TRF4 |
Íntegra da decisão que obriga INSS a equiparar homossexuais e heterossexuais em todo o Brasil
29/07/2005 - 12h48
Atualizada em 29/07/2005 - 12h48
Atualizada em 29/07/2005 - 12h48
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.71.00.009347-0/RS
RELATOR: Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO: Mariana Gomes de Castilhos
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, GRUPO PELA LIVRE ORIENTACAO SEXUAL - NUANCES e GRUPO GAY DA BAHIA - GGB
ADVOGADO: Eduardo Piza Gomes de Mello
REMETENTE: JUÍZO SUBSTITUTO DA 01a VARA JEF PREVIDENCIÁRIO DE PORTO ALEGRE
RELATÓRIO
O Ministério Público Federal ajuizou a presente Ação Civil Pública contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando compeli-lo a considerar o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial da mesma classe dos heterossexuais (art. 16, I, da Lei 8.213/91), para fins de concessão de benefícios previdenciários, deferindo os de pensão por morte e auxílio-reclusão a eles relacionados, bem como a possibilitar a inscrição dos companheiros e companheiras homossexuais como dependentes, inclusive nos casos de segurado empregado ou trabalhador avulso.
Alegou, em síntese, que a vedação da concessão de benefícios previdenciários a dependentes homossexuais, com base no art. 16, § 3º, da Lei 8.213/91, estaria em desconformidade com a preservação de direitos fundamentais, estes de ordem constitucional, havendo nítida violação aos princípios da igualdade e da isonomia. Afirmou que, por força do disposto no art. 5º da Constituição Federal, toda discriminação por motivos não-essenciais seria inconstitucional, inclusive aquela decorrente da orientação sexual. Citou precedente do STJ no sentido do reconhecimento do direito fundamental de igualdade dos homossexuais e colacionou sentença prolatada em caso análogo, na qual restou reconhecido o direito de admissão de companheiro homossexual como beneficiário de plano de saúde, cujo conteúdo decisório foi confirmado por esta Corte e pelo STJ.
Referiu que, dentre os princípios que regem a Seguridade Social, está o da universalidade da cobertura e atendimento (art. 194, I, da CF/88), além do fato dos benefícios em discussão serem garantidos ao cônjuge, companheiro e dependentes (art. 201 da CF/88), o que só viria a corroborar o direito dos companheiros (as) homossexuais aos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão.
Defendeu que a interpretação pela inexistência dos direitos postulados estaria em desconformidade com o atual estágio da dogmática dos direitos fundamentais, sendo que os princípios de hermenêutica vedariam tal conclusão, eis que uma interpretação do § 3º do art. 226 em conjunto com o princípio da igualdade do art. 5º e da vedação de discriminação por orientação sexual ( art. 4º, IV), todos da Constituição Federal, levaria inexoravelmente à conclusão de que não é vedada a formação de união estável entre homossexuais.
Sustentou que a limitação dos direitos fundamentais somente poderia ser feita em face de justificável interesse público (princípio da proporcionalidade), o que não se configura no caso concreto.
Ao final, argumentou no sentido da legitimidade do Órgão Ministerial para a propositura da ação, bem como se manifestou pela inconstitucionalidade e ineficácia da limitação dos efeitos da coisa julgada aos limites da competência territorial do órgão prolator quando se tratar da tutela jurisdicional de interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, que defende ser o caso dos autos.
Postulou pela antecipação dos efeitos da tutela, em âmbito nacional.
Intimado, em conformidade com o art. 2º da Lei 8.437/92, o INSS argumentou pela impossibilidade da concessão de liminar em âmbito nacional e pela inadequação da via processual eleita - ação civil pública - para declaração de inconstitucionalidade, bem como argüiu a ilegitimidade ativa do Ministério Público para a propositura de ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos, porquanto tal só seria possível quando em discussão direitos do consumidor. Defendeu a ausência de verossimilhança das alegações, eis que, no seu entendimento, o próprio texto constitucional teria feito a distinção entre uniões homossexuais e heterossexuais, sendo que somente a estas estendeu a possibilidade de união estável, com efeitos também na esfera previdenciária.
Em decisão de fls. 193/209, o MM. Juízo a quo deferiu a antecipação dos efeitos da tutela. Desta decisão o INSS interpôs agravo de instrumento (fls. 219/233) e recurso de suspensão de execução de liminar (fls. 234 a 236), tendo sido ambos rejeitados por este Tribunal (fls. 238 a 245 e 278 a 281).
O Ministério Público Federal apresentou embargos de declaração da decisão liminar, o qual foi acolhido para esclarecer pontos relativos a implementação da tutela antecipada (fls. 250/259).
Vieram aos autos petições das Organizações Não-Governamentais "Nuances - Grupo pela Livre Orientação Sexual" (fls. 262/263) e "Grupo Gay da Bahia - GGB", postulando sua admissão no pólo ativo da lide, o que lhes foi deferido.
Citado, o INSS ofereceu contestação, argüindo, em preliminar, a ilegitimidade do MPF para a propositura da ação e a inadequação da via processual eleita. No mérito, reafirmou que a Constituição Federal fez distinções entre uniões homossexuais e heterossexuais, alegando, ainda, que as normas que regem as organizações familiares são de natureza cogente, não podendo ser estendidas a situações não contempladas; que a garantia de pensão por morte deriva do direito de família, só configurável através de relação matrimonial ou união estável entre pessoas de sexos diferentes; que a relação contemplada na inicial poderia até ser considerada como sociedade de fato, mas não como entidade familiar. Ressaltou que a legislação brasileira se funda na moral do povo brasileiro, que estaria ligada a padrões éticos, imutáveis, e que a mudança dos padrões sociais não se faz por decisão judicial, ou pela lei, mas na psique dos cidadãos; que não haveria qualquer violação ao princípio da isonomia, porquanto entende ser inarredável a desigualdade entre um casal formado por homem e mulher e outro formado por dois homens, pois do segundo não são gerados filhos, nem se forma um micro cosmo social, pois as partes tem interesse meramente sexual.
No curso do processo, em duas oportunidades, o MPF veio aos autos para noticiar o descumprimento da liminar em casos concretos de pedido de concessão de benefícios na via administrativa (fls. 363/367), tendo sido determinado o aditamento da liminar concedida a fim de novamente esclarecer a adoção das providências necessárias ao seu atendimento por parte da Autarquia Previdenciária e suas Juntas Recursais.
O MM. Juízo, sentenciando, julgou procedente a pretensão formulada na ação civil pública, confirmando a decisão liminar de abrangência nacional e condenando o INSS a:
a) considerar o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial dos segurados (as) do Regime Geral de Previdência Social (art. 16, I, da Lei 8.213/91);
b) possibilitar a inscrição de companheiro ou companheira homossexual, como dependente, no próprio INSS, a ser feita pelo segurado(a) empregado(a) ou trabalhador(a) avulso(a);
c) possibilitar que a inscrição de companheiro ou companheira seja feita post mortem do segurado(a), diretamente pelo dependente, em conformidade com o art. 23, I, do Decreto 3.048/99;
d) passar a processar e deferir os pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão realizados por companheiros(as) do mesmo sexo, desde que cumpridos pelos requerentes, no que couber, os requisitos exigidos dos companheiros heterossexuais (arts. 74 a 80 da Lei 8.213/91), sem exigir nenhuma prova de dependência econômica;
e) possibilitar a comprovação da união entre companheiros(as) homossexuais pela apresentação dos documentos elencados no art. 22, § 3º, incisos III a XV e XVII do Decreto n.º 3.048/99, bem como por meio de justificação administrativa (art. 142 a 151 do mesmo Decreto), sem exigir qualquer prova de dependência econômica.
Ainda por ocasião da prolação da sentença, o juízo monocrático, em face de nova petição do MPF no sentido do descumprimento da ordem judicial por parte da Autarquia, mais uma vez aditou a medida liminar já concedida para determinar ao INSS:
1. esclarecer se houve publicação da Instrução Normativa n.º 50/2001 na versão apresentada nas fls. 431/432, e em qual data, bem como se a versão definitiva de tal ato normativo deixou de exigir comprovação de dependência econômica, no prazo de 20 dias;
2. apresentar minuta de nova Instrução Normativa, em cumprimento a ordem liminar de fls. 394/403, trazendo expressamente a possibilidade de que a comprovação das relações homossexuais estáveis possa se dar também mediante processo de justificação administrativa, no prazo de 20 dias;
3. arrolar e apresentar cópia de todos os atos normativos emitidos até a prolação da sentença, aí incluídos não apenas as Instruções Normativas, mas também quaisquer outros, como portarias, ordens de serviço, circulares e orientações internas, no prazo de 20 dias.
Por fim, o juízo monocrático determinou que fosse extraída carta de sentença, devendo o INSS comprovar naqueles autos o cumprimento dos provimentos liminares relativos a implementação da ordem judicial no âmbito administrativo.
Inconformado, o INSS interpôs recurso de apelação, repisando integralmente os termos exarados quanto ao pedido de antecipação da tutela e aqueles constantes na peça contestatória. Anexou, ainda, os documentos solicitados pelo provimento liminar retromencionado.
O Ministério Público Federal apresentou contra-razões argüindo a falta de interesse recursal, em vista do reconhecimento, por parte da União Federal, quanto aos direitos relativos aos homossexuais, conforme relatório oficial do governo brasileiro e da Presidência da República apresentado na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Caso seja conhecido o recurso, pugnou pelo seu total desprovimento.
Regularmente processado o recurso, subiram os autos a este Tribunal, inicialmente distribuídos ao eminente Des. Federal Victor Laus, o qual se deu por impedido por ter oferecido, na época, parecer na qualidade de representante do Ministério Público, motivo pelo qual os autos vieram a mim conclusos.
Causa sujeita ao duplo grau de jurisdição. É o relatório.
Peço dia para julgamento.
Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.71.00.009347-0/RS
RELATOR: Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO: Mariana Gomes de Castilhos
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, GRUPO PELA LIVRE ORIENTACAO SEXUAL - NUANCES e GRUPO GAY DA BAHIA - GGB
ADVOGADO: Eduardo Piza Gomes de Mello
REMETENTE: JUÍZO SUBSTITUTO DA 01a VARA JEF PREVIDENCIÁRIO DE PORTO ALEGRE
VOTO
Trata-se de ação civil pública na qual se discute o direito de acesso dos homossexuais aos benefícios previdenciários decorrentes do falecimento e/ou prisão de seus companheiros(as), especificamente pensão por morte e auxílio-reclusão.
