de 1999 da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, estimava-se que empresas de fachada no Brasil "lavavam" cerca de 10 bilhões de dólares por ano mediante contrabando, tráfico de entorpecentes e subfaturamento em operações de exportação. Além dessas atividades clandestinas, o ministro revelou que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já ajuizou processos que envolvem bilhões de reais em impostos devidos. "Esse é o número de que temos conhecimento. Quanto dinheiro está sendo sonegado neste momento sem que sequer desconfiemos da cifra?", perguntou. Para ele, a "lavagem" de dinheiro não encobre apenas o bandido do morro, da periferia das grandes cidades ou membro de organizações criminosas. "Tão protegidos quanto eles estão os agentes públicos que desviam recursos do governo, o sonegador de impostos, enfim, todos aqueles que roubam dos cofres públicos." Lembrou que a "lavagem" alimenta e incentiva o narcotráfico, o contrabando de armas, a prostituição, a "indústria" dos seqüestros, os chamados crimes do colarinho-branco e todos os demais crimes. "A grande preocupação de todos no Brasil, hoje, é com a segurança pública, que é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos nós. O que causa a violência, em grande parte, é o crime organizado." Pacote do governo usa propostas de comissão Para Naves, a instalação das varas especializadas, por si só, já será um fator inibitório a esses delitos. "A instalação desta vara pioneira é o emblema de que o Judiciário está disposto a demonstrar que só a certeza da punição tem eficácia no combate ao crime, não o agravamento das penas, pois a história dá provas de que a violência das ruas não é anulada com a violência da lei", destacou o presidente do STJ. "Mais do que o encarceramento selvagem, surte maior efeito impedir o delinqüente de fazer uso do produto de seus crimes", afirmou. Segundo o magistrado, a criminalidade está globalizada atualmente. "Qualquer um, no computador, pode apertar uma tecla e transferir grande quantidade de dinheiro." O ministro lembrou que o Centro de Estudos Judiciários do CJF realizou a pesquisa "Uma análise crítica da lei dos crimes de 'lavagem de dinheiro'", ouvindo procuradores de justiça, delegados federais e juízes federais. Os resultados do trabalho levam à conclusão de que um percentual insignificante dos delitos dessa natureza chega ao Judiciário. Diante disso, foi criada uma comissão em setembro do ano passado para estudar a aplicação da Lei 9.613/98, que define o crime de "lavagem" de dinheiro. O grupo, presidido pelo ministro do STJ Gilson Dipp, era formado por representantes dos três poderes da República e elaborou uma série de sugestões para as autoridades reprimirem esses delitos. Uma das propostas foi justamente a especialização de varas para julgar esse tipo de crime. Naves apontou que o governo federal está aproveitando muitas das recomendações da comissão para lançar, nesta semana, um pacote de medidas para combater o crime organizado e a "lavagem" de dinheiro. Só há uma condenação com base na lei de 1998 Ex-presidente do TRF 4ª Região, Dipp ressaltou que só há uma condenação no Brasil já com trânsito em julgado (sem que haja nenhum recurso possível) com base na Lei 9.613/98. "E isso porque o réu estava foragido e não pôde apelar", explicou. "É uma lei nova, que até hoje não apresentou a efetividade pretendida", avaliou. Para o ministro, o Brasil começou a ser um local propício para a "lavagem" de dinheiro a partir do fim da alta inflação. "Este pacote do governo federal é um pacote para o futuro. A Justiça Federal se adiantou", disse. Segundo ele, o cadastro único de correntistas é uma idéia antiga que a comissão resgatou e só não foi implementada antes pelo Banco Central por falta de recursos orçamentários, o que caracterizou como "falta de vontade política". Dipp defendeu que é preciso incentivar legislações uniformes sobre o tema em diferentes países, tratados internacionais e acordos bilaterais. Ele observou que a carta rogatória - instrumento para a Justiça ouvir réus e testemunhas em território estrangeiro - tem um trâmite muito demorado, passando pelo Ministério das Relações Exteriores. Exemplificou com o Mercosul, onde só 30% das rogatórias são respondidas e ainda assim demoram dois anos. O ministro disse que um decreto presidencial válido para todas as companhias telefônicas do país poderia determinar a guarda, por três anos, das informações sobre as chamadas efetuadas. "É um prazo razoável, algumas empresas armazenavam os dados só por sete dias", revelou, indicando que isso prejudica a quebra de sigilo telefônico - "fundamental para desbaratar qualquer organização criminosa". O presidente da comissão ressaltou que, com o grupo, "conseguiu-se quebrar aquele clima de conhecimento departamentalizado, começou-se a compartilhar informações". Apontou que a Polícia Federal tinha alguns dados, a Receita Federal tinha outros e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda, outros, não havendo, no país, um trabalho integrado contra os crimes transnacionais e de alta sofisticação. "O narcotráfico, o seqüestro, o contrabando de armas e munições se fazem presentes no dia-a-dia e a 'lavagem' de dinheiro é o seu braço financeiro. Se conseguirmos descapitalizar o crime organizado, poderemos enfraquecê-lo." Naves rebate críticas ao Judiciário Naves, em seu discurso, também rebateu críticas ao Judiciário brasileiro. "Ao contrário do que andam dizendo por aí, a Justiça, se é uma caixa, é uma caixa de ressonância dos anseios da sociedade, aberta, atuante, guardiã e último bastião na defesa dos direitos do povo, pilar do Estado democrático de direito, dêem a ela a cor que quiserem. É ela que, sem recursos orçamentários, constantemente contigenciados pela União, e sem ver aprovada a reforma em trâmite há 11 anos no Congresso, vem dando as respostas exigidas pela sociedade, tornando-se cada vez mais acessível e célere", afirmou. "O Judiciário deixa claro hoje que está ao lado do povo brasileiro." Conforme a Corregedoria-Geral da Justiça Federal na 4ª Região, tramitam no Sul 1.502 processos envolvendo "lavagem" de dinheiro e crimes contra o SFN, conforme os números abaixo. Processos em tramitação envolvendo "lavagem" de dinheiro e crimes contra o SFN: Rio Grande do Sul: 340 Santa Catarina: 359 Paraná: 803 Total: 1.502 Fonte: Corregedoria-Geral da Justiça Federal na 4ª Região