A pretensão ministerial, nos exatos termos da inicial, é de compelir a Autarquia Previdenciária a considerar o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial da mesma classe dos companheiros heterossexuais (inciso I do art. 16 da Lei n.º 8.213/91) para fins de benefícios previdenciários, passando a processar e a deferir todos os pedidos de pensão por morte e de auxílio-reclusão realizados pelos companheiros do mesmo sexo, desde que cumpridos, no que couber, os mesmos requisitos e apresentados os mesmos documentos exigidos dos companheiros heterossexuais (arts. 74 a 80 da Lei n.º 8.213/91 e art. 22 do Decreto n.º 3.048/99).
Das preliminares
Analiso, primeiramente, as questões de ordem processual invocadas pela Autarquia Previdenciária.
Legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação civil pública
Para o exame acerca da legitimidade do Ministério Público para a propositura da ação, peço vênia para tecer algumas considerações sobre os chamados interesses transindividuais, cuja defesa é autorizada mediante as ações de cunho coletivo.
Os assim denominados interesses coletivos surgiram no cenário jurídico no início dos anos 70, em vista da necessidade fática de se rediscutir a dicotomia clássica entre interesse público (o indivíduo em relação ao Estado) e interesse privado (os indivíduos inter-relacionados entre si). Aferia-se, então, pela própria realidade social, a existência de uma categoria intermediária, onde se compreendiam os interesses coletivos, ou seja, aqueles referentes a toda uma categoria de pessoas (como os condôminos de um prédio, os sócios de uma empresa, os membros de uma equipe esportiva, os empregados de um mesmo patrão, etc). São interesses metaindividuais (ou transindividuais), porque atingem grupos que tem algo em comum (assim como nos interesses individuais homogêneos).
Ocorre que mesmo dentro dessa categoria intermediária, dos interesses coletivos, foi possível ir além, estabelecendo-se uma outra distinção: entre os interesses coletivos que atingem uma categoria determinada de pessoas (ou pelo menos determinável) e aqueles que atingem um grupo indeterminável de indivíduos (ou de difícil determinação). Existem interesses - embora comuns a toda uma categoria de pessoas - em que não se pode determinar com precisão quais os indivíduos que se encontram concretamente por eles unidos. Nesses casos, convencionou-se chamá-los de interesses coletivos e difusos, porque, além de transindividuais, dizem respeito a titulares dispersos na coletividade.
Por interesses coletivos, no dizer de Ada Pellegrini Grinover ( in Tutela dos interesses difusos, São Paulo, 1984), entendem-se os interesses comuns a uma coletividade de pessoas e apenas a ela, mas ainda repousando sobre vínculo jurídico definido que as consagra, não se confundindo com os interesses individuais.
Já o grupo dos interesses difusos propriamente ditos compreende interesses que não encontram apoio em uma relação-base bem definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas e fatores conjunturais ou extremamente genéricos, a dados de fato freqüentemente acidentais e mutáveis.
Os interesses difusos são, pois, os interesses metaindividuais que, não tendo atingido grau de agregação e de organização necessário à sua afetação institucional junto a certas entidades e órgãos representativos dos interesses definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade como um todo, podendo, por vezes, referir-se a certas coletividades de conteúdo numérico indefinido.
Afigura-se evidente, a meu ver, que o interesse em pauta, referente ao regime de seguridade social relacionado com a população homossexual, identifica-se com o conceito de interesse difuso, no qual o direito, por óbvio, não pode ser cindido: ou pertence a todos, ou a nenhum. Mas sua titularidade é indeterminada e ligada por circunstâncias de fato, eis que o liame que une seus titulares é uma circunstância meramente factual, estando ausente qualquer relacionamento jurídico.
A dificuldade surgida em sede de interesses difusos, em que não se pode determinar de plano uma titularidade, fez com que se rompessem certos conceitos que obstariam a atividade protetora da ação civil pública. Os bens difusos, que não pertencem a ninguém, mas que pertencem a todos, não poderiam ficar a mercê de conceitos tradicionais, com estruturas estreitas e egoístas, que diziam respeito apenas à proteção do cidadão, assim considerado na clássica forma individual.
A liberalização dos mecanismos de legitimação ad causam foi uma das grandes inovações introduzidas pela Lei n.º 7.347/85, concebida para regular a ação civil pública na defesa dos interesses coletivos e que foi inteiramente recepcionada pela nova Carta Constitucional de 1988. É interessante notar que a Lei n.º 7.347/85, todavia, não definiu inicialmente o que seriam interesses difusos, interesses coletivos e interesses individuais homogêneos, tarefa esta que coube à Lei n.º 8.078/90, cujo art. 81, parágrafo único, esclarece:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Com a Lei n.º 7.347/85, e, posteriormente com a edição do Código de Defesa do Consumidor, rompeu-se definitivamente com o princípio tradicional da obrigatória coincidência entre os sujeitos da relação jurídico-material controvertida e os sujeitos do processo. Essa legitimação, como se sabe, é concorrente e disjuntiva, já que cada um dos co-legitimados pode, sozinho, promover a ação coletiva, sem que seja necessária anuência ou autorização dos demais.
Assim, tenho que, uma vez constatado que o direito ora discutido se insere perfeitamente no conceito de interesse transindividual difuso, configurada está a legitimidade do Ministério Público para operar em sua defesa, seja pela incumbência institucional que lhe foi conferida pela Constituição Federal, no seu art. 129, III, seja pelo que dispõe a própria Lei n.º 7.347/85, cujos dispositivos transcrevo, in verbis:
Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
(Constituição Federal de 1988)
. . .
Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e materiais causados:
(...)
V - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Art. 5º - A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação (...).
(Lei 7.347/85)
Por outro lado, veja-se que, conforme já se disse, originariamente a lei disciplinadora da ação civil pública também ignorava por completo a idéia de existência dos chamados direitos individuais homogêneos, a qual somente veio a ser incorporada ao mundo jurídico com o advento do Código de Defesa do Consumidor (art. 81 da Lei n.º 8.078/90), sendo aplicável às ações civis públicas por força do disposto no art. 21 da Lei n.º 7.347/85. Tem-se que os direitos individuais homogêneos - ao contrário dos interesses difusos e coletivos - têm desde o início identificado o seu titular, bem como divisível o seu objeto. A individualidade homogênea está na sua origem comum.
Ainda que se adotasse o entendimento de que o direito postulado se enquadra na categoria dos direitos individuais homogêneos, conforme defende o INSS, restaria subsistente a legitimidade do Ministério Público. Isso porque, conforme bem observado pelo juízo monocrático, o art. 21 da Lei 7.347/85, na redação que lhe foi dada pelo Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), determina a aplicabilidade à ação civil pública de toda a disciplina do CDC referente à "defesa dos direitos dos consumidores em juízo", o que envolve os direitos individuais homogêneos. Efetivamente, não haveria sentido na remissão se não fosse para atribuir ao Ministério Público legitimação para a defesa de outros interesses individuais homogêneos, já que os oriundos de relações de consumo, pela redação do próprio CDC, admitiam defesa coletiva pelo órgão ministerial, não necessitando da disciplina da Lei 7.347/85.
De todo modo, este Tribunal tem-se posicionado pela legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública, seja na defesa dos interesses difusos, seja na defesa dos interesses individuais homogêneos, conforme se infere dos seguintes precedentes:
AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DEFERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. SAÚDE. GARANTIA CONSTITUCIONAL. MEDICAMENTO GRATUITO.
- Possui legitimidade ativa o Ministério Público Federal em se tratando de ação civil pública que objetiva a proteção de interesses difusos (direito à saúde, assegurado constitucionalmente) e a defesa de direitos individuais homogêneos (obtenção de medicamento gratuito por doentes de fígado).
- Os requisitos à concessão da antecipação de tutela pleiteada são expressos em lei, com o que, estando presentes, a decisão guerreada deve ser mantida, inclusive como forma de prestigiar as relações processuais.
- In casu, está caracterizada a verossimilhança das alegações, tendo em vista a previsão constitucional (art. 196) no sentido de que a saúde é um dever do Estado e um direito do cidadão. Presentes, ainda, os demais requisitos autorizadores da antecipação de tutela, em razão de se tratar de grave problema de saúde.
(AI n.º 2004.04.01.021144-0/SC, 4ª Turma, Rel. Des. Federal Edgard Lippman Jr., unânime, DJU 01-09-2004, pg. 691)
DIREITO CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, UNIÃO E DNER. SUSPENSÃO DE COBRANÇA DE PEDÁGIO. NECESSIDADE DE VIA ALTERNATIVA. DIREITO DE RESSARCIMENTO.
Possui legitimidade ativa o Ministério Público Federal em se tratando de ação civil pública que objetiva a proteção de interesses difusos (direito de ir e vir, assegurado constitucionalmente) e a defesa de direitos individuais homogêneos (via alternativa). A existência de interesse da União e do DNER é evidente em feito no qual se alega a ilegalidade e inconstitucionalidade de cobrança de pedágio em rodovia federal, com o que resta incontestável a legitimidade passiva.
...
(AC n.º 2000.71.07.003568-8/RS, 4ª Turma, Rel. Des. Federal Edgard Lippman Jr., unânime, DJU 25-05-2004, pg. 698)
Logo, por analogia aos precedentes desta Corte, poder-se-ia dizer, em última análise, que o Ministério Público Federal está, na presente ação civil pública, protegendo interesses difusos (direito à igualdade e isonomia dos homossexuais perante a lei previdenciária, sem distinção de qualquer natureza, assegurado constitucionalmente) e, ainda, atuando na defesa de direitos individuais homogêneos (direito à pensão por morte e auxílio reclusão tendo como origem comum o reconhecimento da união estável entre os segurados homossexuais e seus dependentes).
Nessa linha de raciocínio, entendo que, sob qualquer ângulo que se examine a questão, não merece acolhida a argüição de ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público Federal para propor a ação.
Declaração de inconstitucionalidade em Ação Civil Pública
O INSS argumenta que a matéria relativa a eventual declaração de inconstitucionalidade do regramento que veda a concessão de benefícios previdenciários a dependentes homossexuais não poderia ser objeto de ação civil pública, porquanto se estaria usurpando a competência do Supremo Tribunal Federal para as declarações de inconstitucionalidade erga omnes.
A utilização da ação civil pública para suscitar incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo afigura-se plenamente possível dentro de nosso sistema pátrio de controle de constitucionalidade, que admite tanto a forma concentrada, esta sim permitida somente ao STF, quanto a forma difusa, cuja permissão é estendida a todo o Poder Judiciário.
A propósito, colaciono jurisprudência pertinente ao tema, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE.
1. Acórdão que deu como inadequada a ação civil pública para declarar a inconstitucionalidade de ato normativo municipal.
2. Entendimento desta Corte no sentido de que "as ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local."
3. Reconhecida a legitimidade do Ministério Público, em qualquer instância, de acordo com a respectiva jurisdição, a propor ação civil pública (CF, arts. 127 e 129, III).
4. Recurso extraordinário conhecido e provido para que se prossiga na ação civil pública movida pelo Ministério Público.
(RE n.º 227.159-4/GO, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17-05-2002)
Não há óbice, portanto, na declaração de inconstitucionalidade em ação civil pública. O controle difuso da constitucionalidade é permitido a todo e qualquer órgão do Poder Judiciário, em qualquer grau, uma vez que a questão da inconstitucionalidade é resolvida apenas incidentalmente, como matéria prejudicial. Melhor dizendo, o pedido na ação civil pública é a proteção do bem da vida tutelado pela Carta Constitucional, tendo como causa de pedir a inconstitucionalidade do regramento previdenciário ordinário, enquanto que o pedido na Ação Direta de Inconstitucionalidade, privativa do STF, é a declaração de inconstitucionalidade da lei e sua retirada do ordenamento jurídico.
Sendo inconfundíveis os objetos da ação civil pública e da ADIn, não há, pois, se falar em usurpação da competência do colendo STF.
In casu, sequer há um pedido específico de declaração incidental de inconstitucionalidade das normas relativas ao não reconhecimento da união estável entre companheiros do mesmo sexo, havendo, em verdade, uma menção ao entendimento adotado pelo INSS como sendo incompatível com o texto constitucional, a qual está mais caracterizada como causa de pedir. O pedido de concessão de benefícios previdenciários aos companheiros homossexuais decorre desta fundamentação, sendo que, em se tratando de controle difuso da constitucionalidade das leis, a referida declaração é destacada, por motivos técnicos-jurídicos, quando da elaboração do pedido inicial, eis que, a toda evidência, o reconhecimento incidental da inconstitucionalidade é prejudicial ao mérito do próprio direito que se pretende tutelar.
Senão vejamos, o § 3º do art. 16 da Lei n.º 8.213/91, em sua redação original, ao dispor sobre os beneficiários do Regime Geral da Previdência Social, consignou que considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. Referido dispositivo constitucional, por seu turno, inserido no título da ordem social, estabelece que a família, base da sociedade, tem proteção do Estado, sendo que, para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Infere-se, pois, que não há como se abordar o tema sem que se faça um juízo incidental acerca da constitucionalidade da maneira como foi feita, pelo legislador ordinário, a apropriação do texto constitucional no relativo à proteção da família e a interpretação que lhe vem sendo dada pelo órgão previdenciário, a fim de que seu âmbito seja ampliado com a agregação/integração de outros princípios constitucionais, mormente aqueles elencados nos artigos 1º, 3º e 5º da Constituição Federal.
Abrangência nacional da decisão
O Ministério Público Federal busca nesta ação um provimento jurisdicional de abrangência nacional. O INSS, entretanto, se opõe a tal pretensão ao argumento de que a atual redação do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 impõe restrições territoriais às decisões tomadas em sede de ação civil pública.
A discussão concernente à abrangência da decisão, ainda em sede liminar, já foi objeto de pronunciamento deste Tribunal, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n.º 2000.04.01.044144-0, cuja ementa, da lavra do eminente Des. Federal Luis Carlos de Castro Lugon, ora transcrevo:
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. NORMAS CONSTITUCIONAIS. CF, ART. 226, § 3º. INTEGRAÇÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS HOMOSSEXUAIS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA O CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AMPLITUDE DA LIMINAR. ABRANGÊNCIA NACIONAL.LEI N.º 7.347/85, ART. 16, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 9.494/97.
1. As normas constitucionais, embora soberanas na hierarquia, são sujeitas a interpretação. Afasta-se a alegação de que a espécie cuida de inconstitucionalidade de lei; o que ora se trata é de inconstitucionalidade na aplicação da lei; o que se cuida não é de eliminar por perversa a disposição legal; sim, de ampliar seu uso, por integração. 2. É possível a abrangência de dependente do mesmo sexo no conceito de companheiro previsto no art. 226, § 3º, da Constituição Federal, frente à Previdência Social, para que o homossexual que comprovadamente vive em dependência de outro não fique relegado à miséria após a morte de quem lhe provia a subsistência. 3. Rejeitada foi a alegação de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal em relação ao controle concentrado da constitucionalidade pela própria Corte Constitucional em reclamação contra a mesma liminar ora telada, sob o fundamento de que a ação presente tem por objeto direitos individuais homogêneos, não sendo substitutiva da ação direta de inconstitucionalidade. 4. A nova redação dada pela Lei n.º 9.494/97 ao art. 16 da Lei n.º 7.347/85, muito embora não padeça de mangra de inconstitucionalidade, é de tal impropriedade técnica que a doutrina mais autorizada vem asseverando sua inocuidade, devendo a liminar ter amplitude nacional, principalmente por se tratar de órgão federal. (DJU 04-07-2001, pgs. 1132/1166) (grifamos).
Quanto ao alcance da sentença proferida em ação civil pública, diz o art. 16 da Lei n.º 7.347/85, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 9.494/97:
Art. 16 - A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, também contém disposição referente à abrangência dos efeitos da sentença proferida em ação civil pública, na mesma redação originária do art. 16 da Lei n.º 7.347/85:
Art. 103 - Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo a improcedência por insuficiência de provas, nos termos inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
Não são pacíficas as posições doutrinárias no que concerne à restrição da coisa julgada erga omnes aos limites da competência territorial do órgão julgador. Na análise da questão, a doutrina divide-se em posições antagônicas: de um lado aqueles que compartilham do entendimento de Ada Pellegrini Grinover (Código de Defesa do Consumidor, 6ª ed., 1999, Ed. Forense, Rio de Janeiro), defendendo que a modificação do art. 16 altera os efeitos da coisa julgada restringindo sua abrangência territorial; de outro, aqueles que divergem dessa posição, ao lado do professor Hugo Nigri Mazzilli (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 12ª ed., 2000, Ed. Saraiva, São Paulo), entendendo que o legislador operou em confusão, pois buscava regular a competência para apreciar a ação e não os reflexos da coisa julgada.
Independentemente da posição que se tome acerca da intenção do legislador, é preciso ter sempre presente que a coisa julgada material não é efeito de um julgado (como o são a ordem, a condenação, a declaração, a desconstituição), e sim, na clássica lição de Liebman, uma qualidade que, num determinado momento cronológico, se agrega àqueles efeitos, tornando-os imutáveis. Essa imutabilidade, que num primeiro momento, já se formara para "dentro" do processo, introjetada perante as partes em face do esgotamento dos prazos recursais, que se convencionou chamar de preclusão máxima (coisa julgada formal), passa, no plano subseqüente, a ter potencializada sua eficácia, vindo esta a se projetar também em face de terceiros, no que se convencionou chamar de efeito erga omnes, próprio da coisa julgada material. Tal projeção ocorre como condição para a plena realização prática do bem da vida assegurado no comando jurisdicional, dado o entrelaçamento das relações interpessoais na sociedade.
A propósito, oportuno que se transcreva a interpretação de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, filiando-se ao entendimento de que o legislador incidiu em equívoco conceitual, registrando que a limitação territorial aos limites da coisa julgada não tem nenhuma eficácia e não pode ser aplicada às ações coletivas. Confundiram-se os limites da coisa julgada erga omnes, isto é, quem são as pessoas atingidas pela autoridade da coisa julgada, com jurisdição e competência, que nada tem a ver com o tema. Pessoa divorciada em São Paulo, é divorciada no Rio de Janeiro. Não se trata de discutir se os limites territoriais do juiz de São Paulo podem ou não ultrapassar seu território, atingindo o Rio de Janeiro, mas quem são as pessoas atingidas pela sentença paulista.
Nelson Nery Junior vai mais longe ainda, afirmando que com o advento do Código de Defesa do Consumidor, que regulou ampla e completamente o instituto da coisa julgada no processo coletivo (direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos), o sistema legal que rege o instituto da coisa julgada no processo coletivo passou a ser apenas o CDC, havendo uma revogação tácita dos dispositivos que regulam a matéria na Lei n.º 7.347/85 pela legislação superveniente. Assim, defende o processualista, quando editada a Lei n.º 9.494/97, não mais vigorava o art. 16 da Lei n.º 7.347/85, de modo que ela não poderia ter alterado o que não existia, consignando, ainda, que o equívoco da Lei 9.949/97 demonstra que quem a redigiu, não tem noção, mínima que seja, do sistema processual das ações coletivas (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 7ª ed., 2003, pgs. 1349 e 1350).
Não restam dúvidas de que a nova redação dada ao artigo em comento não primou pela melhor técnica e, no mínimo, confundiu os institutos da competência e da coisa julgada, acabando por ferir a garantia constitucional de tutela dos interesses transindividuais.
Nesse diapasão, a melhor solução para a controvérsia, s.m.j. , é a de que a regra do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor, entendendo-se que os "limites da competência territorial do órgão prolator" de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas, sim, aqueles previstos no art. 93 do CDC. Ou seja, quando o dano for local, isto é, restrito aos limites de uma comarca ou circunscrição judiciária, a sentença não produzirá efeitos além dos próprios limites territoriais da comarca ou circunscrição; por outro lado, quando o dano for de âmbito regional, assim considerado aquele que se estende por mais de um município, dentro do mesmo Estado ou não, ou for de âmbito nacional, estendendo-se por expressiva parcela do território brasileiro, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda área prejudicada.
Esse tem sido o posicionamento adotado nesta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO. ADEQUAÇÃO DO PROCEDIMENTO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STF. INEXISTÊNCIA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO COLETIVA TENDO COMO OBJETO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. PRESENÇA DO RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO. LEIS NºS 7.347/85 E 8.078/90. COMPROVAÇÃO DAS ATIVIDADES ESPECIAIS. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. DIREITO ADQUIRIDO. EPI OU EPC. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. ART. 57, § 5º, DA LB E 28 DA LEI N.º 9.711/98.
1. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA em que se discute, como questão prejudicial, sobre a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo não deve ser confundida com a AÇÃO Direta de Inconstitucionalidade. A ADIN, sendo processo de natureza objetiva, em que não há partes (na acepção estrita do termo), a par de cumprir função precípua de salvaguarda do sistema constitucional, tutela direitos abstratamente considerados. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA, de sua vez, mesmo quando tenha por fundamento a inconstitucionalidade de lei ou outro ato normativo do Poder Público, é destinada à proteção de direitos e interesses concretos.
2. O Ministério Público Federal tem legitimidade para de promover AÇÃO CIVIL PÚBLICA visando à proteção de direitos individuais homogêneos, contanto que esteja configurado o interesse social relevante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região.
3. A regra do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos na Lei n.º 8.078/90, entendendo-se que os 'limites da competência territorial do órgão prolator', de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas, sim, aqueles previstos no art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Assim: a) quando o dano for de âmbito local, isto é, restrito aos limites de uma comarca ou circunscrição judiciária, a sentença não produzirá efeitos além dos próprios limites territoriais da comarca ou circunscrição; b) quando o dano for de âmbito regional, assim considerado o que se estende por mais de um município, dentro do mesmo Estado ou não, ou for de âmbito nacional, estendendo-se por expressiva parcela do território brasileiro, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda a área prejudicada. (grifamos)
(...)
(AC 2000.71.00.030435-2/RS, 5ª Turma, unânime, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU 29-10-2002, p. 638)
Na presente ação civil pública, o dano resultante da negativa da Autarquia Previdenciária em protocolar e/ou apreciar os requerimentos de pensão por morte e auxílio-reclusão envolvendo casais homossexuais, tem, por óbvio, amplitude nacional, de modo que a violação ou ofensa ao direito somente poderá ser evitada se a decisão produzir efeito em todo o território nacional.
Outrossim, qualquer outra interpretação, no sentido de restringir a abrangência das decisões em ações civis pública aos limites territoriais de seu órgão prolator, contraria a própria teleologia das ações coletivas, que visam a garantir maior acesso à jurisdição, sem, contudo, sobrecarregar o Poder Judiciário com milhares de ações versando sobre matéria idêntica.
Do mérito
Uma vez superadas as preliminares suscitadas, passo ao exame do mérito da controvérsia, o qual, por versar sobre matéria de grande complexidade e impacto social, analisarei por tópicos, cujas etapas de desenvolvimento - histórico, social e jurídico - se mostram necessárias para uma adequada abordagem do tema.
Hermenêutica jurídica e constitucional
A interpretação do texto constitucional encontra-se na essência de qualquer julgamento que se venha a proferir sobre o tema em foco, eis que a leitura da legislação infraconstitucional relativa à Previdência Social se submeterá sempre à filtragem hermenêutica da Carta Magna. Sendo a área do conhecimento que se ocupa da compreensão (também) de textos, leis, decisões jurídicas, reveste-se a hermenêutica da maior relevância no domínio da atividade do jurista (prático e teórico), quando não assume um alcance decisivo por si só.
A hermenêutica é um dos temas polêmicos da filosofia contemporânea, uma vez que tradicionalmente a filosofia se ocupa com a descoberta das essências, entendo-se aqui essência como verdade, como aquilo que pode ser cognoscível. Hans-Georg Gadamer (Verdade e Método - Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Ed. Vozes, 1997), cuja obra também é mencionada na sentença recorrida, assevera que a hermenêutica não é um método para se chegar à verdade e que o problema hermenêutico não é, por sua vez, um problema de método. Segundo ele, a hermenêutica não seria uma metodologia das ciências humanas, mas uma tentativa de compreender as ciências humanas. Gadamer afirma que a compreensão das coisas e a correta interpretação não se restringe à ciência, mas à experiência humana, principalmente no que se refere ao fenômeno da linguagem como experiência humana no mundo. No que se refere à hermenêutica jurídica, Gadamer procurou descobrir a diferença entre o comportamento do historiador jurídico e do jurista diante de um texto. Estava interessado em saber se haveria diferença entre o interesse dogmático e o interesse histórico, concluindo que:
O jurista toma o sentido da lei a partir de e em virtude de um determinado dado. O historiador jurídico, pelo contrário, não tem nenhum caso de que partir, mas procura determinar o sentido da lei na medida em que coloca construtivamente a totalidade do âmbito da aplicação da lei diante dos olhos. Somente no conjunto dessas aplicações torna-se concreto o sentido de uma lei (obra mencionada, pg. 483).
Para o jurista e operador do direito, a compreensão histórica é um meio para se chegar a um fim. Se o historiador do direito tem que enfrentar culturas jurídicas passadas no seu trabalho de interpretação da lei (sem ter diante de si nenhuma tarefa jurídica, pretendendo apenas averiguar o significado histórico da lei), o juiz, por sua vez, tem que adequar a lei transmitida às necessidades do presente, pois a aplicação da lei é uma tarefa eminentemente prática. Isso não significa dizer que o juiz em nenhum momento tenha que assumir a posição de historiador. Pelo contrário, ao interpretar a lei, para concretizá-la, o juiz tem que fazer uma tradução necessária da lei, mesmo que essa tradução seja nos moldes de uma mediação com o presente.
Tanto no caso da hermenêutica teleológica quanto na jurídica, uma condição que tornaria possível a compreensão seria, ainda segundo Gadamer, a pertença à tradição: a pertença do intérprete ao seu texto é como a do ponto de vista na perspectiva que se dá num quadro. Melhor dizendo, para que seja possível uma hermenêutica jurídica, os membros de uma comunidade jurídica tem que estar vinculados igualmente a essa comunidade. Poder-se-ia afirmar que o mesmo ocorre quando se espera que os membros de uma comunidade moral, para que compartilhem do mesmo ethos, tenham que estar necessariamente vinculados a essa comunidade, não pela lei, mas pelos sentimentos morais, que seriam a expressão desse ethos (modo de ser). Não significa que ao estarem vinculados às respectivas comunidades, os membros de uma comunidade jurídica ou moral estejam atrelados a uma dogmática jurídica ou moral. Significa que essa vinculação, essa pertença, é o que possibilita uma hermenêutica jurídica no sentido de uma interpretação bem próxima daquilo que se concebe como consenso.
A partir da idéia de consciência histórica, três conceitos aparecem interligados como fundamentais para a hermenêutica das tradições: preconceito, autoridade e tradição. Tais conceitos são apresentados por Gadamer de forma renovada, numa tentativa de reabilitá-los de equívocos e deformações no seu uso, que teriam sido protagonizados a partir do Iluminismo. O preconceito é entendido como parte constitutiva da estrutura de antecipação: é a condição para a compreensão de algo. O preconceito é apresentado como o horizonte do presente, é a finitude do próximo em sua abertura para o longínquo. É somente nessa tensão entre o outro e o próprio, entre o texto do passado e o ponto de vista do leitor, que o preconceito se torna operante, constitutivo da historicidade. A pretensão de criticar os preconceitos, por mais ambiciosas que tenham sido as tentativas, são vistas como infundadas por Gadamer que, convicto dos efeitos da história na consciência humana, entende que não há um local isento que pudesse deflagrar a crítica com precisão. A crítica dos preconceitos, portanto, seria impossível, e precisamos entender a dimensão positiva do preconceito para o conhecimento. Gadamer entende que o preconceito não é o pólo oposto de uma razão sem pressuposição, mas um componente do compreender, vinculado ao caráter historicamente finito do ser humano, eis porque os preconceitos do indivíduo, muito mais que seus juízos, constituem a realidade histórica de seu ser.
O conceito de autoridade, segundo Gadamer, estaria relacionado a reconhecimento e dissociado de obediência, com a qual não teria nenhuma relação imediata. A autoridade é legitimada pela tradição ou, em outras palavras, a tradição é o fundamento de validade dos conceitos de Gadamer. É através do elo integrador da tradição que autoridade e razão são aproximadas e constituem o processo de tomada de consciência histórica. A pesquisa científica não ocorre dissociada da consciência histórica da humanidade. Ciência e tradição se fundem, pois o conhecimento - sendo histórico - não consegue se libertar da sua condição histórica. Não há, conclui ele, como haver ciência livre de preconceitos. A crítica é vista como inoperante e inconveniente: um prejuízo ao processo científico.
Em contraposição a Gadamer, Habermas - filósofo também estudioso da hermenêutica jurídica, representante da 2ª fase da Escola de Frankfurt - afirma que o maior problema da hermenêutica das tradições é a ontologização da própria hermenêutica. Para Habermas, a idéia de consenso como algo dado na história, a partir da experiência de diálogo que a humanidade possui, não pode servir de modelo para a ação comunicativa. É necessário reconhecer que há distorções na linguagem, movidas por interesses, que impedem o perfeito diálogo e a emancipação humana. Por entender que é necessário superar as interferências da ideologia na linguagem é que Habermas intitula sua teoria como crítica das ideologias. Uma das diferenças fundamentais com Gadamer é que, enquanto para este, o diálogo está dado, é uma condição, na teoria da ação comunicativa ele passa a ser uma idéia reguladora, um dever-ser para o futuro. Assim, Habermas defende que compete a uma crítica das ideologias pensar em termos de antecipação aquilo que a hermenêutica das tradições pensa em termos de tradição assumida. Em outras palavras, a crítica das ideologias implica que coloquemos como idéia reguladora, adiante de nós, o que a hermenêutica das tradições concebe como existindo na origem da compreensão.
Com o reconhecimento da presença da ideologia na linguagem são apresentados dois elementos que a hermenêutica não aborda: o trabalho e o poder. Para Habermas, é dali que partem os interesses que afetam o livre entendimento. Ou seja, a interferência das instituições na linguagem é que gera a "compreensão sistematicamente distorcida", produzindo a dominação entre os homens. Estando alterada a relação entre trabalho, poder e linguagem, essa situação limita uma hermenêutica que se restringe ao entendimento da linguagem. O conceito de ideologia ocupa, numa ciência social crítica, o lugar que ocupa o conceito de mal-entendido, de não-compreensão, numa hermenêutica de tradições. O decisivo, para Habermas, é colocar a crítica acima do reconhecimento da autoridade, da consciência de finitude, da pré-compreensão que ignora e sufoca a instância crítica. A instância crítica se situaria, assim, acima da "dissolução" das coações oriundas, não da natureza, mas das instituições. Em resumo, Habermas coloca que a linguagem, especialmente a escrita, garante a democracia dos povos, mas também justifica a presença de um Direito imposto por uma autoridade sobre uma pessoa, cidade ou nação. Partindo desse pensamento, ele diz que a validade desse Direito está na crença do destinatário de que a norma a que se sujeita também é criada por ele, e que sua eficácia depende de uma interpretação do magistrado, coerente com cada situação real e concreta. No entanto, sustenta Habermas, na verdade, o intérprete (magistrados e afins) guia-se pelas próprias avaliações do sistema interpretado, a fim de tornar enfraquecidas as tensões sociais na medida em que neutraliza a pressão exercida pelos problemas de distribuição de poder, de recursos e de benefícios escassos.
No entender dos defensores da hermenêutica crítica, um abismo separaria o projeto hermenêutico que coloca a tradição assumida acima do juízo, e o projeto crítico, que situa a reflexão acima da coação institucionalizada.
Todavia, fazendo uma leitura dialética do pensamento de Gadamer e de Habermas, não os vejo como excludentes, mas sim complementares, ainda que partam de lugares distintos. Enquanto a crítica das ideologias se ocupa da relação entre trabalho, poder e linguagem, a hermenêutica das tradições é centrada na interpretação da finitude humana. Mas é a hermenêutica histórica da finitude que assegura, a priori, a correlação entre o conceito de preconceito e o de ideologia. O interesse pela emancipação, que move a crítica das ideologias, situa-se na base das ciências histórico-hermenêuticas: a comunicação. É no reconhecimento desse espaço que se constitui a idéia reguladora do diálogo sem distorções, livre da dominação. Ora, a comunicação é uma herança cultural da humanidade que é criada e recriada pela interpretação humana. O ideal da comunicação de Habermas, nada mais é do que uma antecipação, que depende da hermenêutica mesmo para ser anunciada como tal. Não podemos antecipar simplesmente no vazio, um dos lugares da exemplificação do ideal de comunicação é justamente nossa capacidade de vencer a distância cultural na interpretação das obras recebidas do passado. É bem provável que quem não é capaz de reinterpretar seu passado, também não seja capaz de projetar concretamente seu interesse pela emancipação (Paul Ricouer, Interpretação e Ideologias, 4.ª ed. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1983).
Podendo a hermenêutica ser definida como a arte da interpretação, e sendo a compreensão a mola mestra da interpretação, deduz-se, obviamente, que hermenêutica é compreensão. A hermenêutica jurídica seria então a compreensão que daria o sentido à norma. Na norma ou texto jurídico há um sentido que não está sempre explicitamente demonstrado. A norma é algo que para ser conhecido, no sentido da interpretação, faz-se necessário, por assim dizer, uma construção desse conhecimento. Isso significa dizer que o conhecimento da norma passa pela compreensão da mesma, não como um exercício de mera apreensão da dogmática jurídica, mas da interpretação criativa, crítica, onde o sujeito, determinado por sua cultura, mas não necessariamente condicionado a ela, será capaz de dar conta da interpretação/hermenêutica como processo de compreensão do Direito.
Nesse sentido, podemos dizer que a hermenêutica jurídica, como arte da interpretação jurídica, é um processo de construção e re-construção. A relação sujeito-objeto na interpretação jurídica não é, portanto, uma relação meramente contemplativa, onde a dogmática jurídica se apresenta como verdade absoluta, quase como uma verdade revelada, mas uma atividade subjetiva, onde o sujeito tem papel ativo, mesmo se considerando que grande parte da interpretação só pode ser realizada a partir de conceitos previamente estabelecidos pela tradição na qual o sujeito está inserido.
Concluindo, a tarefa da hermenêutica constitucional consiste em desvendar o sentido mais profundo da Constituição, pela captação de seu significado interno, da relação de suas partes entre si - ou seja, a compreensão histórica de seu conteúdo e a compreensão gramatical crítica na sua relação com a linguagem e o poder, e ainda, a compreensão de seu "espírito" enquanto garantidora de um Estado Democrático de Direito. É sobre esta tarefa que ora me debruço, a de interpretar/compreender os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros que encontram respaldo na Constituição Federal e dizer se eles estão ou não sendo desrespeitados pela legislação infraconstitucional que nega aos homossexuais brasileiros o direito de acesso aos benefícios previdenciários.
A Constituição Federal de 1988 - "Constituição Cidadã
A Constituição brasileira de 1988 - na irretocável colocação da eminente Juíza Federal Simone Barbisan Fortes - promulgada sob o signo de determinar o reingresso do país no regime democrático, ao final de um longo período ditatorial, já em seu preâmbulo afirma a instituição de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (art. 3º).
A assim denominada "Constituição-Cidadã" foi precedida de uma forma especial de transição, sem ruptura real com a ordem jurídica. O momento 1985/1988, que antecedeu a Constituição Federal, caracterizou-se pela saída de um regime militar - com a eleição de um Presidente Civil pelo Colégio Eleitoral do Regime Militar, que teve promessas de restabelecimento das liberdades públicas e das garantias democráticas. Nesse contexto, a Carta Constitucional se mostra como aquela que tem por finalidade máxima construir as condições econômicas, sociais, culturais e políticas que assegurem a efetividade dos direitos humanos, num regime de justiça social.
Dentro dessa dinâmica histórica, a Constituição Brasileira atual preocupou-se primordialmente com o cidadão, com a cidadania do povo brasileiro, tendo como núcleo central o respeito à dignidade humana, que ocupa uma posição privilegiada no texto constitucional (art. 1º, III).
A leitura do caput do art. 5º revela, ainda, que a ordem constitucional brasileira assegura a inviolabilidade de cinco direitos considerados fundamentais: direito à vida, direito à liberdade, direito à igualdade, direito à segurança e direito à propriedade.
A Constituição de 1988 se refere também aos direitos sociais e os lista de forma não restritiva, mas apenas exemplificativa, tais como o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à aprendizagem. Os direitos sociais são normas constitucionais que se efetivam como condições específicas dos direitos fundamentais do homem, refletindo prestações positivas do Estado e permitindo condições de vida mais humanas à classe trabalhadora.
Na esfera dos direitos sociais, a Constituição de 1988 reúne o conjunto de ações destinadas a assegurar os direitos relativos à Previdência, Saúde e Assistência Social sob a categoria de Seguridade Social (art. 194), estabelecendo no art. 195 suas fontes de financiamento (contribuições previdenciárias, COFINS, contribuição social sobre o lucro líquido - CSLL, CPMF, e outras de menor valor). Ao fazê-lo, a Constituição deu um importante passo na consolidação do elo institucional que liga o Estado à família, uma vez que assegura à família brasileira sua estabilidade econômica, quando seu ou sua chefe, por motivo de invalidez, doença, idade, morte, desemprego involuntário, ou outro motivo relevante, não pode prover seu sustento por meio do trabalho. Em outras palavras, compreendida dentro da Seguridade Social, a Previdência Social é uma política pública que visa proteger a família contra a vulnerabilidade econômica.
Ocorre que a Constituição, com todos os seus avanços e mesmo que tenha vindo com ares de modernidade para outorgar a proteção do Estado à família, independentemente da celebração do casamento, aparentemente continuou a ignorar a existência de entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo.
Assim temos que está dado, num primeiro momento, um conflito aparente entre princípios e normas constitucionais, com efeitos sentidos na legislação infraconstitucional. Se, de um lado, o ordenamento jurídico parece considerar, para efeitos da proteção do Estado, apenas a união estável entre homem e mulher como entidade familiar (art. 226, § 3º), não é menos verdade que a mesma Carta Constitucional consagra, como princípio inviolável, a igualdade de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV).
A interpretação dos direitos dos homossexuais pela ótica dos princípios da dignidade humana e da igualdade
Veja-se que a Constituição não é um conjunto de regras, mas um conjunto de princípios, aos quais se devem afeiçoar as próprias normas constitucionais, por uma questão de coerência. Mostrando-se uma norma constitucional contrária a um princípio constitucional, tal fato configura um conflito e, assim, a norma deve ser considerada inconstitucional, como sustentava Otto Bachof já em 1951. Assim, não se pode deixar de ter por discriminatória a distinção que o art. 226, § 3º, da Constituição Federal faz ao outorgar proteção a pessoas de sexos diferentes, contrariando o princípio constitucional constante de regra pétrea. Flagrado o confronto, possível é concluir-se ser igualmente inconstitucional a restrição do art. 1º da Lei 9.278/96, que regulamenta a união estável, podendo e devendo ser aplicada às relações homossexuais (Maria Berenice Dias. União homossexual: aspectos sociais e jurídicos. Âmbito Jurídico, 2001).
Por outro lado, a melhor exegese do texto constitucional ordena que ainda se examine o § 4º do art. 226, que dispõe que entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Vislumbra-se aí que o legislador constituinte - ao utilizar a expressão também (conjunção aditiva) - procurou evidenciar que se trata de uma enumeração exemplificativa da entidade familiar, eis que somente as normas que restringem direitos devem ser interpretadas por exclusão.
No caso em tela, a despeito das interpretações que se dê ao conceito de unidade familiar, o qual será analisado com maior profundidade ao longo deste voto, tenho que a legislação infraconstitucional, ao proibir aos companheiros do mesmo sexo o direito de acesso aos benefícios devidos aos dependentes dos segurados, desrespeitou os princípios da dignidade da pessoa humana e do direito à igualdade, os quais se encontram intrinsecamente relacionados. A exclusão dos benefícios previdenciários, em razão da orientação sexual, além de discriminatória, retira da proteção estatal pessoas que, por imperativo constitucional, deveriam encontrar-se por ela abrangidas. Senão vejamos:
O princípio da dignidade humana traz no seu bojo a afirmação da integridade física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável da sua individualidade autonomamente responsável; a garantia da identidade e integridade da pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade. A proclamação do valor distinto da pessoa humana tem como conseqüência lógica a afirmação de direitos específicos de cada homem. A dignidade da pessoa humana é, por conseguinte, o núcleo essencial dos direitos fundamentais, a "fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais". Daí falar-se, em conseqüência, na centralidade dos direitos fundamentais dentro do sistema constitucional, eis que eles cumprem funções estruturais, são conditio sine qua non do Estado constitucional democrático. Ou seja, as normas de direito fundamental ocupam o grau superior da ordem jurídica; estão submetidas a processos dificultosos de revisão; constituem limites materiais da própria revisão; vinculam imediatamente os poderes públicos; significam a abertura a outros direitos fundamentais.
Os valores integrados na dignidade humana, em verdade, congregam a essência e terminam por auferir maior especificidade nos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais, a um só tempo, esmiuçam a idéia de dignidade e têm a sua interpretação por ela direcionada, do que resulta uma simbiose que não é passível de ser dissolvida. Essa constatação talvez justifique o fato de a dignidade humana, conquanto absorva o núcleo essencial do direito fundamental que alicerça uma pretensão de ordem prestacional, ser normalmente invocada em caráter subsidiário, não como fundamento principal à configuração do direito subjetivo a essa prestação. Todavia, ainda que deslocada a uma posição secundária e alçada à condição de mero "incidente argumentativo", a dignidade humana não se dissocia de seu caráter estrutural, mantendo a condição de ratio decidendi.
Dessa maneira, a interpretação dos demais preceitos constitucionais e legais há de se fazer à luz daquelas normas constitucionais que proclamam e consagram direitos fundamentais, as normas de direito fundamental. Com razão, Canotilho (Direito Constitucional. J.J Gomes, 6ª ed., 1993) fala "que a interpretação da Constituição pré-compreende uma teoria dos direitos fundamentais".
Os mandamentos constitucionais endereçados ao legislador apresentam características essencialmente programáticas e dispõem sobre determinadas tarefas e fins a serem alcançados. Além disso, a exemplo dos princípios diretores, servem de parâmetro ao controle de constitucionalidade (por ação ou por omissão), prestam um relevante auxílio na interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais e exigem que todos os atos emanados do Poder Público, de natureza normativa ou não, sejam com eles compatíveis. Por sua própria natureza, atingem domínios potenciais de aplicação que se irradiam por searas não propriamente superpostas a parâmetros indicadores de um conteúdo mínimo de dignidade humana.
O princípio da dignidade humana veicula, pois, parâmetros essenciais que devem ser necessariamente observados por todos os órgãos estatais em suas respectivas esferas de atuação, atuando como elemento estrutural dos próprios direitos fundamentais assegurados na Constituição.
Em suma, a dignidade da pessoa humana é um princípio de importância ímpar, pois repercute sobre todo o ordenamento jurídico. É um mandamento nuclear do sistema, que irradia efeitos sobre as outras normas e princípios. A tutela de direitos pressupõe que seja respeitada a dignidade do homem. O Estado precisa tomar providências para que condições mínimas de vida digna sejam concedidas às pessoas. De nada adianta adotar um ordenamento jurídico avançado se o personagem principal é deixado à sua própria sorte. A preocupação do legislador constituinte foi a de que o Estado proporcionasse condições para que todos tivessem o direito de ter uma existência digna, e não há como olvidar que isso se repercute diretamente nas prestações de natureza previdenciária.
Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a alguém, em função de sua orientação sexual, seria dispensar tratamento indigno ao ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo, legitimamente constitutiva de sua identidade pessoal (na qual, sem sombra de dúvida, se inclui a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana (Roger Raupp Rios. A Homossexualidade no Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Esmafe, 2001).
Ademais, o tratamento diferenciado viola o princípio da igualdade, cujo conceito, é bom que se tenha em mente, é temerário de se fazer sem uma análise histórica para se vislumbrar a sua evolução conceitual dada pelos povos no decorrer da história. O princípio da isonomia é reflexo de valores das sociedades, tornando, assim, mutável o seu conceito e sua aplicação quer em relação à época, quer em relação à determinada sociedade. Assim, o que se entende como igualdade jurídica no Brasil pode não ser da mesma forma entendida em outro país, e, a isonomia de tempos passados pode não corresponder ao que se entende por igualdade atualmente.
Por outro lado, a igualdade obtém contornos próprios dependendo do ramo do direito em análise, pois em um mesmo sistema jurídico pode coexistir tanto a igualdade como a desigualdade, assim em 1916, quando foi instituído o Código Civil, havia notória discriminação da mulher relevada a um papel secundário em relação ao homem dentro da sociedade conjugal, ao passo que, se esta mesma mulher antes de casar fosse celebrar um contrato de compra e venda ela seria tratada de forma igualitária mesmo que do outro lado da relação obrigacional estivesse um homem ou um grupo de homens. Percebe-se por este exemplo que o direito civil codificado nesta época previa tratamento desigual entre homens e mulheres no direito de família e tratamento igual entre os sexos no direito obrigacional. A contradição existente no início do século XX justificava-se pela sociedade eminentemente patriarcal e pelo liberalismo no direito contratual, corroborando a convivência de igualdade e desigualdade no mesmo ramo do direito.
Há de se entender também que o princípio da igualdade reveste-se de grande importância social, pois em virtude de inúmeras desigualações provenientes de contigências econômicas, culturais, geográficas, políticas e humanas, que se inserem no contexto da sociedade cumpre ao direito utilizar-se amplamente dos critérios encampados da isonomia para se atingir a justiça.
Nesse panorama, revela o princípio da igualdade papel fundamental para a transformação social, equilibrando situações injustas e promovendo o bem de toda a coletividade, quer reconhecendo a hipossuficiência de alguns, quer tolhendo privilégios injustificados de outros. A correlação existente entre o princípio da igualdade e o ideal de justiça é bastante clara. Assim sendo, o princípio jurídico da isonomia deve ser entendido como uma ferramenta para se materializar a justiça, norteando tanto aos legisladores quanto aos operadores do direito este critério para a edição e aplicação justa da norma de acordo com a idéia de justiça que possua a sociedade em seu trajeto histórico.
A igualdade possui, ainda, duas dimensões: a igualdade formal, consubstanciada na igualdade perante a lei, que deve obrigar ou autorizar a todos; e a igualdade material, que abarca a concepção de que somente o que é igual deve ser tratado igualitariamente, originada na concepção de que igualdade é tratar desigualmente os desiguais. A igualdade material exige, portanto, para sua perfectibilização, tratamento desigual em situações díspares. Todavia, tal diferenciação somente pode se dar com base em critérios de razoabilidade, jamais na forma arbitrária da Lei n.º. 8.213/91. Isto porque, conforme bem observado pela juíza a quo, a orientação sexual do indivíduo - seja voltada para a hetero, homo ou bissexualidade - não lhe confere status excepcional, que enseje tratamento diferenciado daquele dispensado à generalidade dos cidadãos. Até porque, no caso, tal circunstância em momento algum interfere no sistema de benefícios e custeio da previdência: não há distinção, para fins de recolhimento de contribuições previdenciárias, entre segurados hetero ou homossexuais.
A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que tal tratamento possa ser considerado não discriminatório, indispensável se faz uma justificativa objetiva e razoável, baseada em critérios e juízos de valor genericamente aceitos, aplicados sempre tendo medida a relação de proporcionalidade entre os meios e a finalidade pretendida, em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.
No aspecto da igualdade, inegavelmente a Declaração Universal de 1948 representa a culminância de um processo ético que, iniciado com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, levou ao reconhecimento da igualdade essencial de todo ser humano em sua dignidade de pessoa, isto é, como fonte de todos os valores, independentemente das diferenças de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. E esse reconhecimento universal da igualdade humana só foi possível quando, ao término da mais desumanizadora guerra de toda a História, percebeu-se que a idéia de superioridade de uma raça, de uma classe social, de uma cultura ou de uma religião, sobre todas as demais, põe em risco a própria sobrevivência da humanidade.
Na linha dessa postura discriminatória, o constitucionalista José Afonso da Silva, de ativa participação na elaboração da Carta Magna, esclarece acerca da postura do constituinte: a questão mais debatida feriu-se em relação às discriminações dos homossexuais. Tentou-se introduzir uma norma que a vedasse claramente, mas não se encontrou uma expressão nítida e devidamente definida que não gerasse extrapolações inconvenientes. Uma delas fôra conceber igualdade, sem discriminação de orientação sexual, reconhecendo, assim, na verdade, não apenas a igualdade mas igualmente a liberdade de as pessoas de ambos os sexos adotarem a orientação que quisessem. Teve-se receio de que essa expressão albergasse deformações prejudiciais a terceiros. Daí optar-se por vedar distinções de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação, que são suficientemente abrangentes para recolher aqueles fatores que têm servido de base para desiquiparações e preconceitos (Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2ª ed., 1992, p. 204).
A família em transformação
Até muito recentemente, a família era entendida como a união, por meio do casamento, de homem e mulher, com objetivo de construir uma prole e educar os filhos. O casamento tinha como objetivo precípuo, além da concentração e transmissão de patrimônio, a geração de filhos, especialmente homens, que sucedessem os pais, herdando seus negócios. E era tão forte e arraigada no seio da sociedade essa concepção de casamento como forma de constituição de uma prole, que os casais que não podiam ter filhos sofriam discriminações, sentiam-se envergonhados e humilhados por não poderem gerar seus próprios filhos. Também os filhos havidos fora do casamento eram discriminados, a ponto de serem denominados de "filhos ilegítimos" e sofrerem uma série de restrições no que se refere ao direito sucessório. E foi só na Constituição de 1988 - portanto há pouco mais de 16 anos - que essa situação começou a ter nova colocação. Hoje, tanto os filhos havidos no casamento como os havidos fora dele detêm os mesmos direitos.
Mas não foram apenas essas mudanças em nível constitucional que marcaram a última década. No plano social, o tamanho das famílias e sua composição também vêm sofrendo um rápido processo de transformação. Tanto é assim que, não faz muito tempo (e em algumas regiões ainda perdura essa realidade), as famílias, especialmente na zona rural, eram compostas de pai, mãe e muitos filhos, a fim de que todos, em cooperação, pudessem cultivar a terra e dela retirar seu sustento.
Com a industrialização dos grandes centros urbanos, somada às dificuldades inerentes ao campo, houve uma explosão do êxodo rural. As famílias, antes numerosas, agora vivendo nas cidades, em espaços menores, começaram a diminuir de tamanho. Além disso, em decorrência dos problemas sociais - desemprego, violência urbana, falta de segurança - grande é o número de pessoas que deixou de constituir família própria, nos moldes tradicionais. São pessoas que vivem sozinhas, ou com parentes, amigos, companheiros, etc.
Cada vez mais o modelo de família constituído por um homem e uma mulher, casados no civil e no religioso, eleitos reciprocamente como parceiros eternos e exclusivos a partir de um ideário de amor romântico, que coabitam numa mesma unidade doméstica e que reproduzem biologicamente com vistas à perpetuação da espécie, ao engrandecimento da pátria e à promoção da felicidade pessoal dos pais não esgota o entendimento do que seja uma família. Da mesma forma, sociólogos, antropólogos, historiadores e cientistas políticos sistematicamente tem demonstrado que as noções de casamento e amor vêm mudando ao longo da história ocidental, assumindo contornos e formas de manifestação e institucionalização plurívocos e multifacetados, que num movimento de transformação permanente colocam homens e mulheres em face de distintas possibilidades de materialização das trocas afetivas e sexuais.
Questões que dizem com relações familiares e comportamentais situam-se, no dizer da Desembargadora Maria Berenice Dias, mais na esfera privada do que na pública, cabendo à sociedade sua normatização. Há valores culturais dominantes em cada época, a gerar um sistema de exclusões muitas vezes baseado em preconceitos estigmatizantes. Tudo que se situa fora dos estereótipos acaba por ser rotulado de "anormal", ou seja, fora da normalidade, o que não se encaixa nos padrões, visão polarizada extremamente limitante. São, em regra, questões de lenta maturação, como o divórcio, por exemplo. Demorou, mas a sociedade acabou por aceitá-lo. Nas últimas décadas, mudou-se a maneira de encarar o homossexualismo e a virgindade das mulheres. Ficou-se mais tolerante com o primeiro e revogou-se a necessidade da segunda (publicação mencionada).
A imersão do direito de família no conteúdo dos princípios constitucionais, numa interpretação mais aprofundada, induz a compreensão (ou no mínimo, a reflexão) de que as uniões homossexuais também se constituem em entidades familiares, seja por analogia ao mencionado § 4º do art. 226, seja por ampliação do seu parágrafo 3º, seja porque, por se constituírem unidades afetivas familiares, não estão necessariamente amarradas aos tipos exemplificativos mencionados no texto constitucional. Nesse sentido, irracional seria não reconhecer que, nas circunstâncias atuais, as relações homossexuais estão abrangidas pela noção de entidade familiar, porquanto a família se constitui por laços de afetividade e necessidades mútuas, não por imperativos de ordem sexual.
O homossexualismo e seus aspectos jurídicos
Independentemente de querermos ou não, a verdade é que o mundo está se transformando rapidamente. Velhos conceitos cedem lugar a novos; preceitos antigos das relações humanas se pulverizam ante a busca da plena felicidade, levando as pessoas à liberdade de escolha de seus parceiros. Conquanto no âmbito da ordem jurídica (interpretada restritivamente) se reconheça exemplificativamente como entidade familiar apenas aquela união formada por pessoas de sexos diferentes, no plano dos fatos, as famílias homossexuais têm-se proliferado. O amor e a convivência homossexual são uma realidade que não pode mais ficar à margem da devida tutela jurídica.
Mesmo com a ausência de regras regulamentadoras das uniões homossexuais - em que pese a tramitação de projeto de lei no Congresso Nacional acerca do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo - tem tido o Poder Judiciário que se manifestar quanto ao tema, até porque, a despeito da lacuna legislativa, a atual dinâmica da sociedade impõe que o Estado se pronuncie sobre questão tão premente.
É em virtude dessa necessidade de resposta do Poder Judiciário ante o vácuo normativo que, no meio jurídico, têm surgido grandes estudiosos dos aspectos legais decorrentes dos relacionamentos homoafetivos, dentre os quais a já mencionada eminente Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Dra. Maria Berenice Dias, e o douto Juiz Federal, Dr. Roger Raupp Rios, cujos sábios ensinamentos são de grande valor na construção do conhecimento e convicção necessários para o julgamento desta lide.
Em análise de direito comparado, o Dr. Roger Raupp Rios, por ocasião da prolação da sentença nos autos de processo no qual se discutia questão análoga, nos subsidia com informações e julgados esclarecedores, observando que a orientação sexual que alguém imprime, na esfera de sua vida privada, não admite restrições de direitos. Essa a evolução dos precedentes nos tribunais norte-americanos. Em 'Griswold v. Connecticut' (1965), discutindo-se a licitude da utilização de anticoncepcionais, a Corte afirmou que diz respeito a uma relação que jaz em uma zona de privacidade criada por várias garantias fundamentais constitucionais; em 'Eisenstadt v. Baird' (1972), a valorização da privacidade garantiu o direito do indivíduo, casado ou solteiro, de estar livre de uma intromissão governamental desautorizada em assuntos que afetam tão fundamentalmente uma pessoa como a decisão de suportar ou de ter uma criança, diminuindo significativamente a distinção entre casados e solteiros no que diz respeito à liberdade sexual; em 'Commonwealth v. Balthazar' (1974), a Suprema Corte Judicial de Massachusetts, invocando as decisões da Suprema Corte em matéria de privacidade, e diante da proibição de sexo oral entre heterossexuais, decidiu que a legislação proibindo atos lascivos e contra a natureza deve ser compreendida como inaplicável à conduta privada e consensual entre adultos; em 'State v. Sauders' (1977), a Suprema Corte de New Jersey afastou a legislação proibitiva de relações sexuais entre heterossexuais solteiros, sob o fundamento da autonomia individual na esfera privada, aduzindo que seria um tanto anômalo se (a decisão de ter filhos) fosse constitucionalmente protegida enquanto a decisão mais fundamental de se envolver na conduta que é um pré-requisito para tanto seja constitucionalmente proibida. Certamente, tal escolha envolve considerações que são ao menos tão íntimas e pessoais quanto àquelas que estão envolvidas na escolha de usar ou não contraceptivos. Mais recentemente, no caso 'State v. Morales', os integrantes da Corte de Apelações do Texas (1992) afirmaram que nós não podemos pensar em nada mais fundamentalmente privado e merecedor de proteção do que a conduta sexual entre adultos praticada privadamente e em comum acordo. Se é assim ... não pode ser constitucional ... proibir lésbicas e gays de envolver na mesma conduta que heterossexuais legalmente podem.
(...)
A Corte Européia de Direitos Humanos, examinando hipóteses de discriminação por orientação sexual, sob a ótica do artigo 8º da Convenção Européia de Direitos Humanos (qualquer um tem o direito ao respeito de sua vida familiar e privada, seu lar e sua correspondência), firmou sua diretriz ao apreciar o caso 'Dulgeon v. UK' (1981), onde foi questionada proibição penal, oriundo da Irlanda do Norte, de atividade sexual entre homens: a proibição legal de atos homossexuais privados entre adultos acordes de mais de 21 anos de idade viola o direito do querelante com respeito à vida privada sob o art. 8º.
(...)
Anote-se, acerca da extensão do conceito de privacidade, o assentado pela Corte Européia ao apreciar 'Niemitz v. Germany' (1992 seria muito restritivo limitar a noção (de vida privada) a um círculo interior, no qual o indivíduo possa viver sua vida pessoal como ele quiser e excluir inteiramente daí o mundo exterior não incluído neste círculo. O respeito pela vida privada também deve compreender em certo grau o direito de estabelecer e desenvolver relacionamentos com outros seres humanos.
Observa-se, assim, que as discussões relativas ao nível de invasão/intervenção estatal na esfera privada do cidadão - origem da idéia de que a orientação sexual não admite restrições de direitos - vêm-se desenvolvendo nas últimas décadas em vários países, principalmente no Ocidente, tanto naquelas nações que adotam a common law (nos quais as constituições são, via-de-regra, uma compilação dos princípios instituidores da nação), quanto em países europeus também pertencentes ao sistema romano-germânico, cujas constituições tendem a ser mais positivadas, indo além dos princípios fundamentais, pormenorizando as garantias constitucionais, caso em que se enquadra a constituição brasileira.
Ao lado dessas considerações, cumpre, ainda, que se mencione a eficácia normativa dos Tratados e Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário. Na esfera do direito internacional, além da própria Declaração Universal, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, aplicando a Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos, decidiu que a legislação proibitiva de relações sexuais entre homossexuais constitui interferência arbitrária na privacidade, ponderando que é indiscutível que uma atividade sexual adulta e consensual, em ambiente privado, é coberta pelo conceito da privacidade, na mesma linha adotada pela Convenção Americana de Direitos Humanos.
A propósito, o Ministério Público Federal menciona em contra-razões que o governo brasileiro teria, na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, no ano de 2001, apresentado relatório se pronunciado pelo reconhecimento em nível institucional da união estável entre homossexuais, inclusive, gize-se, com menção ao provimento liminar concedido nesta ação civil pública. Em que pese não considerar que tal fato, como pretende o MPF, seja causa para o não conhecimento do recurso de apelação, eis que o pronunciamento é genérico e não vincula a Procuradoria do INSS, tenho que o pronunciamento do Chefe de Estado demonstra que as relações dinâmicas e dialéticas que se estabelecem no bojo da sociedade brasileira estão a indicar, num futuro cada vez mais próximo, que tal reconhecimento se refletirá nos órgãos legislativos, que passarão a subsidiar melhor os aplicadores do direito na questão concernente aos aspectos jurídicos das relações homoafetivas.
A aceitação das uniões homossexuais é, pois, um fenômeno mundial - em alguns países de forma mais implícita - com o alargamento da compreensão do conceito de família dentro das regras já existentes; em outros de maneira explícita, com a modificação do ordenamento jurídico feita de modo a abarcar legalmente a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo. Exemplo desse último tipo de regramento vem do Canadá, cujo Parlamento há pouco aprovou projeto de lei que legaliza o casamento entre homossexuais, passando a ser o quarto país a permitir uniões civis desse tipo, ao lado da Bélgica, da Holanda e da Suíça, este último através de referendo popular.
Na esteira dessa nova perspectiva não discriminatória, em obediência aos princípios da dignidade e da igualdade humanas, o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como sendo também uma unidade familiar tem se feito sentir no Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que tem inclusive - em entendimento vanguardista - se posicionado pela competência das varas de família para o julgamento das separações destas uniões:
RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS. COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA PARA JULGAMENTO DE SEPARAÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO.
A competência para julgamento de separação de sociedade de fato de casais formados por pessoas do mesmo sexo é das varas de família, conforme precedentes desta câmara, por não ser possível qualquer discriminação por se tratar de união entre homossexuais, pois é certo que a Constituição Federal, consagrando princípios democráticos de direito, proíbe discriminação de qualquer espécie, principalmente quanto à opção sexual, sendo incabível, assim, quanto à sociedade de fato homossexual.
(Conflito de Competência n.º 70000992156, 8ª Câmara Cível, Rel. Des. José Ataides Siqueira Trindade, em 29-06-2000)
HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. É justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos.
(AC n.º 598362655, 8ª Câmara Cível, Rel. Des. José Ataides Siqueira Trindade, em 01-03-2000)
No âmbito da 4ª Região, as uniões entre homossexuais também tem sido objeto de apreciação. Esta Corte, em recente julgado da 3ª Turma, manteve decisão de 1º grau que garantia a uma cidadã britânica a permanência no país em razão de sua união homoafetiva com uma cidadã brasileira, com base no Estatuto do Estrangeiro. Nas suas razões de decidir, a eminente Des. Federal Silvia Goraieb, relatora do processo, destacou que "os direitos advindos da união homossexual têm sido reconhecidos pela jurisprudência, pela aplicação dos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana".
Importa também mencionar precedente histórico no país, confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, no qual esta Corte, no ano de 1998, manteve a já mencionada sentença do Juiz Federal Roger Raupp Rios e entendeu ser possível a inclusão de companheiro homossexual como dependente em plano de saúde. Na oportunidade, a eminente Des. Federal Marga Inge Barth Tessler, relatora do processo, com muita propriedade e sensibilidade, observou que a razoabilidade é cada vez mais intensamente um parâmetro para a atuação do Judiciário "não podemos obscurecer ou hipocritamente considerar ou ignorar como a vida e os humanos são. Não somos todos iguais, somos diferentes, e não há na vida nenhuma qualidade tão universal como a diferença, na reflexão de Montaigne".
A Previdência Social e os companheiros homossexuais
Conforme já se disse, a Previdência Social, compreendida dentro da Seguridade Social, é uma política pública que visa proteger a família brasileira contra a vulnerabilidade econômica, fornecendo prestações e serviços que lhe dêem cobertura face aos imprevistos. É uma espécie de seguro público, que cobre eventos como doença, invalidez, morte, velhice, reclusão, gestação e desemprego, mediante contribuição dos beneficiários (traço distintivo em relação aos demais ramos da seguridade social).
A Previdência Social tem como fim precípuo garantir condições básicas de vida, de subsistência, para seus participantes, de acordo, justamente, com o padrão econômico de cada um dos sujeitos. São, portanto, duas idéias centrais que conformam esta característica essencial da previdência social brasileira: primeiro, a de que a proteção, em geral, guarda relação com o padrão-econômico do sujeito protegido; a segunda consiste em que, apesar daquela proporção, somente as necessidades tidas como básicas, isto é, essenciais - e portanto compreendidas dentro de certo patamar de cobertura, previamente estabelecido pela ordem jurídica - é que merecerão proteção do sistema. Pode-se dizer, assim, que as situações de necessidade social que interessam à proteção previdenciária dizem respeito sempre à manutenção, dentro de limites econômicos previamente estabelecidos, do nível de vida dos sujeitos filiados.
Com efeito, não se separa a realidade econômica da realidade jurídica, pois não se pode pretender concretizar o irrealizável, daqui porque se deve obediência aos limites econômicos, na forma da lei. Aliás, as reformas constitucionais do texto original de 1988 caminham nesse sentido, especialmente a EC n.º 20, de 1998, que veio para reforçar o regime previdenciário contributivo e de cobertura limitada a certo valor, dando ênfase, por outro lado, aos regimes de previdência social complementares, em que vigora a vinculação facultativa e sem limite de cobertura.
No caso da previdência pública, o trabalhador integra-se involuntariamente em relação aos benefícios discutidos, passando a contribuir obrigatoriamente para o sistema. Veja-se que a partir do momento em que o trabalhador/segurado passa a contribuir obrigatoriamente para a construção de um sistema de seguridade, é legítima sua expectativa de que, diante das adversidades da vida, lhe seja garantida a manutenção de seu padrão de vida e das pessoas que com ele convivem. Por este raciocínio, também no plano de custeio da seguridade social, não se afigura razoável impedir casais do mesmo sexo de gozar das prestações previdenciárias tão-somente por terem constituído, por razões de foro íntimo, uniões homossexuais.
Por conseguinte, uma vez reconhecida, numa interpretação dos princípios norteadores da constituição pátria, a união entre homossexuais como possível de ser abarcada dentro do conceito de entidade familiar e afastados quaisquer impedimentos de natureza atuarial, tenho que a relação da Previdência para com os casais de mesmo sexo deve-se dar nos mesmos moldes das uniões estáveis entre heterossexuais, devendo ser exigido dos primeiros o mesmo que se exige dos segundos para fins de comprovação do vínculo afetivo e dependência econômica presumida entre os casais (art. 16, I, da Lei n.º 8.213/91), quando do processamento dos pedidos de pensão e auxílio-reclusão.
Observo, ainda, que o direito de pensão de companheiros homossexuais, em ações individuais movidas contra o INSS, já foi objeto de apreciação pelas turmas previdenciárias desta Corte, as quais também se posicionaram pela necessidade de adaptação do direito à realidade social:
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO. COMPANHEIRO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. REALIDADE FÁTICA. TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS. EVOLUÇÃO DO DIREITO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE IGUALDADE. ARTIGOS 3º, IV E 5º. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. A realidade social atual revela a existência de pessoas do mesmo sexo convivendo na condição de companheiros, como se casados fossem.
2. O vácuo normativo não pode ser considerado obstáculo intransponível para o reconhecimento de uma relação jurídica emergente de fato público e notório.
3. O princípio da igualdade consagrado na Constituição Federal de 1988, inscrito nos artigos 3º, IV e 5º, aboliu definitivamente qualquer forma de discriminação.
4. A evolução do direito deve acompanhar as transformações sociais, a partir de casos concretos que configurem novas realidades nas relações interpessoais.
5. A dependência econômica do companheiro é presumida, nos termos do § 4º do art. 16 da Lei n.º 8.213/91.
6. (...)
(AC n.º 2000.04.01073643-8/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. Nylson Paim de Abreu, unânime, DJU 10-01-2001, pg. 373)
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO HOMOSSEXUAL. UNIÃO ESTÁVEL QUANTO AO ÓBITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Comprovada a caracterização como companheiro homossexual é presumida legalmente a dependência econômica entre companheiros, é devida a pensão por morte.
(...)
(AC n.º 2001.71.00.0027992-0/PR, 5ª Turma, Rel. Des. Fed. Néfi Cordeiro, unânime, DJU 09-03-2005, pg. 487)
Por todo o exposto, e compartilhando do entendimento de que o Poder Judiciário não pode se fechar às transformações sociais, que, pela sua própria dinâmica, muitas vezes se antecipam às modificações legislativas, tenho convicção de que a solução mais justa e legítima para o litígio - no cotejo da interpretação constitucional adotada ao longo da fundamentação deste voto - se encontra no reconhecimento do direito dos companheiros(as) homossexuais em serem considerados como dependentes preferenciais dos segurados do Regime Geral de Previdência Social.
Sistemática de implementação do julgado na via administrativa
Finalmente, consigno que, ao longo desta ação, em diversas oportunidades a douta magistrada de 1º grau manifestou-se para esclarecer e pontificar a sistemática administrativa necessária para adoção, por parte do INSS, das providências necessárias para a implementação do direito ora reconhecido.
Por ocasião da prolação da sentença, foi determinada a extração de carta de sentença, a fim de que naqueles autos a Autarquia Previdenciária demonstrasse ter tomado as providências referentes ao processamento administrativo dos pedidos de pensão e auxílio-reclusão dos companheiros homossexuais, inclusive dos pedidos individuais noticiados no curso do processo, nos termos já relatados. Naqueles autos, o INSS se insurgiu contra determinados critérios referentes aos termos das instruções normativas, tendo agravado a este Tribunal em diversas oportunidades.
Por conseguinte, a fim de evitar eventuais dúvidas acerca dos mencionados procedimentos, registro que já me pronunciei, em sede de agravo de instrumento (AI n.º 2002.04.01.021039-5/RS) quanto à questão, no sentido de que os procedimentos administrativos tomados pelo INSS se revelaram adequados para a efetivação do direito postulado, cujos termos ora ratifico:
Não obstante a competência do Juízo monocrático para coordenar e fiscalizar a correta execução dos comandos liminares, roborados e adiados por ocasião da sentença, tenho que não lhe era dado inovar quanto aos termos do título exeqüendo, o que, salvo melhor análise, restou configurado ao dispor acerca da elaboração de minuta de nova Instrução Normativa destinada a contemplar, com exclusividade (e, aí, reside a inovação) a outorga de pensão por morte e auxílio-reclusão a dependentes de segurado homossexual,o que, ao inverso de garantir a pretendida isonomia, acaba por discriminar os homossexuais quanto ao direito de pensão e auxílio-reclusão, em contrariedade ao próprio objeto colimado na demanda de origem, sem contar que representa indevida ingerência do Judiciário na esfera de atuação do Executivo, contrariando o princípio que consagra a independência entre os poderes, com sede constitucional, que veda, sem dúvida, a possibilidade de prévio controle do ato normativo a ser editado.
A segunda observação é que na decisão recorrida a julgadora a quo reputou cumpridos, em sua substância, os comandos liminares deferidos na ação de origem, ainda que tenha concluído serem defeituosos os correspondes acessórios, os quais, em última análise, encontram-se relacionados com a normatividade interna própria da esfera administrativa, deixando de apontar, em concreto, a ocorrência de qualquer lesão materialmente configurada a interesse de beneficiário abrigado pelo respectivo manto, concluindo-se, daí, também por este motivo, injustificada a objurgada ordem para a elaboração de minuta de nova Instrução Normativa, envolvendo gasto de dinheiro público.
Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial para confirmar a sentença que julgou procedente a ação, condenando o INSS a considerar o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial dos segurados (as) do Regime Geral de Previdência Social, na forma da fundamentação.
É como voto.
Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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